Marcas encaram o desafio de dialogar com comunidades em movimento

Estudo da Liga indica que pertencimento deixou de ser territorial e exige que empresas entendam vínculos e ritmos distintos do público

O que antes cabia em mapas demográficos e perfis fixos hoje se espalha por vínculos fluidos, afetos escolhidos e grupos que se formam e se dissolvem sem pedir licença. O estudo ‘Da persona à comunidade: O marketing da coerência’, desenvolvido pela Liga Pesquisas em parceria com a FYI Insights, investiga como os brasileiros constroem pertencimento em meio a identidades fragmentadas e sociabilidades digitais. E, sobretudo, o que essa mudança significa para uma indústria que ainda se orienta por ‘personas’ estáticas.

Alice Whately Neves, sócia da Liga, explica que esse novo cenário nasce de três movimentos que reorganizam a vida social: a fragmentação das identidades tradicionais, a tecnologia como principal ponto de encontro e vínculos cada vez mais escolhidos e menos herdados. “As pessoas buscam microcomunidades com as quais se identificam e nas quais podem se reconhecer”, afirma.

Alice Whately Neves: pertencimento e novas estratégias | Imagem: Divulgação

Essas transformações reposicionam as bases da comunicação. Em vez de perguntar “quem é” o consumidor, as empresas passam a precisar entender “como uma pessoa circula entre diferentes comunidades e quais vínculos ela ativa em cada contexto”. Na prática, isso desloca o foco de perfis fixos para ecossistemas sociais — espaços onde afetos, rotinas e referências culturais moldam os sentidos de pertencimento.

A pesquisa traz números que ajudam a dimensionar esse movimento. Os dados mostram que o conceito de comunidade se desvinculou de critérios tradicionais como território e religião. O laço emocional é hoje o principal eixo de união entre grupos diferentes.

A forma de pertencer, porém, muda conforme classe e geração: jovens da AB se conectam a coletivos culturais; jovens da C priorizam vínculos afetivos e redes de resistência; adultos das classes AB buscam estabilidade e espaços culturais; já adultos e idosos da classe C associam comunidade a refúgio, segurança e apoio cotidiano. Alice resume: “O pertencimento não é vivido da mesma forma por todos. Ele varia conforme repertório, acesso e contexto”.

Essas diferenças aparecem também nas expectativas em relação à comunicação. Quando perguntados sobre quem deveria aparecer mais na publicidade, 49,77% citaram pequenos empreendedores e pequenos negócios, 40,42% mencionaram trabalhadores informais e 34,35% pediram mais representações de pessoas mais velhas. Para o mercado, os números reforçam a busca por narrativas mais próximas da vida real dos consumidores.

Outro achado amplo é o reconhecimento da multiplicidade. A maioria dos entrevistados concorda com a frase “Curto quando uma empresa entende que a gente gosta de várias coisas diferentes”, indicando que o público valoriza marcas que compreendem essa complexidade.

Essa sensibilidade dialoga com a reflexão de Alice. “Cada indivíduo vive diferentes papéis e versões de si. Quando a marca reconhece essa multiplicidade, ela deixa de falar com uma persona fixa”. Isso também influencia no tipo de mensagem que funciona melhor.

Mas o movimento não se completa apenas olhando para fora. Para evitar superficialidade, Alice destaca a importância de marcas entenderem os próprios limites e vocação. “As empresas precisam entender quem elas são. Nem toda comunidade faz sentido para toda marca, e é essa definição clara do que é coerente que garante autenticidade.”

Para o mercado publicitário, o recado é direto: coerência não depende de amplitude, mas de clareza. Marcas que compreendem a própria identidade e, ao mesmo tempo, reconhecem as múltiplas comunidades que formam a vida dos consumidores, tendem a construir vínculos mais sólidos e duradouros.

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