Marcas sem motor e sem manivela
Dentre as poucas coisas que guardo de meu curso de direito na São Francisco, uma delas é o instituto do Vício Redibitório. Se minha memória não falha, por exemplo, é você comprar um produto que lhe é entregue sem uma peça essencial. Um carro entregue sem o motor.
Em minha turma da São Francisco, um querido e gozador companheiro de classe, quando questionado pelo professor em prova sobre o tal Vício Redibitório, deu como exemplo – absolutamente absurdo – suposto pedido de divórcio porque a mulher já não era virgem e o noivo desconhecia esse fato. Divórcio por vício redibitório…
Quase sempre, uma marca tem um motor, um pulmão, um timoneiro, uma liderança inspiradora. E aí vêm os “homens de olhos vermelhos”, investidores que cobram resultados a cada três meses ou quebram tudo e literalmente ignoram esse pequeno e essencial detalhe. Assim como carro sem motor não anda, marca sem a liderança inspiradora que a criou terá enormes dificuldades em se manter em pé. Foi o que aconteceu com a Even, uma das principais incorporadoras do país. Fundada em 2002 pelo engenheiro Carlos Eduardo Terepins, que se viu defenestrado da própria empresa pelos chamados “investidores hostis”. No caso, um grupo de acionistas liderado pelos empresários gaúchos Alexandre Grendene e Leandro Melnick.
Em uma reportagem publicada na revista Exame, assinada por Maria Lúcia Filgueiras, Carlos conta que à medida que a empresa crescia, para sustentar e financiar o seu crescimento, ele foi se desfazendo de suas ações. Após o ingresso de um fundo americano, e uma oferta de ações na Bovespa, viu sua participação reduzir-se a 7%. Mas permanecia no comando e na liderança. No início deste ano, recebeu a visita de investidores, representados por Rodrigo Arruy – gestor da fortuna da Grendene –, e, optando por fortalecer o capital da empresa, aquiesceu com o ingresso dos mesmos.
Segundo Carlos, nas primeiras reuniões os novos sócios eram corteses, conciliatórios e respeitosos. Apenas nas primeiras reuniões. À medida que cresciam na participação, de 5% para 15%, o tom subia. Numa determinada reunião, em meio a uma discussão acirrada, querendo diminuir a importância de Carlos e de sua Even, Leandro Melnick comparou os “trocados” que Alexandre Grendene investira na incorporadora – R$ 120 milhões –, diante do que gastara na aquisição de um iate – R$ 250 milhões.
Corta para a Exame, matéria de Maria Lúcia Filgueiras: “Um dia depois de ter sido demitido da própria empresa, Carlos Eduardo Terepins tomava o café da manhã em seu apartamento na zona sul de São Paulo, após a natação de rotina, quando a ficha caiu. Ele folheava calmamente o jornal quando foi surpreendido com um anúncio de página inteira pago e assinado pelos funcionários da Even: “Terepins, você provavelmente não aprovaria este texto, mas precisamos te agradecer…”. Na véspera fez um discurso para os 350 funcionários e desabou em lágrimas. Naquela manhã voltou a chorar…
Ou seja, aconteceu novamente. Ainda no ano passado contei a história da estilista Isabela Capeto, que trabalhou feito uma condenada, contou com o apoio de todos os seus funcionários e fornecedores e, finalmente, conseguiu reaver sua marca. Caiu no mesmo engodo – ou tentação – e se arrependeu amargamente. O que vai acontecer com Carlos Terepins? Empreendedor que é, retomará sua jornada. O que vai acontecer com a Even? Muito provavelmente, murchar, fenecer, quem sabe morrer. Marcas sem motor, sem a liderança inspiradora que içou a âncora e hasteou suas velas, têm reduzida possibilidade de sobreviver.
Francisco A. Madia de Souza é consultor de marketing, sócio e presidente da MadiaMundoMarketing