Lula Vieira: Terceirizando a coluna

O Quintana disse uma vez que a gente adoece, mesmo, é de nome feio recolhido… Pués, eis que me cai na mão este texto delicioso aí debaixo e divido contigo, porque eu dei boas gargalhadas… O autor é o Pedro Ivo, a quem não só agradeço como peço desculpas pela reprodução sem pedir vênia. Abro aspas e vamos lá.

“Os palavrões não nasceram por acaso. São recursos extremamente válidos e criativos para prover nosso vocabulário de expressões que traduzam com a maior fidelidade nossos mais fortes e genuínos sentimentos. É o povo fazendo sua língua. Como o latim vulgar, será esse português vulgar que vingará plenamente um dia. Sem que isso signifique a ‘vulgarização’ do idioma, mas apenas sua maior aproximação com a gente simples das ruas e dos escritórios, seus sentimentos, suas emoções, seu jeito, sua índole.

‘Pra caralho’, por exemplo. Qual expressão traduz ideia de maior quantidade do que ‘pra caralho’? ‘Pra caralho’ tende ao infinito, é quase uma expressão matemática, física. A Via Láctea tem estrelas pra caralho, o Sol é quente pra caralho, o universo é antigo pra caralho, eu gosto dela pra caralho, entende? No gênero do ‘pra caralho’, mas no caso expressando a mais absoluta negação, está o famoso e crescentemente utilizado ‘nem fodendo!’. Que nem o ‘não, não e não!’ e tampouco o nada eficaz, e já sem nenhuma credibilidade, ‘não, absolutamente não!’ substituem.

O ‘nem fodendo’ é irretorquível, liquida o assunto. Te libera, com a consciência e o ego tranquilos, para outras atividades de maior interesse em sua vida. Aquele filho pentelho de 17 anos que te atormenta pedindo o carro pra ir surfar no litoral? Não perca tempo nem paciência. Solte logo um definitivo ‘Huguinho, presta atenção, filho querido, NEM FODENDO!’. O impertinente se manca na hora e vai pro shopping se encontrar com a turma numa boa e você fecha os olhos e volta a curtir o novo CD do Lupicínio.

Por sua vez, o ‘porra nenhuma!’ atendeu tão plenamente as situações onde nosso ego exigia não só a definição de uma negação, mas também o justo escárnio contra descarados blefes, que hoje é totalmente impossível imaginar que possamos viver sem ele em nosso cotidiano profissional. Como comentar a bravata daquele chefe idiota senão com um ‘é PhD porra nenhuma!’. O ‘porra nenhuma’, como vocês veem, nos provê sensações de incrível bem-estar interior. É como se tivéssemos fazendo a tardia e justa denúncia pública de um canalha. São dessa mesma gênese os clássicos ‘aspone’, ‘chepone’, ‘repone’ e, mais recentemente, o ‘prepone’ – presidente de porra nenhuma.

Há outros palavrões igualmente clássicos. Pense na sonoridade de um ‘puta-que-pariu!’, ou seu correlato ‘puta-que-o-pariu!’, falados assim, cadenciadamente, sílaba por sílaba… Diante de uma notícia irritante, qualquer um ‘puta-que-o-pariu!’ dito assim te coloca outra vez em seu eixo. Seus neurônios têm o devido tempo e clima pra se reorganizar e sacar a atitude que lhe permitirá dar um merecido troco ou o safar de maiores dores de cabeça. E o que dizer do famoso ‘vai tomar no cu!’? E sua maravilhosa e reforçadora derivação ‘vai tomar no olho do seu cu!’. Você já imaginou o bem que alguém faz a si próprio e aos seus quando, passado o limite do suportável, se dirige ao canalha do seu interlocutor e solta: ‘Chega! Quer saber mesmo de uma coisa? Vai tomar no olho do seu cu!’. Pronto, você retomou as rédeas de sua vida, sua autoestima. Desabotoa a camisa e sai à rua, vento batendo na face, olhar firme, cabeça erguida, um delicioso sorriso de vitória e renovado amor íntimo nos lábios.

Seria tremendamente injusto, em que pesem ainda inexplicáveis e preconceituosas resistências à sua palavra-raiz, não registrar aqui a expressão de maior poder de definição do PV (Português Vulgar): ‘Embucetou!’. E sua variação mais avassaladora ainda: ‘Embucetou de vez!’. Você conhece definição mais exata, pungente e arrasadora para uma situação que atingiu o grau máximo imaginável de ameaçadora complicação? Expressão, inclusive, que uma vez proferida insere seu autor em todo um providencial contexto interior de alerta e autodefesa. Algo assim como um comentário de um vizinho para sua esposa ao sacar que, no auge da violenta briga do casal da residência ao lado, chegam de súbito a amante, o filho espúrio e o cunhado bêbado com o resultado do exame de DNA: ‘Fecha a porta que embucetou de vez!’.

O nível do stress de uma pessoa é inversamente proporcional à quantidade de ‘foda-se!’ que ela fala. Existe algo mais libertário que o conceito do ‘foda-se!’? O ‘foda-se!’ aumenta minha autoestima, me torna uma pessoa melhor. Reorganiza as coisas. Me liberta. ‘Não quer sair comigo? Então foda-se!’. ‘Vai querer decidir essa merda sozinho(a) mesmo? Então foda-se!’. O direito ao ‘foda-se!’ deveria estar assegurado na Constituição brasileira. Liberdade, igualdade, fraternidade e foda-se!.” Agora volto eu: é isso aí. Simplesmente do caralho!

*lulavieira@grupomesa.com.br