Liberato Milo: "Hoje o consumidor quer saber de onde vem o cacau"
Liberato Milo: “A receita é a mesma. Pegar o produto que tem hoje e pensar em como melhorar”
À frente dos chocolates da Nestlé, Liberato Milo tem o desafio de cuidar de uma série de ícones da empresa, incluindo a Garoto, que completa 90 anos em 2019 e foi comprada pela companhia em 2002. Sediada em Vila Velha (ES), a marca faz parte da vida do capixaba e acaba de reinaugurar a loja. Na entrevista a seguir, o executivo fala sobre as comemorações de aniversário e os planos da empresa para o futuro da marca. Ele destaca ainda tendências como a necessidade de educar o consumidor a comer com atenção plena, e a valorização da procedência do alimento.
Como serão as comemorações dos 90 anos de Garoto, em 2019?
Estamos pensando em comemorar os 90 anos com uma bateria de inovações, produtos e sabores novos, e ofertas diferenciadas. Porque o paladar do consumidor brasileiro está se refinando muito, ele sabe diferenciar o bom do ruim. E também vamos trazer toda a expertise que temos como Nestlé no mundo, trazer as tecnologias e inovações que sabemos que funcionam muito bem para o Brasil. E nas comemorações de Talento, que fez 25 anos, teremos novos sabores e uma linha com quatro produtos dark. Isso começou na semana passada, para a abertura da loja.
Inovações em que sentido?
No Brasil estamos prontos para ter produtos mais orgânicos, sem açúcar, livres de ingredientes que não pertencem a uma receita de chocolate. São produtos de valor mais agregado, sabores únicos brasileiros tipo açaí, coisas que podemos encontrar na selva Amazônica, nozes e grãos do país. Garoto nada mais é que a melhor expressão do chocolate mais fino brasileiro. Queremos que essa excelência esteja refletida em todos os componentes.
O que prepara em posicionamento e campanhas para o ano, especialmente em relação aos jovens?
Teremos uma grande campanha. Ficamos muito contentes do posicionamento de Garoto com os jovens hoje. Mas se comunicar com eles hoje é um desafio complicado. Eles fazem várias coisas ao mesmo tempo, são multitarefas. Como falar com ele de uma forma que ele retém? Acho que encontramos um linguajar correto para falar com os jovens.
Para onde caminha essa estratégia?
A primeira coisa é entender genuinamente o que apaixona esses jovens. E depois, pensar em o que fazer para falar de forma relevante. O digital, o networking, a escola, a mochila e os eventos são muito importantes. Cada dia mais vamos investir em eventos especializados, mas ao mesmo tempo de forma responsável. Em eventos de game, não dá para ficar sentado o dia inteiro, precisamos incentivar a prática esportiva. Então é reinventar a forma de se comunicar de forma relevante com os jovens. Com eles, é mais importante o meme do que uma campanha de televisão, ou o que você tem numa embalagem do que qualquer coisa que eu possa falar num comercial. A amêndoa de cacau amarela está em todos os nossos tabletes. Essa é a forma como o jovem visualiza que é brasileiro e tem cacau. Se eu escrevo, ele não está nem aí. Temos um centro muito grande de Serviço ao Consumidor. Muitos jovens ligam ou escrevem, perguntam onde compramos as amêndoas. Temos youtubers de 12 anos, do Recife, que têm milhares de seguidores. Eles querem saber. Você acha que posso mandar um comercial? Temos de responder. E não podemos mentir. Precisamos ser honestos.
Ter a visitação à fábrica ajuda nesse posicionamento?
Sim, nossa fábrica está aberta. Quando eu falo que é uma atração turística, como é a corrida Dez Milhas Garoto, que tem 30 anos, isso é fato. Tem de ser palpável sempre.
Falando nessa questão de educação do consumidor, o que mais a Garoto pretende fazer nesse sentido?
Tem algo que acho que todos nós temos de fazer, seja na indústria ou na família: Mindful Eating. Acho que o que precisamos pregar é que tudo é bom, mas na medida correta. Tem de olhar, pegar o produto, desembrulhar, parte, pegar um pedacinho, ser um ritual, dar um tempo de assimilar esse prazer. Tomamos muito cuidado de não mostrar crianças mordendo o chocolate inteiro, mas pegando pedacinhos. Temos de educar nossos filhos e consumidores que uma porção é uma porção. E que a pessoa deve comer quando está pronta para o prazer, não quando está ansiosa.
O ano está terminando com a celebração de Talento e a reinauguração da loja. Como foi 2018 para a Garoto?
O Brasil passou por uma recessão nos últimos anos, mas o mercado de chocolate como um todo cresceu em valor. E eu acho que tem o lado do consumidor e da indústria. Para o consumidor, o chocolate tem uma coisa inerente, de dar momentos de alegria. No subconsciente o consumidor sabe disso. Quando enfrenta situações não tão boas, ele busca esse estímulo. Do lado da indústria, e nós somos os líderes, embarcamos nessa jornada e sofisticamos o nosso portfólio. Fomos muito agressivos em inovações. Achamos que a recessão se enfrenta com determinação, paixão e positivismo. Por isso lançamos 20 produtos novos e vamos lançar mais itens no ano que vem. Também reformulamos nosso portfólio, de marcas que existem há décadas, e não ficou pedra em cima da outra. Os produtos foram revolucionando. Antes eram três marcas e cinco produtos, hoje são mais de 1.500 produtos no Brasil. Para ser marca líder tem de inovar o tempo todo.
