Medicina e tecnologia se destacam mais

Professor de ciências humanas e áreas criativas de Stanford há mais de 20 anos, o doutor Patrick Hunt é um entusiasta da inovação. Além de ensinar e desenvolver os alunos da universidade, a quem chama de “mentes brilhantes”, ele é um inventor na área de arqueometria – campo que utiliza técnicas das ciências exatas no estudo de vestígios arqueológicos. Segundo ele, uma das maiores invenções da humanidade, ainda na pré-história, foi aprender a observar a passagem do tempo, o que ajudou a definir o ritmo da sociedade como conhecemos hoje, com horários e calendários definidos. A energia elétrica e o computador pessoal são outros itens mencionados por ele na entrevista a seguir, que traz ainda uma visão otimista em relação ao Brasil. Para Hunt, a avicultura brasileira, a Embrapa e a Embraer são cases inovadores para o país, que vive um momento de evidência e possui potencial para ir além no campo da inovação.

Era mais desafiador ser inovador há 50 anos do que é agora?

Há 50 anos não havia acesso a uma série de informações e isso tornava a inovação algo mais desafiador. Logo após a Segunda Guerra Mundial muitas pessoas passaram a se preocupar mais com educação, um grande número de estudantes passou a frequentar as universidades e as coisas foram mudando. As pessoas passaram a olhar para a inovação de uma nova forma, mais pessoas pensando fora da caixa, basicamente controlando um monte de pesquisas. Por outro lado, o acesso às informações era um desafio, pois, se olharmos, hoje temos tantos dados, tanta coisa que pode ser feita. Em alguns aspectos, sim, era mais desafiador, em outros, não. Veja bem, temos tantos problemas que não tínhamos há 50 anos e isso representa desafios que resultam em oportunidades.

Em quais áreas a inovação mais impactou a sociedade nesses últimos 50 anos?

As duas principais áreas mais impactadas foram a tecnologia e a medicina. Se pensarmos em como a computação tem feito uma grande mudança na informação. Por exemplo, hoje, você pode ir para qualquer lugar usando a internet, basta ter dispositivos móveis e acesso a Wi-Fi que você consegue encontrar respostas para seus questionamentos imediatamente. Você não precisa ir a uma biblioteca, você não precisa consultar uma enciclopédia, você pode fazer pesquisas imediatas com apenas o computador. O acesso a dados é uma das áreas que mais mudou. Ainda hoje, quando penso nos computadores que tínhamos 25 anos atrás, me surpreendo, eles eram nada comparados ao que temos hoje. Já a segunda inovação que mais gosto de mencionar é a medicina. Há tantas coisas acontecendo na medicina, não somente nos farmacêuticos, mas em termos de tecnologia. Podemos, por exemplo, criar dispositivos artificiais para a parte externa do corpo.

Na sua opinião, qual a principal inovação do mercado nesses últimos 50 anos?

Eu diria que tudo começou com o computador pessoal, e isso inclui, agora, os dispositivos móveis. Primeiro o computador pessoal, pois foi a partir dele que surgiram os dispositivos smart.

Se você tivesse de selecionar três exemplos de inovação em toda a história da humanidade, quais você selecionaria?

Se voltarmos lá atrás, na pré-história, eu diria que uma das primeiras coisas que mudou a história da humanidade foi a habilidade de observar a passagem do tempo. As pessoas notavam as estrelas, a mudança das estações, o movimento, tudo a partir da observação do tempo. As primeiras pessoas que aprenderam a utilizar essa observação do tempo foram as mulheres, que aprenderam a combinar o ciclo da Lua com o ciclo do próprio corpo. Observar o tempo é uma grande inovação, sem isso a sociedade não funcionaria da forma como funciona hoje, com horários regulados para as pessoas acordarem, trabalharem, comerem, enfim, tudo é regulado pelo tempo. A segunda inovação foi o desenvolvimento das máquinas impressoras, que mudaram a forma como as informações passaram a ser disseminadas. Foi uma explosão de informação, muitas pessoas passaram a ler mais, as coisas podiam deixar de ser escritas à mão para ser impressas de forma muito rápida. E a terceira foi o aproveitamento da energia elétrica. A eletricidade, por exemplo, é fundamental para o computador, sem ela nada disso seria possível.

Quais são os seus critérios básicos para definir um produto ou uma ideia como inovação?

Inovação é aquilo que tem o poder de impactar a espécie humana e a vida em geral de uma forma positiva. O primeiro critério para definir algo como inovador é que isso possa influenciar vidas e o mundo de um modo bom.

Como Stanford e outras universidades no mundo têm contribuído para o desenvolvimento da inovação?

