Lorelay Fox: 'A mudança das empresas tem de ser de dentro para fora'
Danilo é publicitário e se montou como Lorelay Fox pela primeira vez aos 17 anos. Hoje, ele estrela diversas campanhas pela internet
Danilo Dabague, nascido em Sorocaba, tem 35 anos, publicitário de formação e se montou pela primeira vez aos 17, mas foi aos 28 que sua Drag Queen passou a ser conhecida fora dos 450,38 km² da cidade do interior de São Paulo.
No dia 30 de março de 2015, Danilo criou o canal da Lorelay Fox, onde começou a compartilhar dicar de maquiagem e tirar dúvidas sobre a comunidade LGBTQIAP+, da qual faz parte.
Em 2017, aconteceu o "auge" de sua carreira, segundo o próprio. Um vídeo lendo e interpretando a poesia Eu sei, mas não devia, de Marina Colasanti, viralizou e atualmente soma mais de meio milhão de visualizações e, cada vez mais, o rosto maquiado de Danilo passou a fazer parte dos programas de TV, vídeos no YouTube e nas publicidades.
"Eu nunca imaginei que fosse ser viral, eu achava que ia ser legal porque o texto é legal. Não imaginei que fosse viralizar tanto, foi bem bizarro", afirmou o youtuber.
Ao longo de sua carreira na internet, o youtuber — que hoje faz parte da Dia Estúdio e soma mais de 900 mil inscritos no canal e mais de 680 mil seguidores no Intagram — já fez trabalhos para Skol, Coca-Cola, Faber-Castell, Stabilo, Novelei, Amazon, Smirnoff, GNT, C6 Bank, QuintoAndar, iFood, P&G, Discovery+ e muitas outras.
Ao PROPMARK, Danilo conta como começou sua vida na internet, como ele enxerga a relação das marcas com a comunidade LGBTQIAP+ e como ele mesmo se relaciona com as empresas.
Como e por que você decidiu começar a postar seus vídeos no YouTube?
Porque eu sou louca né? Por não saber onde eu estava me enfiando (risos). Na verdade, eu já era drag e me montava há uns 10 anos. Nessa época, não tinha mais o que eu fazer com ela, então eu pensei em criar algo virtual porque na vida real, na prática, eu não conseguia fazer nada. Não tinha mais show, balada... E eu, sendo muito fã de YouTube, pensei em fazer algo lá para me montar mesmo que fosse online.
Em que momento ser youtuber se tornou uma profissão para você?
Olha, difícil. Mesmo quando eu comecei a ganhar dinheiro, eu ainda tinha medo de trabalhar a minha antiga profissão. Eu meio que tinha medo da instabilidade. Então, eu acho que demorou um ano e meio, dois anos, mas eu só larguei o meu emprego antigo três anos depois de criar o canal. Eu fui demitida, na verdade (risos). Eu não estava dando conta dos dois trabalhos, minha chefe me demitiu e eu fui obrigada a entender que meu emprego era outro agora. Mas eu comecei a perceber que tava dando certo antes disso, porque eu me mudei para São Paulo com um ano de canal, porque eu vinha muito para cá e entendi que dava para eu começar a tirar mais grana com esse trabalho.
Você tem um vídeo que viralizou, onde você cita uma poesia. Você achava que esse vídeo ia ter essa proporção toda?
Olha, não. É engraçado porque quando eu postei esse vídeo, eu morava com o meu amigo e foi a primeira vez que eu pedi opinião sobre algo antes de eu postar. Era a primeira vez que eu fazia algo que não era meu, onde eu lia o texto de outra pessoa. Eu achei que ia ficar muito cafona, sabe? Quando você lê uma poesia assim, ela pode ficar muito cafona ou muito legal, é uma linha muito tênue e acho que eu fui um pouco dos dois (risos). Eu nunca imaginei que fosse ser viral, eu achava que ia ser legal porque o texto é legal. Não imaginei que fosse viralizar tanto, foi bem bizarro. Todo mundo me mandou o vídeo, inclusive pessoas que não sabiam que eu era a Lorelay Fox, e eu fiquei morrendo de vergonha. O mais legal desse vídeo é que a própria autora do texto me mandou e-mail. A Marina Colasanti já é bem senhorinha e disse que foi a filha dela que mostrou para ela. Ela disse que adorou a interpretação, do jeito que eu falei, falou que foi superpontual e na medida certa. Esse foi um dos auges da minha carreira (risos). Mas teve muita gente que me criticou também porque, quando um vídeo viraliza, aparece um monte de hater, gente para falar mal, mas eu não me importei porque a autora me mandou uma mensagem dizendo que tinha gostado. Esse vídeo foi um divisor de águas na minha vida.
