Lideranças do mercado opinam sobre questão do BV
A Bonificação por Volume (BV), o conhecido sistema de incentivos oferecido por veículos de comunicação para agências de publicidade, prática de mercado há mais de 50 anos, tornou-se alvo de críticas por parte do presidente Jair Bolsonaro (PSL). Em um discurso em Brasília, na semana passada, durante a posse dos presidentes dos bancos públicos, Bolsonaro disse que o BV precisa deixar de existir.
“Eu aprendi há pouco o que é isso e fiquei surpreso e até mesmo assustado”, disse ao discursar.
Sabe-se que está em fase de redação, neste momento, para ser apresentado em fevereiro, um projeto de lei que estabelece o fim da bonificação, que levará a assinatura do deputado Alexandre Frota (PSL-SP). Para elaborar o projeto, o deputado contou com a colaboração de representantes de emissoras como RedeTV!, que teriam especial interesse no fim da bonificação, considerada por elas predatória ao mercado. No cerne da disputa está o histórico predomínio da Globo no mercado publicitário de TV aberta, para o qual é direcionada quase 70% das verbas no país.
Procurada, a assessoria de imprensa da Secretaria Especial de Comunicação Social do Governo Federal (Secom) não prestou qualquer esclarecimento a respeito das declarações de Bolsonaro, até o fechamento desta edição.
Marcelo de Carvalho, sócio e vice-presidente da RedeTV!, vem fazendo críticas ao modelo de bonificação afirmando que as verbas publicitárias só são direcionadas para a Globo, sufocando os demais veículos, porque a emissora oferece o plano de incentivo com bonificações, que podem ir de 5% a 20%, dependendo do volume investido. Acusando o BV – que todos os veículos oferecem, inclusive a própria RedeTV! – de “propina legalizada”, Marcelo critica o fato de a bonificação ser dada às agências de publicidade e não aos próprios anunciantes, que pagam pelo espaço nos veículos. Segundo ele, um eventual fim do BV daria às agências a oportunidade de ganharem mais, reestabelecendo os patamares de remuneração preconizados pelo Conselho Executivo das Normas Padrão (Cenp).
Marcelo de Carvalho critica modelo de bonificação
Procuradas, outras emissoras como SBT, Band e Record TV preferiram não comentar o assunto. A Globo declarou, por meio da sua assessoria de imprensa, que tem a mesma posição que a Associação Brasileira de Agência de Publicidade (Abap), que por sua vez divulgou um comunicado no qual deixa claro que pretende dialogar com o novo governo e explicar como é a atual regra de compra de mídia no Brasil, desfazendo crenças e alguns mitos de que o mercado brasileiro não possui boas práticas nesse segmento. Segundo o comunicado, “O nível de sofisticação dos profissionais de mídia e das ferramentas técnicas utilizadas pelas agências de publicidade brasileiras são referência no mundo e que, diferentemente do que acontece em outros países, no mercado brasileiro nenhum plano de mídia é adquirido sem a expressa aprovação por parte da equipe de marketing do cliente, que examina várias opções e solicita alterações sempre em busca de eficiência técnica”. O texto continua: “Os planos de incentivos são utilizados por quase todas as grandes atividades do país e convivem em harmonia com os fundamentos do liberalismo econômico”.
Mario D’Andrea, presidente da Abap, afirma que é fundamental criar uma ponte de diálogo com o governo para explicar a eficiência da compra de mídia no Brasil.
Dudu Godoy, presidente do Sindicato das Agências de Propaganda do Estado de São Paulo (Sinapro-SP), reitera ser fundamental, neste momento, antes de qualquer coisa, explicar aos representantes do governo como é a forma de atuação das agências, para que não haja equívocos na definição das políticas que vão orientar as decisões governamentais.
“Queremos esclarecer quais são as regras de compra de mídia no Brasil e o verdadeiro papel dos incentivos, desfazendo o rumor de que as agências brasileiras não seguem práticas adequadas”, disse Godoy.
Segundo ele, a forma de remuneração do mercado publicitário foi amplamente discutida entre todas as partes envolvidas: clientes, agências, anunciantes e fornecedores, acordo que está expresso nas normas-padrão do Cenp, com total transparência, pois é um documento aberto a todo e qualquer cidadão brasileiro.
Dudu Godoy: “Queremos explicar atuação das agências”
Mecanismo de remuneração
O BV se tornou um importante mecanismo de remuneração das agências ao longo do tempo e sempre existiu no mercado, desde os anos 1960. Foi importante para jornais, por exemplo, fortalecerem suas seções de classificados e, à certa altura, acabou formalizado pela Globo, que criou uma tabela, estabeleceu parâmetros e acabou levando o restante do mercado a acompanhar. Inicialmente, as agências repassavam para os clientes a bonificação, ou parte dela, e com o tempo ela se tornou exclusiva das agências. O recurso também serviu como um mecanismo de premiação para pagamentos feitos em dia, uma vez que, frequentemente, agências adiantam para clientes o pagamento aos veículos.
Em 2010, a prática foi regulamentada na Lei nº 12.232. O oferecimento do BV é facultativo e diz respeito ao volume do total de clientes que a agência leva ao veículo. Esses incentivos são previstos no Artigo 18, pagos em dinheiro e com nota fiscal.
Armando Strozenberg: “Muitas opiniões sem análise”
Há muitos mitos e confusões em torno do BV, defendido por uns, demonizado por outros. O mercado publicitário o encara como uma prática de incentivos como outra qualquer, que ajudou e ajuda agências a manterem suas sofisticadas estruturas de mídia, atendendo às muitas demandas dos anunciantese contribuindo para transformar o mercado publicitário brasileiro em um dos mais fortes do mundo. Ferramentas de mídia custam milhões de reais a grandes agências, e representam a segunda maior despesa depois da folha salarial.
“Muitas opiniões ainda sem uma análise mais acurada ou sem conhecimento mais aprofundado dos fatos sobre vários temas estão sendo emitidas – com algum excesso… – por integrantes do governo recém-empossado”, observa o publicitário e consultor Armando Strozenberg.
José Amato Balian, coordenador da Incubadora de Negócios da ESPM-SP e professor de cursos de graduação e MBA, na FAAP, ESPM e FIA, disse que é preocupante que um governo cujo discurso passa pela menor intervenção do Estado na economia e no mercado esteja querendo interferir justamente em uma prática de livre mercado – que sempre existiu. Em sua opinião, se a intenção do governo é atingir a Globo, vai errar o alvo, pois certamente a emissora não se ressentirá com o fim do BV. Já o universo de agências de publicidade, que dependem dele para a sustentabilidade de seus negócios, pode sofrer bastante.
“O governo se declara liberal, a favor de privatizações e desregulamentações, criticando privilégios ao grupo A, B ou C. Ao que parece, ele próprio está querendo proteger certos grupos com sua ideia de extinguir o BV. É uma questão difícil de resolver, que vai contra tudo o que o atual governo pregou durante sua campanha eleitoral”, finaliza.
José Amato: “Universo de agências pode sofrer muito”