Lula Vieira: Uber

Fernandinha Torres, na sua coluna da Veja Rio, escreve sobre o Uber e sua profunda simpatia por esse serviço. Tendo a concordar com ela, ainda que bastante temeroso da vingança dos motoristas de táxi, revoltadíssimos com o sistema. Sou usuário dos táxis do Rio de Janeiro, verdadeiro heavy user, e não tenho nenhuma grande queixa do serviço de modo geral, ainda que tenha sido ocasional vítima de cooperativas que não me atendem quando preciso, de motoristas agressivos, e de ter que pedir desculpas por morar onde moro, nem sempre o destino preferido dos profissionais. Já fui bastante maltratado por motoristas que se sentem no direito de descarregar nos passageiros as frustrações de um trânsito caótico e de empresas que exploram os taxistas cobrando diárias absurdas. Em compensação, foi um taxista velhinho quem se apiedou de mim quando fui sequestrado e abandonado (desovado) em plena Avenida Brasil e me levou para casa, fazendo questão de não aceitar a gorjeta que lhe ofereci, me recomendando apenas que, quando eu tivesse chance, ajudasse alguém em dificuldade.

Ou seja, com quase 50 mil motoristas de táxi na cidade do Rio de Janeiro, existem facínoras como aqueles que aleijaram o colega no aeroporto do Galeão simplesmente porque ele tinha aceitado fazer uma corrida a partir do terminal, mas existem bons samaritanos dispostos a ajudar um desconhecido largado numa via expressa. Já conversei com gente de profunda cultura, de altíssima sensibilidade e senso de humor, da mesma forma que tive que aturar conversa de verdadeiras bestas-feras, capazes de odiar passageiros, outros motoristas, o governo e o ser humano como um todo. 50 mil é um número que abrange todo o tipo de pessoa e não há uma única razão concreta para imaginarmos que a média geral seja diferente de médicos, jornalistas, escritores e músicos profissionais. A classe dos motoristas é um universo. Mas a reivindicação que fazem, procurando banir o Uber, não é tão justa como as palavras de ordem podem levar a crer.

Em primeiro lugar, é preciso deixar claro que, por enquanto, é inegável que o Uber tem apresentado um serviço excelente, com carros novos, motoristas muito educados e alguns diferenciais bastante simpáticos. O simples fato de permitir ao cliente conhecer o perfil do profissional que vai atender já é uma vantagem apreciável. É o consumidor que avalia a qualidade do serviço recebido e dá notas ao motorista e – por extensão – ao conforto da viagem. E poderá ser identificado e ser recusado antes de se apresentar, o que não é de pouca utilidade quando se imagina que ele poderá ter sido chamado para levar sua filha a uma festa ou trazê-la de volta tarde da noite. Outra vantagem é o sistema de pagamento, por cartão de crédito pré-registrado. Os carros do Uber são geralmente mais novos, mais bem cuidados, assim como os motoristas mais bem vestidos. A oferta de lenços de papel e garrafas d’água não são simples frescuras numa cidade como o Rio de Janeiro. Outra reclamação dos taxistas é que eles pagam taxas para a Prefeitura, o que não acontece com os motoristas do Uber. É um argumento. Mas a taxa paga permite aos táxis ser identificados facilmente na rua, trabalhar com exclusividade em aeroportos, rodoviárias e em pontos fixos, circular em faixas exclusivas, prestar um serviço, digamos, oficial, pelo menos em princípio, oferecendo ao cliente garantias quanto à qualidade. Na verdade, um táxi devidamente identificado tem o aval da autoridade municipal. Isso vale tanto para o carro como para quem o conduz.

O Uber não anda pela rua, com o bigorrilho aceso, sinalizando que está livre. Sua relação de consumo é outra, não é uma concessão governamental. Também não podemos esquecer que os taxistas têm direito a um desconto por volta de 30% no valor do veículo que compram, o que corresponde à soma do IPI e do ICMS. Num carro como o Corola representa algo em torno de 21 mil reais de desconto. E tem mais: o direito ao financiamento do FAT, que lhe permite comprar seu carro em até 60 meses, com juros por volta de 4,5% ao ano, contando ainda com isenção do IOF. Qualquer outro que queira comprar um carro terá que arcar com juros de, no mínimo, 20% ao ano. Este meu cálculo é bastante grosseiro, pois os juros podem cair dependendo da entrada. É só para ilustrar que os taxistas têm algumas vantagens que os incentivam a ser legalizados. Acho justo que seja assim. Para completar, acho que as lideranças dos taxistas deveriam estabelecer uma relação maior com a prefeitura, para discutir soluções que atendam aos interesses da população e dos motoristas. Ameaçar parar a cidade poderá adiar o problema um pouco, mas vai ser difícil não permitir que sistemas que atendam melhor sejam abandonados pelas pessoas. Pode ficar mais difícil usar o Uber, mas sempre haverá uma saída legal para que o passageiro que queira ser melhor atendido possa fazê-lo.