É interessante que há cerca de 50 ou 60 anos Stanford era somente mais uma universidade como tantas outras nos Estados Unidos. Tem uma história muito conhecida de que Leland Stanford e sua mulher foram até Harvard pois queriam colocar algo lá para homenagear o filho deles, que morreu tragicamente e era um aluno de Harvard. No caminho de volta eles decidiram construir a Universidade de Stanford com base no modelo de Harvard, mas o local era basicamente uma escola mais de elite. Somente 50 anos depois é que se decidiu que Stanford precisava ser uma universidade mais competitiva, uma ideia que partiu de Frederick Terman. Ele queria receber mentes brilhantes, formar líderes, e foi aí que Stanford mudou seu processo seletivo, tornando-o mais difícil e competitivo. Não era mais qualquer pessoa que conseguia entrar, e hoje a universidade tem o nível mais difícil do mundo, ainda mais difícil que Harvard. Terman foi um grande engenheiro e inovador, que iniciou essa mudança e permitiu que tantas coisas passassem a acontecer em Stanford. A universidade passou a receber pessoas brilhantes, como os fundadores do Google. E isso continua a acontecer, permitindo que Stanford se tornasse um lugar referência em inovação.

Hoje em dia, mundialmente falando, quais áreas mais precisam de inovação?

Eu diria que o reúso de energia, assim como a necessidade de olhar com atenção para a escassez de água. Nós precisamos fazer algo a respeito da água. Isso sem falar das mudanças climáticas, do aquecimento global, a gente precisa se adaptar para enfrentar essas mudanças do mundo. Energia e água são os principais temas que necessitam de mudanças, porque é preciso alimentar uma população mundial, que só cresce. A gente precisa adaptar a forma de prover energia e água, pois temos, por exemplo, tanta água “parada” nos oceanos. É preciso pensar em uma forma de tirar o sal dessa água para poder usá-la. Algumas regiões têm muita água e outras não. Há uma desigualdade na distribuição de água, além de mais e mais desigualdade de recursos. Como poderemos resolver isso se não pensarmos em todos como uma só família na terra? É preciso fazer isso de forma coletiva, pensando de uma forma global e com igualdade. Precisamos parar de ser egoístas e começar a pensar nas outras pessoas no mundo. Acredito que a tecnologia e a inovação têm um tremendo potencial para distribuir esses bens entre todas as pessoas.

Qual a sua opinião em relação ao Brasil e a inovação? A cultura brasileira é inovadora?

O Brasil passou por grandes mudanças nos últimos 50 anos, agora faz parte das dez maiores economias do mundo e acredito que vai subir nos próximos anos, incentivado por uma população que tem vontade de deixar de ser de um país em desenvolvimento. O Brasil tem feito algumas grandes inovações e é muito respeitado mundialmente em algumas áreas, como na indústria avícola e produção de cana-de-açúcar. A Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) também tem feito grandes contribuições, assim como a Embraer. Eu viajo muito pelos Estados Unidos em aviões menores, que são da Embraer – uma empresa que fornece esses tipos de aviões para todo o mundo. Hoje o mundo já conhece melhor o Brasil, teve a Copa do Mundo e agora as Olimpíadas, acredito que ainda tem muita coisa para acontecer com o país, que está em evidência e tem uma população que vai demandar mudanças positivas e igualdade para todos.

Quais marcas e empresas você considera mais inovadoras nos dias de hoje? Por quê?

O Google está no topo dessas inovações. É uma companhia extremamente inovadora em várias áreas. Além disso, o Google compra diversas empresas, reunindo as maiores mentes do mundo.

A inovação está atuando de forma eficiente contra o contraste social?

Não, mas acredito que a nova geração de inovadores, de desenvolvedores de computadores, engenheiros, todas essas jovens mentes brilhantes, estão pensando em fazer do mundo um lugar melhor. Não apenas um mundo mais conectado, mas um lugar melhor. Infelizmente, temos visto crescimento de contrastes sociais no mundo todo e acho que inovação precisa ser canalizada para mudar isso.

Qual o maior desafio para a inovação no futuro?

Não é bom se a inovação só puder melhorar a vida de uma minoria de elite. É preciso fazer também com que a vida de pessoas pobres seja melhor. Esse é o desafio: ajudar pessoas que não têm água todo dia, que não têm comida na mesa todo dia. Stanford já teve grandes inventores nesse sentido. Já tivemos a criação de um filtro para tornar potável água muito poluída. Esse é o tipo de inovação que o mundo precisa. Sobreviver é uma questão e há um enorme potencial para que a inovação possa contribuir para aumentar a igualdade mundial.