"Mediocridade não combina com o negócio da propaganda"

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Sergio Amado, presidente do Grupo Ogilvy

Presidente do Grupo Ogilvy, formado por empresas como Geometry Rio, Jüssi, 3yz, Ogilvy Healthworld, Etco/Ogilvy, Ogilvy PR e Ogilvy & Mather, o executivo Sergio Amado viveu três fases desde que assumiu a posição, há cerca de 20 anos: negócios, planejamento e criatividade. A fase atual mistura as três, com ênfase na comunicação multidisciplinar, que tem como elo a era digital. Nos últimos anos, o grupo ganhou mais de 100 Leões no Cannes Lions, dois Grand Prix e foi eleita Agência do Ano, em 2013. Veja os principais pontos da entrevista de Amado.

O grupo adotou realmente uma postura multidisciplinar?

Sim. Há três meses iniciamos uma mudança de modelo. Diante do cenário digital, as lideranças da companhia decidiram efetivar mudanças capazes de ter um prazo de validade mais longo. São mudanças físicas, de mind set, de lideranças, de estratégia e de modernidade. O modelo de comunicação tem de estar baseado em uma única plataforma. É um plano para os próximos cinco anos que considero como meu legado. Estamos nos antecipando porque o mercado está mudando de forma radical nas agências, nos veículos e nos anunciantes. Esse novo tempo exige flexibilidade e contemplar todas as ferramentas disponíveis.

Como o grupo Ogilvy está estruturado?

Temos soluções de A a Z: big data, CRM, marketing direto, relações públicas, fármacos, digital, varejo e advertising. Temos uma plataforma única de comunicação com planejamento estratégico, mídia e criação. Todas as empresas se comunicam e essa interação tem participação decisiva do Fernando Musa, CEO da Ogilvy & Mather e fundador da David, com Anselmo Ramos e Gaston Bigio. Queremos ser uma agência mais moderna e seguir sua vocação de estar na ponta. Ela já foi a número um em planejamento estratégico, a de melhor desempenho em novos negócios e, mais recentemente, de criação. O projeto relacionado à criatividade deu tão certo que fomos a Agência do Ano do Cannes Lions em 2013, primeira da rede no mundo a ter essa distinção.

Qual foi o impacto dessa premiação?

Foi fundamental para a virada da imagem interna e externa. O mundo olha a Ogilvy Brasil como celeiro criativo e com potencial de exportação para outros países através de hubs de marcas como Fanta, por exemplo. A rede tem a premiação interna Cadre e somos líderes desse ranking há alguns anos. A diferença, em termos de pontuação para a segunda colocada, é quase o dobro. No mercado brasileiro, esse desempenho nos colocou no mesmo patamar da AlmapBBDO. Não foi por acaso. Faz parte de um projeto de mudar a cara da agência.

Foi por isso que o WPP autorizou o investimento na David?

Foi uma decisão ousada, mas com o endosso desse desempenho, do escritório de Nova York e do Martin Sorrell. Quebramos um paradigma na corporação porque abria a possibilidade para outras unidades reivindicarem essa alternativa. A David é um sucesso com operações em São Paulo, Buenos Aires e Miami. E estamos estudando a inauguração de um escritório em Londres para muito breve. Ela passou a ser uma base de apoio criativo em todos os momentos que precisamos. Recentemente, o John Seifert, CEO global da Ogilvy, esteve no Brasil e disse que gostaria de dar mais utilidade à David no mundo através da Ogilvy. Ela serve como hot shop de suporte à operação local e global da rede em grandes concorrências.

Então a David internacionalizou a Ogilvy Brasil?

Sim, mas o sucesso em Cannes nos deu essa condição primeiro. Do ponto de vista de negócios, a David nos garantiu uma dimensão para fora do território nacional. É algo inédito: uma multinacional brasileira de comunicação. Ela atende Burger King, Coca-Cola e Unilever no Brasil, na Argentina e nos EUA. Além de clientes locais importantes no país, como Duracell, Faber-Castell, Powerade e Sony.

Esse sucesso é caudatário de que atitude?

A David é pequena e já nasceu no novo modelo com estrutura voltada para criatividade e pensamento estratégico. Sua meta é entregar um produto diferenciado. Ela compete com agências norte-americanas que construíram reputação com equipes enxutas e dedicadas, mas fazendo um barulho monstruoso.

É hora de investir em novos negócios?

