Lula Vieira: O de sempre

O tempo passa e vou ficando cada vez mais babaca. Acho que a idade destrói primeiro o lado mais racional do cérebro, pois dia a dia meu índice de pieguice, romantismo e credulidade vai ficando maior.

Em resumo, estou ficando insuportavelmente sonhador. Enterneço-me com qualquer manifestação de amor.

Descubro horrorizado que ando chorando em velhos musicais da Metro. Se assistisse de novo àquele filme em que a heroína morreu de leucemia (que tinha aquela frase “amar é nunca pedir perdão”, lembram-se?) seria capaz de me dissolver em lágrimas.

Qualquer dia desses me emocionarei vendo velhos capítulos de “Lassie” na televisão. Sou, como se vê, um caso perdido.

Mas o propósito desses pensamentos é uma historinha que acaba de me acontecer no restaurante que costumo frequentar, o Alcaparra.

Estávamos à mesa, contando mentiras, lembrando-nos de velhos amores, quando entra no recinto uma deusa carioca, daquelas lendárias que inspiram os poetas, pintores e compositores desta terra.

Mais que uma mulher, um aperfeiçoamento. Alta, morena, olhos verdes. Vestido grudado na pele morena, de coxas quilométricas. E os peitinhos? Os peitinhos, meu Deus! Peitões. Os dois. Um melhor que o outro.

O decote mostrava, sei lá, algo como cinco ou seis centímetros de colo e parte daquele abismo de promessas. Não falarei da bunda, pois não há como falar daquela bunda.

Séculos de evolução da espécie estão resumidos ali.

Cruzamentos incríveis entre o melhor de muitas raças, uma síntese de onde poderia chegar a espécie humana se o seu talento fosse usado unicamente para o bem e para a beleza.

Estou exagerando?

Não. Estou sendo contido. Fez-se música no local à sua entrada. Clarins soaram ao longe. Garçons pararam de servir. Um negócio escuso foi interrompido.

Junto com ela entrou no restaurante um publicitário mais ou menos conhecido (não vou dizer o nome nem sob a tortura mais infame).

Cinquenta anos, barriguinha proeminente, calvície mais ou menos pronunciada, mas meio com tudo em cima: tez morena, roupinha Richards, reloginho Rolex.

Um certo ar de prosperidade, um jeito mundano e internacional de ser, uma certa intimidade com os camarotes da Brahma, as salas VIP da vida.

Ele vinha trotando atrás da moça, tentando fazer cara de estou comendo, embevecido com ela, com o corpo dela, com o jeito dela e com o sucesso dela.

Tremendo de emoção por estar ali, respirando o ar dela.

Sabem como é, fascinado, amarrado, perdido, cão sem dono – ou melhor – cão com dono, muito dono. Ela.

Silêncio respeitoso no restaurante lotado. Ele tenta disfarçar, fingindo que para ele está tudo normal. Tenta mostrar para ela e agora para o restaurante inteiro que faz aquilo o dia inteiro. Ser o foco da atenção lhe é indiferente como respirar.

O maître se aproxima solícito e pergunta:

– Algum drinque para começar?

E nosso amigo, numa quarta-feira útil, calor de arrastar, como a cara de que estava tudo normal, ordena, com um muxoxo:

– Enquanto escolho, me traz um Veuve Clicquot!

E bebericou o champanhe, como se Coca-Cola fosse, olhar perdido no mar e nos profundos mistérios dos olhos dela.

O amor é lindo.