Lenovo quer dominar da classe AA à D
O objetivo era claro quando Humberto De Biase chegou à Lenovo em 2011: entrar no segmento de consumo com muita força, mas, ao mesmo tempo, não perder espaço no universo corporativo. E a aposta deu certo. Desde que assumiu a direção de marketing, De Biase contribuiu para que a Lenovo pulasse de 7% para 19% em marketing share (IDC) e atingisse um crescimento nominal de mais de 280%. Agora, com a compra da CCE, a estratégia é ainda mais agressiva: dominar o mundo e mais 24 territórios, como diz De Biase.
Você chegou à Lenovo em 2011. Quais foram as principais mudanças que você fez de lá para cá?
Eu cheguei aqui em novembro de 2011 e tinha um objetivo muito claro quando me chamaram: “nós estamos te chamando porque somos uma empresa que quer entrar no segmento de consumo com muita força, mas não queremos perder o nosso DNA corporativo também”. E eu tinha vindo de uma estrutura de consumo e entendia como trabalhar nessa área também. Outro objetivo que eu tinha era promover e proteger a marca. E eu não havia entendido muito bem isso à época. Eles queriam, na realidade, saber segmentar muito bem. Além disso, logo que eu fui contratado, eu fiquei sabendo da possível aquisição da CCE. Foi, então, que eu comecei a preparar toda a estrutura para a gente poder deixar essa segmentação muito clara, pois são marcas bem diferentes. Esse foi o primeiro grande desafio e nós conseguimos fazer muito bem uma segmentação muito clara de marca, uma segmentação muito clara de consumidor e, ao mesmo tempo, crescer as duas marcas de uma forma brutal.
E quanto foi esse crescimento?
Nós tínhamos, juntos, 7% de marketing share – 3,5% cada – e fomos para 18,6%. Tudo isso em nove meses. Foi uma coisa muito clara, muito bem estruturada. Fizemos também um refresh muito bom da marca CCE. A gente cresceu em volume em mais de 280% em todas as estruturas. Quando eu cheguei na Lenovo, eu perguntava: quem é a Lenovo? Hoje, todo mundo sabe quem é a Lenovo, o que ela faz, onde ela atua, todo mundo lembra da campanha. A gente foi muito feliz e muito cirúrgico. A gente soube aproveitar o volume de investimento que a gente tem – e que não é um volume absurdo, como é o da concorrente principal…
Você pode abrir o valor desse investimento?
A gente não pode abrir, mas é um investimento bem inferior. É um investimento que condiz com aquilo que a gente coloca no mercado. Posso dizer que, dentro da categoria de PC, é um investimento razoável, que está em linha com os outros investimentos. E a gente fez um trabalho mais importante, criou uma área que é Best Class de trade marketing. Apesar de ser uma área muito menor em volume de pessoas e também de recursos, é a melhor área em talentos. Eu pesquei os melhores talentos. Hoje, eu tenho na minha equipe 22 pessoas – é uma equipe super enxuta.
A marca CCE foi comprada pela Lenovo no ano passado. Quais são os principais desafios com essa nova marca, que, no passado, sofreu bastante com opiniões negativas?
Na verdade, isso aconteceu há 30 anos. A gente teve um problema na fábrica e veio um lote muito ruim, para falar a verdade. E esse lote deu um problema e aconteceu tudo isso. Mas a primeira coisa que eu fiz, ao invés de procurar uma desculpa, foi entender. Eu fui descobrir quem é a pessoa que não gosta da CCE, qual é a idade, a experiência… Nós trouxemos 300 engenheiros para a fábrica, nós investimos US$ 100 milhões na fábrica, nós mudamos todo o processo de qualidade, colocamos todos os novos componentes. Então, o nível de produto da CCE é completamente diferente, é outro. A maior força da Lenovo é a qualidade – nosso produto é testado pelo exército americano, está na Nasa, por exemplo. Então, a gente pegou os melhores componentes de qualidade e colocou na CCE, o que muda, e muito, a qualidade. Agora, como eu mudo a percepção da pessoa que está lá na ponta? Eu pensei o seguinte: eu não quero ser amado por todo mundo. Então: quem é o cachorro bravo com o qual eu não quero mexer? Classe A e B, acima de 40 anos, esquece. Não adianta eu conversar com esse consumidor, porque ele não vai mudar a percepção, afinal, ele já teve uma experiência ruim com CCE e não quer mais saber. Outra coisa: não é um produto para ele. É um produto entry level. Não vou nem me comunicar com ele. Essa pessoa não vai me encontrar no ponto de venda nem nos lugares onde ela costuma ir. Não vou conversar com essa classe. Agora, a pessoa com menos de 45 anos, da classe C1 até a classe E, é o meu foco. Eu tenho pesquisas filmadas que mostram que essas pessoas falam bem da marca e ainda anseiam comprar CCE. O nível de rejeição não existe. O que existe é falta de conhecimento.
Então é uma porta de entrada para o mundo digital?
Totalmente uma porta de entrada para o mundo digital. Para a classe D, por exemplo, é uma marca quase assistencialista e isso é super bacana. Então, quando eu entrei aqui, o meu desafio era – e é ainda – tornar a CCE a marca mais desejada do entry level. Esse é o meu objetivo. Hoje, o meu desafio é e continua sendo torná-la meio que uma love brand desse mercado. Quero que o cara entre na loja e fale que não quer um Positivo, uma Philco, e sim, uma CCE. E a gente vai chegar lá.
