Mercado discute mudanças na mídia

Convergência, cultura participativa e novas mídias foram alguns dos principais temas abordados no Festival Internacional de Televisão, semana passada, no Rio de Janeiro. Nelson Hoineff, jornalista, produtor, diretor e também presidente do IETV, que organiza o FITV, diz que o evento tem crescido muito e reflete as transformações pelas quais o meio passa.

“As transformações na TV não têm começo, meio e fim, são uma realidade. Temos acompanhado e acredito que hoje uma das grandes questões são a conectividade e a diversificação não só de conteúdo, mas de formas de difundi-lo. Há problemas, em especial o conservadorismo assombroso dos executivos das programadoras, que me pergunto como conseguem ganhar dinheiro, pois não ousam. Podemos avançar muito ainda em diversos aspectos, e muito em qualidade de narrativa, em inovação, em ousadia de conteúdo. O público não é burro como pensam os executivos. Faltam a eles competência e criatividade para enxergar isso”, disse Hoineff.

O mercado da TV segue repleto de contrastes. Enquanto o jornalista Gustavo Gindre, membro do comitê gestor da internet por dois mandatos e especialista em regulação do audiovisual na Ancine (Agência Nacional de Cinema) lembrou que a TV aberta segue em um cenário desregulamentado, hiperconcentrado, de baixa diversidade de conteúdo e ainda pouca produção independente; Ronaldo Lemos e Alê Youssef trouxeram suas experiências no programa “Navegador”, da GloboNews, em que unem a internet à TV de maneira criativa e interessante.

“Nós não temos cotas de produção independente, então as TVs produzem seus conteúdos, ou pior: vendem uma parte da sua grade para terceiros – em alguns casos para cultos religiosos, ou seja, promovem o uso de uma concessão pública para fazer proselitismo religioso. Não há regulação da publicidade – especialmente para crianças –, não há lei de imprensa, não há limite para concentração de propriedade. E em muitos casos os controladores de afiliadas das grandes emissoras pelo país são nada mais do que coronéis da política local, que conseguiram suas concessões a partir de conexões políticas”, disse Gindre.

Divisão

Em relação à TV paga – hoje com cerca de 19 milhões de assinantes –, Gindre fez uma crítica ao fato dela se dividir basicamente entre as “majors americanas”, os grandes players e seus canais, e a programadora nacional Globosat, que possui 39 canais, entre próprios e em parceria com terceiros. “É curioso que os grandes players internacionais recebem fomento do governo brasileiro para produzir programação local. Há algumas outras minúsculas programadoras nacionais que lutam enormemente para sobreviver, e que pelo menos conquistaram desde 2011, com a nova legislação, de, até quatro, serem transmitidas obrigatoriamente pelas operadoras de TV paga. O que garantiu um pouco mais de visibilidade”, criticou.

Para ele, a grande mudança que a internet traz para a TV é o fim da grade de programação como a conhecemos. A segunda é a interatividade e a possibilidade de ambos os lados – emissores e receptores – passarem a adquirir ambos os papéis. Enquanto se assiste à implantação da TV paga no Brasil, vive-se, ao mesmo tempo, a sua “superação” pelo processo de convergência. “Nos Estados Unidos, um mercado maduro, vê-se a queda de assinantes de TV por assinatura por conta da penetração de banda larga. Aqui vivemos os dois fenômenos ao mesmo tempo, o que fatalmente irá mexer nos modelos de negócio de TV paga e aberta”, disse.

Ele não acredita, no entanto, que o Brasil verá grandes mudanças nos próximos cinco a dez anos. Há muitas discussões e desafios que precisam entrar em cena: o direito autoral, a privacidade, a neutralidade de rede e a garantia da verdadeira liberdade de expressão, longe de interesses comerciais. Para ele, outro problema é que a TV e boa parte do mercado ao seu redor, inclusive a publicidade, ainda enxergam a internet como “inimiga”, pois muda radicalmente processos comerciais. A fragmentação de audiência não é, ainda, algo para o qual a TV se encontra preparada. “Nesse grande cenário de transformações que viveremos nos próximos anos, espero que consigamos sair de uma televisão com uma série de problemas e um legado histórico muito complicado no Brasil para entrar nesse cenário de internet e convergência resolvendo os problemas, mas não herdando novos”, argumentou.

