Mercado competitivo favorece o design
Em 1963, o Brasil ganhava sua primeira escola dedicada ao design: a Escola Superior de Desenho Industrial (Esdi), fundada no Rio de Janeiro. Há 50 anos, portanto, a modalidade, como é conhecida hoje, ainda dava seus primeiros passos no mercado brasileiro. Como toda criança de dois anos, já tinha força para ficar em pé e se firmar, embora ainda existissem alguns tropeços no caminho.
Antes disso, o design nas universidades era uma disciplina integrada aos cursos de arquitetura ou publicidade e propaganda, sendo ainda pouco valorizado. “No Brasil a gente tem uma espécie de distorção em relação ao design, ainda um pouco desvalorizado. Até pouco tempo atrás não tinha um curso específico. Eu, por exemplo, me formei há 22 anos e fiz publicidade na ECA (Escola de Comunicação e Artes da USP)”, lembra Alexandre Suannes, diretor de imagem da WMcCann.
Embora seja peça-chave no mercado publicitário, o design como profissão enfrenta décadas aguardando reconhecimento. Bruno Porto, conselheiro da ADG Brasil (Associação dos Designers Gráficos), acredita que este é um momento positivo para o mercado. “Quando se fala em design gráfico, o Brasil vive um momento muito bom, finalmente sendo reconhecido”, defende Porto, citando a proposta para a regulamentação da profissão de designer, que teve a sua penúltima instância de aprovação no Congresso Nacional em novembro do ano passado.
Já Luciano Deos, ex-presidente da Abedesign (Associação Brasileira de Empresas de Design) e hoje diretor do GAD Design, ressalta a qualidade que o design brasileiro, tanto gráfico quanto de produto, vem apresentando. “Não tem mais trabalho amador”, diz. Segundo ele, o amadurecimento profissional da atividade no Brasil reflete positivamente no segmento. “Hoje são mais de 400 escolas de design no Brasil e muitas instituições ligadas à profissão. Além disso, o mercado mais competitivo, com mais produtos semelhantes, faz com que as empresas invistam em diferencias como o design.”
Para Deos, a postura do consumidor, que com a popularidade da internet tem tido mais acesso à informação e, consequentemente, é mais exigente e crítico, permitiu ao design se inovar. “Comunicação por comunicação, hoje, não é suficiente. Os consumidores estão mais exigentes, valorizam mais o que tem um padrão estético e cultural. As instituições, o mercado, todos amadureceram e são responsáveis por essas mudanças. Hoje vivemos conectados e o design assume uma posição estratégica. O nosso objetivo é proporcionar algo que gere as melhores experiências para o consumidor”, diz.
Deos lembra de diferentes momentos do design no Brasil, sempre passando por inovações relacionadas ao movimento do mercado. “Nas décadas de 1950, 1960 e 1970, a profissão era muito associada ao design de produtos. Entre 1970 e 1980, passou a ser mais associada à indústria de massa, como o setor automobilístico. Foi aí que passamos a ver uma importância maior do design gráfico, relacionado ao visual, com mais estudos e proximidade ao marketing e à comunicação. Isso se consolida nos anos 1990. E a partir de 2000, então, o design passa a ser visto como algo estratégico, entra para compor o branding e tem sua abordagem ampliada”, relembra.
O design como diferencial competitivo é bastante evidente em mercados internacionais, como o Japão, citado por Suannes. “O design gráfico é muito ligado à indústria e ao consumo. As embalagens mais legais, por exemplo, são as do mercado japonês. Lá, o design é diferencial competitivo. A marca precisa ter uma boa embalagem, faz parte das empresas no Japão contratarem um design para isso, porque se eles não tiverem uma embalagem boa, o concorrente vai ter. No Brasil, nos últimos 20 anos, à medida que a economia foi mudando e produtos importados foram sendo inseridos no mercado, as empresas também foram se desenvolvendo neste setor. Foi uma mudança muito ligada ao comportamento do mercado”, conta.