Em quanto tempo?
A gente diminuiu o nível de problema de assistência de 15 mil para zero no Procon e eu acho que dentro de um ano a gente vai ter o mesmo nível de CCE que a gente tem com a Lenovo. E a gente vai impressionar o mercado, porque a gente vai dominar da classe AA à classe D. A Lenovo é uma marca que não tem muita paciência. A gente cresce organicamente, mas a gente não gosta muito de esperar. Daqui a pouco a gente vai estar dominando o mundo e mais 24 territórios a sua escolha (risos).
A Lenovo está lançando dois modelos de tablet para o consumidor final. Qual é a estratégia desses lançamentos?
A gente lançou dois tablets importantes. A gente lançou o Yoga Tablet, que é revolucionário. Nós pensamos no seguinte: como uma pessoa assiste um filme no tablet, como uma pessoa digita num tablet, como faço o meu tablet durar 18 horas? Então, a gente lançou o Yoga Tablet, que tem uma estrutura de apoio fantástica. Também criamos uma estrutura cilíndrica, que é uma bateria que dura 18 horas – e 18 horas é uma viagem daqui até Beijing. Nós fizemos esse lançamento com o Ashton Kutcher.
E como surgiu o nome do Ashton?
Ele é um cara muito envolvido no segmento de tecnologia. Ele tem uma empresa que só aposta nisso. Quando a gente foi pensar em alguém que pudesse ser o embaixador da marca, ao invés de pensar em grandes caras de inovação, o nome dele veio naturalmente. Ele era o cara. A escolha foi muito óbvia. E ele não quis ser apenas um garoto-propaganda. Ele quis participar de todo o processo. Tanto que em todos os vídeos internos da companhia ele participa como funcionário, como eu participo. É uma relação de participação mesmo.
Como você convenceria um consumidor que está na dúvida entre comprar um tablet da Lenovo e de outra marca?
Um tablet, antes de qualquer coisa, precisa ter uma estrutura funcional, que eu possa usá-lo em qualquer hora e em qualquer lugar com facilidade. E, quando eu trago um tablet com essa estrutura, eu já elimino grande parte dos tablets. Outra coisa: eu tenho uma estrutura de som aqui que me ajuda bastante, por exemplo, na hora de eu fazer uma conference call. A gente também está ampliando a nossa estrutura de Wi-Fi. Por que isso? Porque a gente veio depois e a gente conseguiu melhorar todos esses processos. E o mais importante: eu tenho 18 horas de bateria – ninguém tem isso. Não é à toa que nós ganhamos todos os prêmios na CES.
Como a marca está se posicionando na Copa do Mundo?
A gente não está participando. Estamos respeitando o contrato que as nossas concorrentes fizeram com a Fifa, o investimento que eles fizeram, e a gente não vê motivos para agredir esse processo. A Copa do Mundo é uma festa linda dentro de campo. E acho que a gente não deve misturar o que está acontecendo dentro de campo com o que está acontecendo fora de campo. Eu não acho que a gente deve tratar isso de uma forma igual. E a gente resolveu não fazer nada. É claro que a gente está levando clientes importantes para ver a Copa do Mundo. Nós compramos ingressos, espaços VIPs, etc., mas absolutamente respeitando todas as normas da Fifa e os nossos concorrentes.
E os Jogos Olímpicos?
Nós participamos dos Jogos de 2008, em Pequim. Nós fomos um dos patrocinadores master daqueles jogos e estamos estudando a participação nas Olimpíadas do Brasil, no Rio de Janeiro em 2016, e é uma das plataformas que a gente acha importante. A Lenovo é uma grande apoiadora do esporte. A gente aposta em corridas, em futebol, em Olimpíada. No futebol, a gente apostou uma vez no São Paulo e nós fomos muito felizes, mas entendemos que precisamos fazer as coisas com o exemplo que a marca transmite. Então, a partir do momento que a gente entende que o esporte transmite aquilo que a gente quer transmitir, estamos dentro. E eu acho que a Olimpíada transmite isso, o todo que a gente tanto acredita. Cultura também é uma plataforma que a gente olha com bastante carinho. A gente patrocina vários eventos culturais de dança, de teatro… A gente constrói a nossa marca dentro do nosso padrão. Adoramos incentivar as pessoas que gostam de fazer a diferença. E é por aí que a gente vai.
O que podemos esperar do mercado nesse segundo semestre?
Eu não espero grandes mudanças no mercado, para falar a verdade. A gente teve um aumento muito grande de juros, da taxa Selic, e isso fez a economia dar uma brecada muito grande. Então, freou o consumo. Quem poderia imaginar que o mercado imobiliário, por exemplo, iria cair? Toda a indústria, acredito, está sofrendo bastante. Eu não vejo mudanças tão significativas a ponto de acontecer uma reversão. A indústria parou de investir. E, se a indústria para de investir, toda a cadeia para até chegar lá na ponta. O que eu espero que aconteça é que tenha uma volta da confiança, que o governo trabalhe para termos uma aceleração do PIB porque senão a gente vai sofrer bastante.
Estamos em uma crise?
A gente deveria ter falado em crise há um ano. O Brasil está em crise. A gente deveria ter olhado para isso lá atrás. Falar em crise é um realismo retratado e atrasado. A crise pode ainda vir maior. Mas eu sou do time do otimismo e acredito que vai melhorar.