Marketing esportivo precisa evoluir para jogar em alto nível no Brasil
Após a Copa de 2014, é hora de refletir sobre o que de fato ganhou campo nos últimos anos
Às vésperas da Copa do Mundo de 2014 a euforia tomava conta de todo o Brasil. E se milhares de brasileiros esperavam ansiosos aquele momento em que o país sediaria o maior evento esportivo do planeta, particularmente o mercado de marketing esportivo suava a camisa para aproveitar a competição.
A expectativa era que o apito final do árbitro, na partida que confirmou a supremacia alemã na competição, representasse apenas o pontapé inicial para o desenvolvimento e o avanço da profissionalização na gestão do esporte nacional. Como um processo natural, muitas agências especializadas nasceram naquele período.
Agora, quatro anos depois, com a aproximação da Copa do Mundo 2018, desta vez na Rússia, é hora de refletir sobre o que de fato ganhou campo nos últimos anos.
A primeira pergunta que se faz necessário para entender o ponto de evolução do segmento no país nestes quatro anos é: soubemos aproveitar o momento para amadurecer?
Para José Colagrossi, diretor do Ibope Repucom, em parte sim. Mas o executivo da empresa especializada em pesquisas de marketing esportivo e retorno de exposição das marcas em mídia também apontou as pisadas na bola do mercado.
“A mídia brasileira deu um show de cobertura. Fomos muito bem no quesito hospitalidade, por exemplo. Também tivemos sucesso no engajamento da população, que abraçou entusiasticamente a Copa 2014, mesmo após um período complicado de protestos. As marcas tiveram boa visibilidade e, em grande parte, souberam ativar. Mas perdemos, em ambos os casos, a oportunidade de aprender a realizar grandes eventos sem a interferência política”, acredita.
Para Fábio Wolff, sócio-diretor da Wolff Sports & Marketing, o mercado avançou um pouco nos últimos anos, mas ainda pode ser considerado semiprofissional e está muito longe na comparação com os países mais desenvolvidos na área, como os Estados Unidos, por exemplo.
“Aproveitamos minimamente. O que sobrou de mais proveitoso são as arenas. O torcedor agora tem mais conforto, além de opções mais VIPs, com camarotes e assentos, entre outras coisas. O que a Copa do Mundo nos deu são locais mais agradáveis, com outra receptividade. Veja o exemplo da Arena Corinthians, que tem recebido muitos jogos e outros eventos com casa cheia. O Mineirão tem sido sede de vários acontecimentos, esportivos ou não. A Arena Pernambuco tem um trabalho interessante de abrir para a população nos fins de semana. E temos também aqui o Allianz Parque, que não sediou a Copa, mas foi a arena do mundo com maior número de megashows em 2017”, explica.
Ainda na questão dos estádios, Wolff lembra que alguns locais acabaram subaproveitados, e o grande exemplo é a Arena Brasília. O palco mais caro da Copa 2014, custou R$ 1,5 bilhão aos cofres públicos, tem capacidade para 72,8 mil pessoas. No entanto, na final do campeonato local de 2017, para se ter uma ideia, apenas 6,3 mil pessoas viram o Brasiliense bater o Ceilândia e ficar com o título, ocupando menos de 10% da sua lotação.
De olho na movimentação que a Copa do Mundo traria para o mercado, diversos empresários decidiram montar uma operação especializada em marketing esportivo. A mais famosa delas talvez tenha sido a 9ine, com aporte da WPP e a participação do ex-jogador Ronaldo Fenômeno, mas que fechou as suas portas em 2016, justamente o ano das Olimpíadas no Brasil. Enquanto algumas agências marcaram um ou outro gol e saíram de campo, outras mal conseguiram tocar na bola e fechar bons clientes antes de ir ao vestiário. Poucas delas sobreviveram.