O profissional da WMcCann lembra também do mercado americano, em que o design é associado diretamente aos resultados e tem mais espaço, não ficando restrito a agências, por exemplo. “O mercado americano sempre valorizou o design, como a célula-tronco da marca. Uma empresa quer fazer um branding, ela contrata um escritório só de branding. A agência de publicidade entra para disseminar essa linguagem. No Brasil, o conceito de branding começou a se desenvolver de uns dez anos para cá. Você não vende só uma imagem, mas um tratado filosófico do que é a marca. E foi isso que ajudou a desenvolver a área por aqui”, explica.
Para Alex Lipszyc, diretor de ensino da Panamericana Escola de Arte e Design, ao notar o design como diferencial competitivo, as marcas passaram a inovar na comunicação visual e, consequentemente, a área ganhou espaço dentro da publicidade. “O design está em todos os lugares. Não se navega na internet sem que alguma campanha lhe impacte visualmente. Nessa quantidade astronômica de impactos visuais a que somos submetidos, não só o conteúdo é importante, mas o invólucro também. A propaganda sabe muito disso, faz um excepcional uso dos aspectos visuais perceptivos e, cada vez mais, desenvolve ferramentas que solidificam estes entendimentos”, observa.
Os pioneiros
Hoje com grande presença dentro das agências, o design teve, entre os anos 1980 e 1990, alguns estúdios que se destacavam no Brasil. Alexandre Suannes lembra de alguns dos pioneiros dentro da modalidade. “A DPZ tinha um estúdio de design que era a SAO, e talvez esse tenha sido o escritório de design mais antigo ligado a uma agência. Depois teve a ‘inc’, do Roberto Cipolla e do Marcello Serpa, quando estavam na DM9. Eu trabalhei com eles lá. Também um estúdio pequeno, dentro da W/Brasil, chamado Made in Brasil, e era capitaneado pelo Gabriel Zellmeister, antigo sócio do Washington Olivetto, que é um amante do design também. Trabalhei lá durante um breve período”, relembra ele, citando ainda alguns designers independentes que marcaram época, como Rico Lins e Kiko Farkas.
Embalagem ícone faz 100 anos
Algumas marcas conseguiram, ao longo de anos, criar embalagens que se tornaram ícones do design e são lembradas por gerações. A Coca-Cola e sua garrafa de vidro, que em 2015 completa cem anos, é um exemplo de produto que se mantém vivo e presente muito além das prateleiras de mercado.
Para celebrar o aniversário da garrafinha, a Coca-Cola patrocina neste ano um documentário do cineasta Matthew Miele e do documentarista Justin Bare. Segundo o The Hollywood Reporter, a produção será lançada em novembro e deve mostrar a evolução da garrafa desde a sua invenção.
Estampando roupas e objetos decorativos mundo afora, a garrafa de Coca-Cola também será abordada no documentário sob o ponto de vista cultural. Sua influência na arte pop, que teve trabalhos criados por Andy Warhol evidenciando o produto, também será documentado.
Na história da empresa, a garrafa foi criada como parte de uma campanha publicitária para incentivar as pessoas a exigirem a Coca-Cola genuína, já que a concorrência começava a criar produtos similares. Em 1915, a Root Glass Company de Terre Haute, da Índia, ganhou um concurso para criar uma garrafa que pudesse ser reconhecida no escuro. Em 1916, então, começou a fabricar a famosa peça com contorno, que foi escolhida por sua aparência atraente, design original e o fato de, mesmo no escuro, permitir a identificação do produto.
A garrafa de Coca-Cola aparece em evidência também nas campanhas publicitárias da marca, que têm sempre um lugar de destaque para o produto. No Brasil, a agência responsável pela Coca é a WMcCann, que mostra a garrafinha como peça-chave em anúncios variados, como nas décadas de 1940 e 1950 e, mais recentemente, na virada de 2014 para 2015, quando canudos representando fogos de artifícios emolduravam a icônica embalagem.