Lula Vieira: Onde anda o Lacet?
Sob sua direção, a Bozzano liderava esses segmentos, dando-lhes um banho de estratégia e criatividade. Depois que a Revlon comprou a Bozzano, de tempos em tempos desembarcava no Brasil um grupo numeroso de civilizados que vinham com a missão de ensinar a macacada a trabalhar. De tempos em tempos, Lacet perdia a paciência com os homens brancos do norte, mandava-os para Connecticut e ia para casa devidamente autodemitido.
Quando mandava para mais longe do que Connecticut, ia para casa devidamente demitido. Mas a volta era em questão de meses: os concorrentes aproveitavam a ausência dele e ultrapassavam a Bozzano. Vai daí que iam buscar o Lacet, cuidando das suas vaquinhas, e imploravam por sua volta, pois gringo sabe ser humilde quando interessa.
Como ele dizia, “vaca tem uma conversa muito chata”. Então, Lacet aproveitava o convite, largava a vidinha da fazenda e reassumia a presidência, a liderança nas vendas e reiniciava um ciclo. Meses depois, mudava um diretor de relações internacionais qualquer, mostrava-se uma expedição, desembarcavam cinco ou seis directors of something, enchiam o saco, Lacet mandava-os para Connecticut, era mandado pra casa. Até ser chamado de novo, com os gráficos de venda lá em baixo.
Até que um dia cansou. Não quis voltar mais. “Pra que ir, se vou sair de novo?” – perguntou. Assustados com a possibilidade de terem de se virar nesse mercado sem pai nem mãe, propuseram uma espécie de presidência vitalícia. A primeira e única na história do empresariado moderno.
Lacet aceitou. E só saiu aposentado, com as vendas e a lucratividade lá em cima. Lacet era igualzinho ao Lee lacocca em termos de propaganda. Cliente fidelíssimo de sua agência, detestava grandes reuniões, reviewsboards e outras frescuras do tipo “vamos validar esta proposta com os respectivos departamentos”. Trancava-se com a criação (sempre muito poucos, sempre os mesmos) e decidia, solitária e ousadamente, achando que só existe um antídoto para verbas menores: maiores impactos. Na opinião dele, ou se tinha muito dinheiro e a qualidade superava a mediocridade, ou se economizava a grana, investindo em muita criação.
Essa filosofia deu ao mercado a vinheta da Bozzano e muitos outros dos melhores momentos de toda a história de nosso rádio e televisão como o inesquecível “minha voz continua a mesma, mas os meus cabelos…”. O rolo histórico da Bozzano, que o Lacet me deu de presente, é uma aula completa de propaganda eficiente.
Duallibi, Quindão e outros papas sentaram-se ao lado de Lacet e fizeram campanhas que contribuíram para manter na liderança produtos como Colorama, Aquamarine, Creme de Barbear et cetera e tal.
Lacet é uma conversa adorável. Gentil, bom ouvinte e simpático, treinou a capacidade de sedução na rua, nas longas viagens dos caixeiros viajantes, nas portas dos hotéis do interior antigo, na zona. Incapaz de uma atitude postiça, aprendida nos manuais de comportamento dos superexecutivos, era sempre ele mesmo, Lacet. Um vencedor corajoso.
Uma vez entrei em sua sala com uma cópia de um filme que ele tinha aprovado, pago e acompanhado a produção. Disse a ele: “Aqui está nosso filme, exatamente como o combinado. Mas tem um problema” – continuei – “ontem à noite o Silvinho Mattos teve uma ideia incrível e telefonou para minha casa todo excitado com ela. Acho que vale a pena pensar nesta ideia, já que é muito melhor do que esta filmada. O que você acha?”. Lacet ouviu e concordou. Seus cálculos foram precisos. Se a produção do novo filme pudesse custar, digamos, uma inserção no “Jornal Nacional” e tivesse a capacidade de aumentar o recall 10% ou 15%, valia a pena jogar fora o anterior. Uma simples questão de economia.
O filme foi feito. Aquamarine aumentou a venda em exatos 12%. Pagou tudo várias vezes. Muitas várias vezes. Lacet era dos bons. Daquele raríssimo tipo humano que realmente faz a diferença. Onde anda o Lacet?