“Quando voltei ao Brasil em 2013, após 23 anos nos Estados Unidos, brincava que se sacudisse qualquer árvore cairiam três agências de marketing esportivo. Houve uma irresponsabilidade exuberante na criação de tantas agências que não tinham propósito, planos, vantagem competitiva ou mesmo talento. O mercado, sempre soberano, soube disciplinar isso. Talvez 10% destas agências sobreviveram e hoje lideram a indústria”, aponta Colagrossi.
Fábio Wolff: “O que sobrou de mais proveitoso são as arenas”
Relações de patrocínio
Outra questão importante para entender o avanço lento do marketing esportivo no país é: por que tantas relações de patrocínio entre marcas e entidades do esporte ficam limitadas à trivial exposição de marcas? Para Wolff, existe uma falta de cultura de case e de marketing e isso acaba afetando as ativações.
“Como estamos falando de um mercado semiprofissional, isso muitas vezes está atrelado aos patrocinadores, que nem sempre têm estrutura para realizar essas ações, ou por falta de profissional ou recurso.
Por outro lado, também falta uma condução das entidades esportivas com relação a esse cliente. Os clubes precisam ser parceiros, ajudar as marcas a criarem. Acontece que muitos enxergam os patrocinadores apenas como financiadores do seu negócio. Na CBF eu já vejo uma evolução considerável com relação a isso. Hoje há profissionais lá para desenvolver ações, eventos e ativações das mais variadas”, analisa.
De maneiras diferentes, tanto Fábio Wolff quanto José Colagrossi falaram também sobre o problema da concentração dos investimentos apenas no futebol, um fator que atrasa a evolução do marketing esportivo como um todo.
“Tínhamos a expectativa de que as Olimpíadas fossem um ponto de virada nesse sentido, mas ela não ocorreu de forma planejada e também não houve um legado. Como consequência, esses esportes acabaram não aproveitando suas oportunidades. Outras modalidades deveriam trabalhar com planejamento e estratégia para crescer, como o rúgbi tem feito no Brasil”, defende Wolff.
Na visão de Colagrossi, os profissionais desses outros segmentos não vão resolver as coisas reclamando que a TV não cobre o seu esporte ou culpando a mídia por ignorar suas competições.
“Já foi o tempo em que se conseguia patrocínio com meia dúzia de slides coloridos e várias dúzias de promessas. Patrocinador tem de ser parceiro, por isso é necessário ter um projeto pronto, viável e com forte apelo. O que era mais difícil, ter visibilidade na mídia, hoje se tornou possível via mundo digital. Crie uma comunidade, organize competições, crie um campeonato legítimo, coloque conteúdo de qualidade na internet e, acima de tudo, crie um propósito que alinhe os interesses de todas as partes envolvidas. Finalmente, aprenda com os bons exemplos”, argumenta.
José Colagrossi: “As marcas tiveram boa visibilidade e, em grande parte, souberam ativar”
Visão otimista
Apesar dos pontos críticos, de acordo com o executivo, a evolução do mercado nos últimos anos também pode ser percebida no aumento da procura por outros tipos de pesquisas do Ibope Repucom, como estudos que vão além do monitoramento.
“Hoje, é imprescindível entender quem são e como se comportam os fãs de cada esporte. Compreender o torcedor é um diferencial, assim como a preocupação em entender a audiência e o perfil do público que acompanha eventos esportivos”.
Por conta de tudo que tem vivenciado, o diretor-executivo do Ibope Repucom é otimista com relação ao cenário e acredita que o marketing esportivo no Brasil está finalmente encontrando a própria identidade. “Em sua origem houve um choque entre o modelo importado do exterior e o amadorismo local, afirma ele, acrescentando: “Evidentemente, nenhum dos modelos se consolidou. Os padrões de marketing, promoção e ativação clonados do exterior não funcionam no mercado brasileiro tanto por questões estruturais de mercado quanto culturais. Depois de um início frustrante para todos, vejo hoje o marketing esportivo brasileiro crescendo em bases mais realistas, com resultados começando a aparecer”.
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