Estive esta semana, pela terceira vez, na casa onde viveu Roberto Marinho, na Rua Cosme Velho. As duas anteriores fui como convidado para os famosos jantares que o anfitrião dava, aos quais atraía homens de negócios, políticos, visitantes estrangeiros, personalidades das artes, das ciências e da academia. Todos se encantavam com a gentileza do casal anfitrião, com a casa, com o menu, com as obras de arte, com a hospitalidade do Rio. Mas encantavam-se, também, com o terreno em torno da casa, cravado num pedaço do caminho para o Corcovado, rodeado pela Floresta da Tijuca em todo o seu esplendor. Em noites de lua, era uma clareira no meio da mata; em noites de vento, o enorme pau-ferro, as palmeiras e as árvores do morro em frente balançavam como num ballet promovido pela natureza; a cachoeira resultante de uma nascente cuidadosamente preservada refletia, no ribeirão que cortava a casa, na visão da água pura e dos peixes.

Nessa visita atual, meu encantamento foi talvez maior do que nas vezes anteriores. A casa transformou-se, por vontade do proprietário e ação objetiva de seus filhos, num museu de arte, no qual, ao lado dos Portinari, Di Cavalcanti, Pancetti, Anita Malfatti, Luiz Aquila, Burle Marx e Lasar Segall, a própria natureza é olhada como a máxima obra de arte. Visitando a casa, é impossível deixar de pensar no homem que a construiu e a habitou por tantos anos. Não fui íntimo de Roberto Marinho, com quem tive reuniões sempre de caráter estritamente comercial. Mas sempre fui amigo de vários amigos dele — Emil Farah, Jorge Adib, Magaldi, Boni, Otávio Florisbal, Walter Clark, Willy Haas e Borghetti —, o que já mostra como ele sabia se rodear dos melhores talentos.

Numa das primeiras reuniões que tivemos, lembro-me dele ter dito, referindo-se à Rede Globo: “Tudo o que sou devo aos jornaleiros e aos publicitários” — as duas categorias mais modestas que viviam das vendas. Na época, a palavra “publicitário” não tinha a conotação que tem hoje, de um profissional envolvido em campanhas políticas e pertencente a redes internacionais enormes, mas significava aquele modesto representante autônomo do jornal, da emissora de rádio, que percorria loja por loja, indústria por indústria, convencendo os empresários a fazer propaganda e vivendo modestamente da comissão pelo espaço duramente vendido. Lembro-me também da perplexidade com que ele foi informado, por Juscelino Kubitschek, que a mudança da capital seria para o Planalto Central e não para a Barra, então uma enorme área abandonada próxima ao Rio.

Quem pensa em Roberto Marinho como uma figura imperial, acima das demais por sua riqueza, seu poder e sua cultura, engana-se ao descobrir que toda a fortuna que construiu foi resultado do excelente homem de vendas que ele sempre foi. Na verdade, quando necessário, e no começo da vida, ele mesmo visitava os anunciantes propondo projetos e anúncios. E no ambiente competitivo em que vivia, junto a gigantes como Assis Chateaubriand, a família Pereira Carneiro, o encanto de Adolpho Bloch e seus sobrinhos, e Silvio Santos, Marinho não hesitava em telefonar ou visitar pessoalmente os anunciantes que apareciam nos espaços de seus concorrentes, sem forçá-los, mas lembrando que seus veículos tinham leitores e ouvintes tão bons quanto os dos outros. Ele trabalhou sempre para que a base de seu sucesso fosse a qualificação dos jornalistas, a qualidade dos textos e da apresentação gráfica, a independência e o respeito à inteligência dos leitores. Se hoje existem grandes agências no Brasil e uma profissão regular, devemos muito a Roberto Marinho, que sempre respeitou seus parceiros e apoiou suas lutas por uma regulamentação profissional, pelo Conar, pelo Cenp e pela Lei 4.680.

Roberto Duailibi é publicitário e integrante da Academia Paulista de Letras (roberto.duailibi@dpzt.com.br)

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