Manifestações adotam "Vem pra rua"

 

Quando a Fiat lançou a campanha “Vem pra rua”, no meio de maio, convocando os torcedores para o que chama de “a maior arquibancada do Brasil”, a montadora não imaginava que a canção interpretada por Falcão, do grupo  O Rappa, ganharia outro significado com a eclosão dos protestos contra o aumento das passagens de ônibus que tomaram o país nas últimas semanas. O movimento se apropriou do conceito introduzido pela marca em sua comunicação para a Copa das Confederações 2013 para chamar os brasileiros para a rua – não para torcer, mas para protestar.

Em meio às tensões geradas durante essas manifestações, a Fiat divulgou um comunicado informando que elaborou “a campanha ‘Vem pra rua’ com foco único e exclusivo na alegria e paixão que o futebol desperta nos brasileiros”, sendo a estratégia parte dos projetos de investimento da montadora nos esportes. A empresa também confirmou que a veiculação da campanha ocorreria “até o dia 22 de junho, conforme previsto originalmente”.

A montadora informou que não expandirá a campanha e negou que tenha se aproveitado da situação para se promover. “A nossa campanha foi pensada com foco exclusivo na alegria e paixão que o esporte desperta nos brasileiros. A música que utilizamos nessa primeira fase caiu no gosto popular espontaneamente, sem nenhum oportunismo da Fiat, porque foi identificado ali um conteúdo relevante. Exatamente por isso nunca cogitamos alterar nosso plano de mídia além daquilo já programado. Estamos vendo de forma muito positiva, porque é o reflexo de uma forte conexão que a marca tem com os consumidores”, disse João Ciaco, diretor de publicidade e marketing de relacionamento da Fiat.

A postura cautelosa da Fiat ao não comentar as manifestações foi acertada, de acordo com Marcos Bedendo, professor de gestão de marcas e marketing estratégico da ESPM. “Não se deve fazer qualquer tipo de ligação com movimentos políticos, marcas são apolíticas. Qualquer tentativa de se aproximar neste caso teria um potencial explosivo muito perigoso”, analisa.

Segundo Bedendo, o que ocorreu com a Fiat foi uma coincidência. O slogan, que também foi transformado em uma hashtag (#vemprarua), acabou servindo para os manifestantes usarem como uma de suas palavras de ordem, o que acabou fazendo a campanha repercutir mais do que deveria em condições normais. A confusão, porém, não foi prejudicial para a marca, uma vez que os protestos, em sua maioria, foram pacíficos, avalia o professor. “É um movimento que tenta ser pacífico e que está sendo visto como positivo por grande parte da população. Mas se de repente o protesto tivesse tomado uma sequência diferente, poderia ser prejudicial. Não está sendo profundamente benéfico, mas não está causando problemas de imagem.”

Embora os manifestantes tenham usado o “Vem pra rua” e até uma nova versão do comercial tenha sido criada pelo público para convocar os cidadãos aos protestos, a montadora não foi vítima de reclamações. André Urdan, professor titular do departamento de mercadologia da FGV (Fundação Getúlio Vargas), discorda de Bedendo e acredita que a Fiat pode tirar proveito da situação.

“A Fiat precisa de uma mensagem bem sutil, mas bem positiva. Um dos princípios fundamentais das relações públicas e da gestão de crises é enfrentar os fatos e ter uma postura humana. A Fiat não fez nada de errado e não precisa pedir desculpas, mas não pode dar as costas e ficar sem um posicionamento, porque está indiretamente ligada a isso. Nenhuma empresa tomou essa iniciativa e poderá ser um grande trunfo daquele que tomar a dianteira. Conseguir se conectar deixa uma impressão genuína da empresa ante a sociedade”, analisa Urdan.

Os manifestantes reivindicavam, inicialmente, a revogação do aumento da passagem do ônibus e, consequentemente, melhorias na qualidade do transporte público. O movimento, porém, ganhou dimensões maiores e, com uma parte maior da população aderindo, outras pautas surgiram, como os altos investimentos em infraestrutura para as competições da Fifa, bastante criticados durante os protestos.

A imagem negativa conferida à Copa das Confederações e à Copa do Mundo pode ser prejudicial não só à Fiat, mas também aos patrocinadores dos eventos. “As empresas pagam muito caro para se relacionar a essas competições, que acabaram sendo vistas como usurpadoras do erário nacional. Com isso, de fato diminui a atratividade desse patrocínio”, afirma Bedendo.

Quem investiu nesses eventos, continua, não vai voltar atrás, ao menos em um primeiro momento. “A Copa das Confederações já está em andamento e não vai ter alteração na estratégia, mas se essas queixas forem um dos pontos centrais do movimento social, pode ser que as empresas diminuam um pouco os investimentos na Copa do Mundo. Aquele ufanismo que muitas empresas pregam fica um pouco descabido”, conclui.

Urdan concorda. “Há uma série de ruídos atenuando o apoio, a ligação entre as marcas e a seleção e o futebol. Nenhum patrocinador com campanha no mercado agora gostaria de estar passando por isso. Esse momento conturbado tende a diminuir o efeito da campanha, mas é um efeito momentâneo.”

Mas o professor da FGV alerta que o público consegue distinguir a diferença entre o esporte e os investimentos do governo nos eventos. “A seleção não foi hostilizada, pelo contrário. Embora não seja o melhor momento, esse apoio é favorável a quem está presente com sua marca no campo e na mídia”, conclui.

Slogans saem do controle

Além de “Vem pra rua”, os manifestantes se valeram de outra campanha para passar a mensagem de que querem mudanças. Aos gritos de “O gigante acordou”, eles aludiam à comunicação “Keep Walking, Brasil”, desenvolvida pela Neogama/BBH para a marca de uísque Johnnie Walker em 2011, para dizer que o povo saiu às ruas.

O filme mostra o Pão de Açúcar, no Rio de Janeiro, transformando-se em um gigante que desperta, uma metáfora sobre o Brasil, que passou a ganhar relevância no cenário internacional. No final do comercial, aparece a mensagem “O gigante não está mais adormecido”, o que motivou os manifestantes a associarem a campanha ao seu movimento.

Esta, porém, não é a primeira vez que criações do meio publicitário são usadas em outras situações, principalmente políticas. Em 2003, Guido Mantega, então ministro do Planejamento, havia afirmado que o crescimento da economia naquele ano não seria uma Brastemp, em alusão ao conceito usado à época pela marca de eletrodomésticos.

Bedendo comenta que as marcas perdem o controle de seus slogans quando os lançam e que, por isso, a população pode utilizá-lo com outros significados. Ele diz que são casos atípicos e que são raros aqueles que perduram, o que não ocorrerá com a Fiat ou com a Johnnie Walker.

“Isso acontece poucas vezes e com campanhas muito boas. Jingles acabam pegando por um certo período. Mas esses casos não são iguais ao da Brastemp, que virou algo de uso recorrente. Imagino que isso aconteça agora, mas vá passar.”