Como foi para você ter furado uma bolha com esse vídeo?
Esse não foi o primeiro vídeo que viralizou, sabe? Eu já tinha passado por uma experiência similar, mas no primeiro, era um vídeo com tema LGBTQIAP+. Mas viralizar assim é sempre muito bizarro, porque vem muita gente que quer te conhecer e gente que quer falar mal. Mas eu aprendi a lidar. Sabe o que é difícil quando algo viraliza? É que você não consegue repetir aquela forma, então tem esses altos e baixos de tentar entender o porque aquele vídeo em específico viralizou. Para mim, furar a bolha é essencial, tanto que hoje a maior parte do meu público são pessoas que não são LGBTQIAP+. Isso é legal para eu conseguir espalhar mais a palavra.
Hoje, existem muitos influenciadores e o viral se tornou "comum". Com isso, você ainda sente uma pressão para viralizar algum vídeo?
Antigamente era muito diferente. Tinham menos influenciadores, menos redes sociais... Acho que as pessoas prestavam mais atenção nos youtubers do que nos instagramers e o TikTok nem existia, então a gente queria ser visto ali. Hoje em dia, eu tenho uma maneira diferente de enxergar essas questões. Para mim, eu preciso estar relevante o suficiente para fechar trabalhos. Não preciso ser famoso, nem ter um milhão de inscritos. Eu preciso que o meu público engaje comigo, preciso criar um conteúdo legal para a comunidade que eu construí e que eu consiga publicidade com isso. Eu já tive a ideia de que 'eu preciso me manter a drag queen mais famosa do YouTube', já entrei nessa pira porque eu fui a primeira drag do Brasil é ter um canal e é estranho quando você começa a ver um monte de outras pessoas também sendo o que você é, traz uma insegurança muito grande. Mas hoje em dia eu acho que é mais simples. Se você já construiu uma comunidade, é só você fomentar ela. Eu foco nisso. Faço tudo pensando no público que eu já tenho, tanto que eu mudei muito o meu conteúdo e, por mais que meus inscritos não tenham aumentado muito, meu engajamento subiu. Acho que eu comecei a enxergar mais o meu público e fazer conteúdos para quem já estava ali comigo do que me preocupar com conquistar gente nova.
Falando de publicidade, qual foi a primeira campanha que você fez?
Foi um post no meu Facebook para a Skol. Foi a primeira marca que me contratou. Já comecei nos alcoólicos né? Graças a Deus (risos). A Skol estava fazendo uma campanha sobre diversidade e eu ia compartilhar. Eu ganhei R$ 1.500,00 na época, sendo que na agência que eu trabalhava, eu ganhava R$ 2.000,00 por mês. Quando eu vi, eu não acreditei porque eu só ia postar uma coisa e ia ganhar tudo isso. Eu ainda acho isso bem bizarro. Na época, eu achava que era fácil, sabe? Chegar e postar, mas hoje eu vejo que não é. O trabalho é conseguir o engajamento para interagir com a publicidade, essa é a parte difícil.
Como foi para você entrar nesse mundo publicitário?
Foi bizarro. A gente não tem contato com os valores mais exorbitantes, que são os da televisão e das outras mídias. O que acontece é que a gente se sente a mídia e isso é estranho. As publicidades que a gente faz é como se fosse um horário publicitário dentro da mídia que sou eu. Isso soa estranho.
Qual foi a campanha que mais te marcou?
Ai, que difícil. É meio injusto eu responder, porque já fiz tantas legais... Tem uma campanha que eu fiz que tenho muito carinho, porque achei que ficou chique, que foi com a Sebastian. Eles fizeram a minha peruca, ficou muito chique. Foi bem diferente do que eu costumo fazer porque eles quiseram me colocar como uma influenciadora de beleza. Foi uma experiência legal, de bastante tempo e eu tenho uma boa relação com eles. Teve a Stabilo também, que me marcou muito porque, antes de ser youtuber, eu guardei dinheiro por muito tempo para conseguir comprar as canetas deles. Faber-Castell também me marcou muito porque me remeteu a minha infância, eu mostrei os desenhos que eu fazia quando era criança... Foi bem legal, tudo que envolve a trajetória da minha vida, eu acho muito especial, tanto que foram campanhas superemotivas no canal.
O que você leva em consideração na hora de fechar um trabalho com uma marca?