Milo: “A recessão se enfrenta com determinação, paixão e positivismo”
A partir desse cenário, qual a expectativa para o ano que vem?
Se num ambiente recessivo a indústria do chocolate funcionou bem, não vemos motivo para, em um ano que em teoria as expectativas são positivas, não ser melhor ainda. A receita é a mesma: pegar o produto que tem hoje e pensar em como melhorar. Ter essa determinação de que tudo pode ser feito melhor.
Por que o consumidor ficou mais exigente e participativo?
Hoje o consumidor quer saber de onde vem o cacau, se a gente compra no Brasil, se tem sustentabilidade. Uma das iniciativas é o nosso Plano Cacau, nossos agrônomos visitam as plantações, buscamos melhorar as amêndoas, melhorando os produtos. Não dá para brincar. Não podemos fazer recheado com qualquer coisa. No Talento temos castanha-do-pará. É caro? Sim. Mas é Primeiro Mundo, o melhor que pode ter. A Nestlé trouxe para Garoto essa vontade de ser sempre mais, de trazer tudo que tem de melhor.
A Páscoa de 2019 será a maior da empresa?
Produzimos todos os ovos Garoto e Nestlé em Vila Velha (ES) e estamos a todo vapor. A Páscoa é muito importante para a indústria. Mas não é só ovo. Brasileiro compra ovo, mas ele compra caixa e presenteia muito. A caixa muitas vezes vai na mesa com o café. É como um ‘social lubricant’, que junta gerações na mesa. Se formos pensar na Páscoa como um consumo de chocolate, incluindo ovo, caixas, barras, a próxima Páscoa seguramente será a que mais valor vende. Acredito que nossa indústria tem de falar mais do valor, do que de toneladas.
Quais agências atendem a empresa e como está estruturada a comunicação atualmente?
Temos WMcCann, David, J. Walter Thompson e Ogilvy. Marca é um negócio que tem de cuidar muito bem, não dá para deixar brincar muito. Precisa ser contemporâneo e ter especialistas para coisas distintas. Estamos fazendo várias coisas com Ogilvy em digital, por exemplo, as últimas campanhas de televisão foram feitas com a David, o trabalho espetacular com Baton foi feito pela WMcCann. Também cuido de Kit Kat, e o trabalho foi feito pela J. Walter Thompson. Somos muito grandes, trabalhamos com os melhores do mundo. Não podemos mais agir como antes, que se fazia uma campanha, jogava na televisão, pagava e pronto. Hoje temos de fazer um sem fim de interações. Colocamos o consumidor no centro, mapeamos tudo que ele faz, e como interagir com ele nos momentos que ele está disposto. Ele é muito emancipado, fala sim e não, não e sim, com uma velocidade enlouquecedora. Quando eu era jovem, não entendia nada. Hoje meu filho pergunta por que eu vejo televisão e se não é chato interromper a programação a cada tantos minutos.
Faz 16 anos desde a venda da Garoto para a Nestlé, mas a operação segue em debate pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). Como está isso hoje?
Primeiro fato, a Nestlé é dona da Garoto. Compramos, pagamos. Segundo, o mercado que havia em 2002 e o que tem hoje são completamente diferentes. As premissas de 2002 não existem mais. Quando compramos, a lei era uma, hoje é outra. Nós como donos da companhia sempre tentamos de tudo para fazer a Garoto crescer de forma responsável. E temos isso comprovado nos produtos, nas inovações e no carinho que temos pela operação. Sempre falo que esse é o centro de excelência de chocolates no Brasil. Estamos dispostos a colaborar com o Cade. Estou dormindo muito tranquilo porque estamos fazendo as coisas certas.
E quais são os próximos passos desse caso tão emblemático?
Não sei o que isso significa para o futuro. Espero que o bom senso e que quem está neste tema consiga chegar a uma decisão aceitável para a Garoto, para Vila Velha e para o Espírito Santo. Não vamos aceitar maluquices. Acreditamos que isso vai chegar a um bom fim. Tentamos da melhor forma colaborar, mas de fato hoje tudo voltou para a estaca zero, e só sabemos que o mercado é completamente diferente. Tem as boutiques de chocolate, tem jogadores novos no mercado, tem produtos importados… Não temos mais nada a dizer. Quem quer nos visitar pode visitar. Quem quer encontrar uma boa solução para os trabalhadores no Espírito Santo, nossa marca e a sociedade capixaba, será bem-vindo. Quando compramos as letras eram escritas à mão, hoje você manda milhares de mensagens pelo WhatsApp. Querer regulamentar uma coisa que não existe mais é um negócio complicado. Mas nós vamos fazer como bons cidadãos e responsáveis que somos todo o esforço necessário para dar a isso um bom fim.