Confusão

Lemos, que é diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade no Rio de Janeiro e representante do MIT Media Lab no Brasil, disse que vivemos hoje uma confusão em relação às redes sociais, acreditando que elas representam um “território livre”. “O que se vê na timeline do Facebook, por exemplo, é o que os algoritmos consideram que nos interessa, como maneira de nos manter conectados por mais tempo. Portanto, é o que interessa mais a eles e não a nós. O que vemos não é a realidade e sim o que eles acreditam que nos agrada mais. Por isso costumo dizer que é um espelho das pessoas, pois quanto mais elas encontram opiniões semelhantes, ou assuntos de que gostam, e mais likes elas recebem de amigos que concordam com elas, por exemplo, melhor costuma ser a sua experiência”, disse.

Ele conta que começam a surgir alguns estudos sobre informação e química cerebral que comprovam que as pessoas reagem ao “like” e passam a depender dele para equilibrar seus níveis de dopamina no cérebro. “Há uma correlação entre química cerebral e a informação que se recebe. Há uma reação química àqueles numerozinhos em vermelho que aparecem para você no Facebook indicando que há mensagens, há likes aos seus posts”, comentou Lemos.

Condomínios

Alê Youssef diz que costuma comparar as redes sociais à escolha de viver em condomínios, enquanto o resto da rede pode ser comparado a andar livremente pelas ruas. “Criamos o programa ‘Navegador’ pensando nos primórdios da internet, quando se flanava livremente, sem ficar preso às regras dos condomínios e principalmente à ideia de que existem certos assuntos que ‘dominam’ a cena, bem típica de quem vive em condomínios fechados”, observou Youssef.

De fato, antigamente se navegava a esmo, havia mais surpresa, novidade, menos patrulhamento ou censura. “Com a evolução da internet depois da bolha, a criação de redes como Facebook e o caminho que o Google seguiu a partir dali, aquela ‘cidade’ foi tomada por condomínios fechados e a lógica do espaço público aberto se torna espaço privado público. O Facebook é a praça do shopping, pois tem dono, que define o que é mostrado. Percebemos o impacto disso, por exemplo, nas últimas eleições, a ideia de polarização e como as pessoas se fecham em determinadas bolhas, perdendo o contexto da discussão mais geral que ocorre no país”, comenta Lemos.

No programa exibido na GloboNews, diferentes links sugeridos pelos apresentadores dão origem a navegações “infinitas”, de descoberta e espírito livre, como descrevem Youssef e Lemos.  A intenção é levar a lógica da internet para a TV, abrindo para a participação do público na elaboração das pautas e durante as discussões que surgem ao longo do programa. A intenção é abrir espaço para assuntos e cenas culturais que não aparecem estampadas nas capas dos cadernos culturais de jornais, por exemplo, ou combater a ideia de “urgência”.

“Temos batido muito na ideia de um outro tempo, não necessariamente o da urgência, em que a notícia da semana passada torna-se rapidamente irrelevante. Gostamos de discutir coisas de um ou dois anos atrás, rompendo com a ideia de que o que não é discutido agora em dois dias fica completamente velho, como uma capa de Veja. Ao discutir tudo na base da urgência, poucas vezes conseguimos nos aprofundar e dar atenção a temas importantes”, diz Lemos.

Para ele, o futuro passa pela discussão em torno da banda larga – uma vez que estamos em 85º lugar em velocidade de banda larga em termos mundiais –, da privacidade, da lei dos direitos autorais e a lei de imprensa que começa a ser discutida no Congresso.

“Banda larga, em especial, é um tema negligenciado. Estamos atrás de vários países como a Colômbia, cujo governo investiu 6% do PIB no projeto ‘vive digital’. Por aqui, o governo não apoia nada além dos meios tradicionais. A Ancine, por exemplo, não considera nada além do cinema e da televisão. Tudo isso tem que ser revisto”, conclui.