Olha, eu preciso pensar em marcas que não tenham histórico negativo dentro das pautas LGBTQIAP+, de gênero, racial etc. Não dá para fechar com marcas que tenham um histórico negativo porque quando elas chegam para fechar trabalho, normalmente,é para limpar a imagem e eu acho que o movimento tem de ser inverso. É assustador ver o quanto isso acontece e o quanto tem marca desesperada, mas também é um posicionamento meu. Eu entendo outros influenciadores e youtubers que fecham esses trabalhos porque as vezes é o que tem, mas enquanto eu puder escolher, eu vou. Outro critério que eu levo em consideração é saber se vai fazer sentido na minha timeline. Às vezes rolam algumas coisas que podem não ter nada a ver com quem é a Lorelay, mas pode ter a ver com o meu público, que é majoritariamente de mulheres, entre 25 e 40 anos... Pode não fazer sentido para mim, Danilo, menino cis gênero, mas pode fazer sentido para as meninas que me seguem. Esses dias, eu fiz uma publi de um aplicativo que você pede serviços de beleza em casa e é o tipo de coisa que eu jamais usaria, mas para as minhas seguidoras era legal. Isso não quer dizer que eu sou falso comigo, só significa que eu estou trazendo algo legal para o meu público. Acho que a gente, influenciador, esquece disso as vezes e pensa só no que a gente usaria, sendo que nós somos muito diferentes do nosso público. Eu penso muito no que eles vão gostar.
Tem alguma marca que você gostaria de fazer campanha?
Ai, eu acho tão injusto falar os nomes porque a gente sempre trabalha com as concorrentes e com aquela não (risos), mas acho que eu já trabalhei com a maioria das marcas que eu acho legal. Eu já fiz com a Coca-Cola, o auge do capitalismo né? Mas foi para o Twitter, mas eu queria fazer algo maior, com foto e vídeo também porque acho a empresa bem legal, acho o auge da carreira.
Você começou a aparecer mais como Danilo. Isso influenciou o seu relacionamento com as marcas?
Olha, com as marcas não mudou nada porque elas querem que eu esteja montada o tempo inteiro, não adianta. Pode ser stories, no meio do dia... Eu posto 15 stories sem estar montada, do nada corta e eu estou lá montada fazendo publi. Para as marcas, é assim que tem de ser. Elas não entenderam que, para a minha audiência, eu estar montada ou não, não impacta em nada, mas não adianta. Ninguém lembra que eu existo desmontada (risos). Foram pouquíssimas as vezes que eu pude fazer uma campanha desmontado. Algumas vezes era porque a marca realmente não se importava e outras porque queriam eu, Danilo mesmo. Recentemente eu fiz uma com Pão de Açúcar, que ficou bem legal, e não fazia sentido eu estar de Lorelay. Eu acho legal quando as marcas enxergam isso, que a Lorelay distancia um pouco quem eu sou, o artista por trás dela. Quando a marca aceita eu estar desmontado, normalmente é porque já está muito em cima da hora e não vai dar tempo de eu me montar, mas da certo da mesma forma.
Você participa de tudo na campanha? Criação, roteiro, produção...
Sendo bem sincero, a maioria das coisas já vem pronta e a maioria das empresas não ouve quando a gente aponta alguma coisa no roteiro, pelo menos na minha vivência. As empresas querem do jeito deles, da maneira que fica igual para todo mundo... São poucas as que dão liberdade para a gente criar. Eu sei que a maioria deve falar que adora participar da criação, mas não adora não (risos). Eles querem só receber o briefing, entregar rápido porque o fluxo é bem grande. Sinceramente, eu não participo tanto da coisa de criação, mas eu acho que por eu ter um estereótipo muito definido do meu personagem, as coisas já chegam dentro de algo que eu já faria. O último que fiz e era bem direcionado para mim foi o Novelei, da Globo, e a sugestão era 'Lorelay vai transformar alguém em drag' e eu achei legal, porque eu já faço isso. Eu queria fazer coisas mais diferentes, mas as marcas querem sempre a mesma coisa: eu me transformando enquanto falo alguma coisa. Quando isso chega, eu já falo que não porque demora uma hora e meia para eu gravar um stories. É difícil, eu não participo (risos). Quero que chegue o mais moído possível e ai eu levo o toque da Lorelay.
Como começou o seu relacionamento com a Dia Estúdio?
Eu já faço coisa com a Dia há muito tempo, mesmo antes deles se tornarem a minha networking. Eu acho que começou com a Parada Ao Vivo ou com projetos com o Diva Depressão, como o do Oscar, mas eu não tenho certeza. Eles sempre me convidavam para participar das coisas. Eu acho que a Dia tem essa coisa de primeiro entender o influenciador, se tem a mesma vibe que eles, sabe? O convite para eu participar como networking - que é uma coisa muito polêmica dentro dos criadores de conteúdo, porque network sempre deu problema - foi quando teve um ano de Parada LGBTQIAP+, porque eles queriam que todos que participassem da transmissão fossem da Dia e é óbvio que eu aceitei.
