Lula Vieira: Cenas de um casamento
E é assim, sempre será assim, no seio das famílias grandes. De concessão em concessão, a modernidade quase que se limita ao direito da noiva de não casar virgem. E a trilha sonora, claro, que agora inclui algumas bandas de rock e “Eu Sei Que Vou Te Amar” nas rodinhas mais intelectuais, “Emoções” nas mais populares, e Cézar Menotti e Fabiano em… sei lá onde se toca Cézar Menotti e Fabiano na entrada da noiva.
Pois bem, a propósito de casamentos mais, digamos, “mudernos”, menos caretas, eu soube de uma edificante história que ocorreu na cidade de Amaral Ferrador, na província do Rio Grande.
Não é que Tavinho, filho do Coronel Guedes, conheceu uma prenda de Porto Alegre e se enrabichou a ponto de querer casar na igreja, com apenas quatro meses de noivado? Pois foi. Prima Deolinda, alçada à gloriosa função de mestre de cerimônias, chamou o melhor e mais reconhecido buffet de Capão das Canoas para caprichar nos comes e bebes e convocou um padre de Porto Alegre, conhecidíssimo pelos sermões emocionados que fazia.
Duzentas pessoas compareceram à capela local para ver o casório e conhecer a noiva, uma loura deslumbrante, que após uma hora de atraso brindou os circunstantes com um vestido branco perolado, ousadamente tomara que caia. O padre, vestindo uma batina colorida, de tênis e rabo de cavalo, começou o aguardado sermão: “Dois filhos de Deus vão se unir pra sempre, sob as bênçãos da igreja. Eu queria lembrar a vocês a necessidade do amor, da compreensão, da cumplicidade num casal. Mas também recomendar que não esqueçam do bom e velho sexo, sem o qual não há matrimônio que resista”. Os convidados se entreolharam. Era inusitada a abordagem. Mas, afinal, são coisas da capital, pensaram. O padre tomou um gole do vinho da missa, pigarreou e foi adiante.
“Mas nessa área, o sexo, eu queria lembrar que não basta um papai e mamãe burocrático, aos sábados à noite, só para cumprir tabela. O sexo precisa ser bem feito, criativo, caprichado, garantindo a satisfação do homem e, por que não, a fidelidade da mulher. Aliás, a mulher de hoje gosta da coisa quase tanto quanto o homem. E quem não tem em casa procura na rua, já diziam nossas avós.” A mãe do noivo apertou a mão do marido. O que poderia vir a seguir?
“Minha filha – voltou o padre e, dirigindo-se à noiva – tu não deves vir com frescuras de dor de cabeça. E tu – disse ao noivo – vai ter que também ir com calma e respeitar as vezes em que ela não estiver afim. Quando for o caso, nada de porrada, e muito menos ir às putas por vingança.” A essa hora a igreja já estava indócil. As mulheres se abanavam, com palpitações.
E o padre ia se entusiasmando com a própria eloquência: “Outra coisa, não permita que vocês fiquem só no papai e mamãe. Experimente de tudo, que tudo é permitido. Dentro do sagrado matrimônio não há sagrados e nem profanos. Quem faz gostosinho e com alegria está de certa forma louvando. E isso é bom para os ouvidos do Senhor!”.
Algumas mulheres ameaçaram desmaiar. Os mais jovens começaram a rir. O padre continuou: “Para preliminares e mesmo pra sexo anal, eu recomendo o Creme Virgem Again, que é testado dermatologicamente e não contém silicone. E, prosseguindo, falarei do sexo oral”.
A igreja já era um pandemônio. O padre pega a vela e mostra para a congregação. “Comecemos pelo papel da mulher. Imaginem isso aqui sendo o pau do marido…” A esta altura alguns fiéis estavam dispostos a cobrir o padre de porrada. O padre gritou: “Esperem aí! Eu não sou padre! Sou ator. Fui contratado pelo Estevão, padrinho do Eduardo, para fazer essa brincadeira no casamento do Edu com a Tatiana!”.
Foi a vez do Coronel, pai da noiva, se espantar: “Eduardo? Tatiana? Ficaste louco, bagual?”. Ao que o falso padre olha espantando para a congregação, ou melhor, para a zona armada, e tenta se explicar: “Porra, desculpem. Me enganei de igreja. Mas os conselhos que eu dei continuam servindo, ainda mais pra vocês, que moram nesse cu de mundo”. E saiu correndo.
Pode ser mentira. Nem sei se existe a cidade de Amaral Ferrador. Mas um bom cronista não confere os casos que ouve contar. Passa adiante, se possível com alguns retoques. Segundo a velha tradição jornalística, comprovada diariamente na maioria de nossos órgãos de imprensa, a verdade é um detalhe que não tem o direito de interferir numa boa história.