Vivemos um ano de crise e esse cenário impacta o volume de receitas, inclusive na Ogilvy. Decidimos orquestrar pela primeira vez um plano estruturado de prospecção com o Musa e a Karina Ribeiro, cujo pipeline envolve mais de 40 possibilidades de negócios. Por exemplo, nesse momento, estamos envolvidos em 12 concorrências, algumas muito grandes, que podem mudar a cara da agência. Isso envolve todas as empresas do grupo. Diria que é um retorno às minhas origens. Mais do que isso, é uma volta para a modernidade baseada na simplicidade da relação e entrega. O cliente tem de ver que a agência não precisa complicar e ele também não. Estamos minimizando a postura de grandiosidade de fazer apresentações com mais de 20 pessoas. Vendemos ideias, talentos e como sair da crise. Recentemente fizemos o projeto Marias, para a marca Intimus da Kimberly-Clark, com base em conteúdo para transformá-lo em mídia. Os clientes querem e estão mais exigentes.

Qual é o tamanho desse nível de exigência?

Podem exigir da agência, mas não apertar o cinto do ponto de vista de remuneração. Deviam refletir sobre isso porque o Brasil tem uma propaganda de ponta, que oferece qualidade e entrega resultado. Com o ponto do torniquete que estamos vivenciando, as agências vão ficar sufocadas e, consequentemente, diminuirão o talento. E mediocridade não combina com o negócio da propaganda.

Há exceções?

Claro que muitos clientes acreditam que as agências precisam ser bem remuneradas. E esses fazem a diferença no mercado. Quem quer tomar tudo da agência não consegue mantê-la como fornecedora porque ela está perdendo dinheiro.

Esse comportamento tem relação com o modelo brasileiro de publicidade?

Tem a ver com a economia, com as novas gerações de executivos de marketing, com o nosso modelo de negócios e com formatos internacionais. Mas é um erro questionar o modelo brasileiro, porque ele oferece estabilidade devido à relação bem sustentada entre mídia, agências e anunciantes e não se pode quebrar isso. Se o edifício cair, vem o caos. As marcas precisam entender isso. Estamos negociando até onde podemos. O modelo ideal é o preço justo para uma boa ideia.

E as BVs?

Muita gente se incomoda com as bonificações de volume, mas é uma operação legítima das agências. É a somatória dos faturamentos que uma agência transfere para os veículos. É um plano de milhagem: se uma agência voa muito, ganha mais milhas. É um incentivo para buscarmos mais trabalho e clientes. O cliente deve ter bom senso e racionalidade. Muitos aceitam esse programa dos veículos às agências. Outros não. Há necessidade de revisão do modelo, mas o torniquete está apertado demais. E, sem preço justo, prevalece a mediocridade.

Como equilibrar o cenário?

A nova geração aponta o futuro da publicidade. Todo mundo sabe o que foi construído no passado, mas há mudanças que precisam e devem ser feitas, de forma radical. Por exemplo, players digitais como o Google já estão se adequando ao modelo de remuneração brasileiro, que é estipulado por lei. O dr. Roberto Marinho costumava dizer que tinha 20 mil formiguinhas trabalhando para ele em todo o país. Essas formiguinhas são as agências de publicidade. O WPP é o maior comprador do Google no mundo. O futuro também significa que os novos players têm de remunerar as agências. Senão o cliente precisa pagar essa conta. Ainda bem que os grandes clientes sabem que, para ter uma grande ideia capaz de impulsionar vendas, é preciso remunerar bem. Mas o ideal é que os canais digitais estejam de acordo com o modelo brasileiro.

Com margens tão apertadas, o que fazer?

É difícil porque os próprios publicitários destruíram o mercado. Nos últimos 15 anos, a competividade ficou muito acentuada. Muitos ofereceram o que não podiam entregar e sem possibilidade de voltar atrás. Quando se começou a entrar em concorrências abrindo mão de taxas e oferecendo serviços de graça, foi um erro. Muitos acham que os publicitários ganham demais porque um ou outro é referência de extravagância, mas a maioria trabalha para fazer jus ao seu salário.

Há planos para o Grupo Ogilvy ter uma operação de promo ou de live marketing?

Temos a operação da Geometry, no Rio, que cuida do momento da compra ou do shopper. Agora, em eventos e promoções, trabalhamos em parceria com os clientes porque é um modelo complicado que tem base no job a job. Não precisamos ser donos em alguns casos. Os clientes reúnem nas mesas fornecedores de várias disciplinas para montar um plano. Temos inteligência e pensamento de shopper marketing e, nesse caso, a Geometry Rio tem expertises e profissionais.

Há planos de compras?

Absorvemos, recentemente, a Ideal, de relações públicas, e essa disciplina abre muitas portas. Continuamos olhando para esse tipo de empresa, assim como agências digitais, que é a grande janela para as agências ampliarem suas operações. A área de healthcare tem impactado de forma positiva na composição de receitas do grupo. Três coisas, porém, vão integrar tudo: data intelligence, belíssimas ideias e processos para lidar com tudo isso em tempo real. Cada disciplina tem uma característica, mas todas estão muito próximas. E essa transformação envolve agências e anunciantes.