Como você lida com a quantidade de redes sociais que existem hoje?
Olha, o que eu - e outros influenciadores - faço é pedir para o editor dos vídeos tirar cortes específicos para cada rede, isso facilita sabe? Porque eu não preciso criar vídeos exclusivos para cada uma. O que eu tenho mais postado no TikTok é isso, por mais que eu queira sim produzir conteúdos exclusivos para lá, mas por enquanto eu não estou conseguindo. A melhor forma de alimentar todas as redes, para quem é youtuber e produz vídeos longos, é decupar esse vídeo e pulverizar as redes. É difícil se adaptar, mas a gente precisa entender como elas funcionam, o que ta rolando por lá, quais são as trends... É legal ter novas redes e a gente precisa se atualizar a elas. Eu tento, na medida do possível.
Além das suas redes, você também tem um podcast que não segue a tendência dos videocasts. Você já pensou em transformar ele em vídeo?
A minha ideia desde o começo era não precisar ligar uma câmera para falar. A liberdade do podcast é eu poder gravar em qualquer lugar, eu não quero ter o trabalho que eu tenho com os vídeos e não tem como eu inserir mais esse vídeo na minha rotina. Eu nem gosto de videocast, sabe? Os que eu consumo, eu não assisto, só escuto no fone mesmo. Os videocasts são legais para tirar os cortes para as redes, por exemplo, mas como eu já produzo muito vídeo, não preciso disso e nem pretendo.
O movimento das marcas de trazer a diversidade para as campanhas é recente. Quando você começou a perceber que isso estava acontecendo?
Eu fui da primeira geração de influenciadores LGBTQIAP+, então nós acompanhamos esse movimento. Antes, as marcas não sabiam lidar com a diversidade na publicidade, mas hoje a maioria já entende como deve ser feito e, se não faz, não faz por mau-caratismo. Se alguém faz uma publicidade meio errada hoje em dia, é porque a empresa quis aquele buzz. Hoje em dia não existe mais isso de 'ai, eu não sabia'. O que eu senti é que no começo as marcas achavam que era só colocar um LGBTQIAP+ lá e pronto, principalmente no Mês do Orgulho, mas a gente começou a fazer uma pressão para que marcas estivessem o ano inteiro do nosso lado e trabalhassem internamente essas questões de diversidade. Quanto mais o tempo foi passando, eu comecei a trabalhar muito mais internamente com as marcas do que em publicidade. As marcas mais engajadas com a causa são as que eu mais trabalhei internamente fazendo palestra. Isso foi aumentando ao longo do tempo. Para mim, esse é o processo ideal, a marca mudar de dentro para fora.
Você influencia muitas pessoas com o seu trabalho. Como você se sente com essa responsabilidade?
Antes eu sofria muito com isso porque as pessoas me contavam histórias muito pesadas. Pensando no público LGBTQIAP+, são histórias de uma família que não agrega, de uma exclusão social e na internet, as pessoas encontram um ombro amigo. Isso, por um tempo, pesou muito porque eu me sentia muito responsável. Hoje, eu aprendi a lidar e entendo que tenho essa responsabilidade, de trazer um conteúdo pensado para as pessoas. Muitas pessoas chegaram para mim falando que 'ai, você me salvou na pandemia', só que alguns influenciadores também me salvaram nesse período difícil que foi a pandemia e ai eu entendi que essa é uma relação legal. Precisei passar por esse momento e entender que os influenciadores fazem parte da nossa vida. É da relação de cada pessoa. Eu precisei entender também que a visão que as pessoas tem da gente é muito inviesada, é um recorte, do recorte, do recorte do que a gente decide postar, editado. Precisei entender que o que as pessoas amam da gente, não é o que nós somos de fato. Nós não somos incríveis como algumas pessoas nos veem, mas também não somos tão ruins quanto outras pessoas veem. A gente só é outra coisa e é bonito ver como as pessoas enxergam o nosso trabalho.
Qual é a melhor definição da marca Lorelay Fox?
Olha, eu gostaria de ser definida como uma drag queen elegante e surtada (risos). Ao mesmo tempo que eu quero que as pessoas me achem elegante, eu não quero que elas me levem tão a sério. No começo, eu fui colocada no lugar de fada sensata, mas eu fujo disso hoje.
Como você se enxerga?
Eu me enxergo como alguém que conseguiu construir uma empresa de sucesso, como um empresário de sucesso. Sucesso esse que é relativo ao que eu era antes, as expectativas. Para mim, eu sou alguém que deu muito certo dentro do que eu achei que eu podia ser.