Lula Vieira: Conversa de bar

Encontrei no Google o blog de um cara chamado Giulio Sanmartini, que eu não conhecia, e que é da maior qualidade. Recomendo procurar e seguir. O blog é de uma comunidade de amigos, pois tudo indica que Giulio morreu em 2013.

Nesse blog, encontrado por absoluto acaso, foi publicada uma história que eu acho uma delícia, envolvendo Daniel Filho, Edu da Gaita, Aurimar Rocha, Paulo Pontes, Portinari, Pedro II e… Lampião. Que eu me lembre, já contei esse caso numa coluna aqui do propmark, mas deve ter sido há tanto tempo que nem meu HD externo se lembra.

O texto do blog lembra vagamente meu estilo, se é que eu tenho isso. Em resumo, não sei se fui eu que escrevi. Na maior desfaçatez reproduzo aqui toda a coluna do blog, agradecendo a honrosa menção.

Abro aspas.

“Esta história me foi contada pelo jornalista e amigo Moacir Japiassu, na última vez que estive no Brasil (2006). Fiquei uma semana em Cunha, São Paulo, onde ele mora retirado da civilização selvagem. Nossos papos eram infindáveis e em um desses ele me contou algo que ouvira, do também jornalista Lula Vieira.

Estavam no Fiorentina, o bar/restaurante do Rio, em que se reunia a fina flor dos intelectuais e metidos a intelectuais do país. Sentados na mesma mesa, Daniel, Edu, Aurimar e Paulo, cada um relembrando histórias da infância.

Os trabalhos foram devidamente abertos com o Daniel Filho contando que uma vez sua bisavó foi convidada para montar um dos cavalos de D. Pedro II, na Hípica Imperial, e que, enquanto a senhora evoluía pela pista, o Imperador gentilmente carregava o filho dela, futuro avô do narrador.

O melhor de tudo é que o garoto, a certa altura, fez um alegre xixi na roupa de D. Pedro II, que teve que mandar pedir no palácio outra calça de montaria. Ou seja: o avô de Daniel, com seis meses de idade, já se revelava um republicano convicto, capaz de colocar o Imperador numa situação delicada.

O Paulo Pontes, com a cara amarrada de nordestino bravo, vestindo umas sandálias de couro parecendo figurante de filme de cangaceiro, ouvia com expressão de infinita tristeza.

Daí o Edu da Gaita contou que tinha feito uma música sobre um poema de Pablo Neruda e que quando tocou para o Portinari, Candinho ficou tão encantado que fez imediatamente um quadro inspirado na composição. E que o Neruda, mais tarde, conhecendo a música e a história, assinou com uma caneta Pilot sobre o quadro, agradecendo a lembrança dos dois. Ou seja: Edu tinha em casa um quadro de Portinari com autógrafo do Pablo Neruda. Paulo Pontes ouvia calado.

Daí Aurimar Rocha contou que, quando era menino, morava na rua Paissandu, caminho habitual de Getúlio Vargas indo para o Palácio do Catete. Aurimar garantiu que, toda vez que o presidente passava, ele ficava em posição de sentido, batendo continência. E Getúlio retribuía a saudação, também solene. E que, em seguida, o garoto e o ditador trocavam umas ideias. E Paulo Pontes cada vez mais acabrunhado.

Quando chegou a vez dele contar sua história, não pareceu encontrar nada de empolgante. Ficaram todos esperando ele cavoucar na memória alguma coisa à altura de um Imperador mijado, um quadro de Portinari autografado pelo Neruda ou do garoto amigo do Pai dos Pobres. Depois de muito tempo pensando, Paulo pediu mais uma birita, olhou o mar, pigarreou, acendeu um cigarro e começou: ‘Eu tenho um primo, lá na Paraíba, que comeu o cu do Lampião…’”

* Para entrar em contato com o autor, escreva para lulavieira@grupo5w.com.br