A ideia de um modelo de negócios baseado no Uber tem fascinado muitos setores econômicos nos últimos anos e não faltaram tentativas, via de regra malsucedidas, de caminhar em direção a ele.

No caso do mercado publicitário brasileiro, esse movimento destrutivo foi desestimulado pela combinação de imposição legal e da autorregulação do setor, gerida pelo Cenp, e isso minimizou a gravidade da crise que vivemos nos últimos anos – da qual começamos a sair. Sem as nossas salvaguardas, estaríamos em uma situação bem pior, como tem ocorrido nos mercados de médio e pequeno porte ao redor do mundo, em grande desagregação, e até nos mercados centrais, como Estados Unidos e Reino Unido, que têm sofrido bastante.

A maioria dos empresários e parte crescente dos profissionais estão se dando conta que o tempo passa e o modelo Uber não tem gerado riquezas para o sistema, com exceção de uma rigorosa minoria, pois o processo é como um cassino, no qual poucos vencedores levam tudo… O Uber é um exemplo acabado do modelo econômico digital, que, apesar do fascínio e de ter feito alguns milionários e bilionários, não distribui riquezas para o conjunto da sociedade e não se mostra sustentável.

Em seu livro Throwing Rocks at the Google Bus, Douglas Rushkoff, estudioso e entusiasta do mundo tecnológico, relata sua decepção, antevê grandes dificuldades e defende uma mudança radical no modelo que, ao contrário das grandes organizações capitalistas do século 20, não cria riquezas para sua cadeia de fornecedores, trade e a própria população, pelo aumento de qualidade e redução dos preços de produtos e serviços e a geração de impostos.

Rushkoff define a nova economia digital como um sistema “extrativista de valor” e uma regressão ao capitalismo em sua fase mais selvagem, no caso travestida de inovadora e alavancada justamente pela tecnologia. Voltando à análise do “modelo Uber” e suas grandes contradições, vale colocar preto no branco, sem wishful thinking, e lembrar a performance falsamente vitoriosa da organização nesses nove anos e às vésperas de seu esperado IPO, que talvez venha ser uma das maiores empulhações da história empresarial.

A empresa e muitos observadores que ou estão comprometidos ou totalmente míopes esperam arrecadar até US$ 120 bilhões, muito acima do valor hoje estimado para o negócio, de US$ 68 bilhões. Mas os que têm o pé no chão e um razoável senso crítico recordam que a Uber nunca teve um ano lucrativo, apesar de seu alegado imenso sucesso.

Em 2018, o prejuízo foi de US$ 1,8 bilhão. Foi bem menor que os US$ 4,5 bilhões de 2017, mas foi obtido graças principalmente à redução dos ganhos de seus motoristas colaboradores e ao encerramento de operações em diversos países e cidades, devido a entraves legais ou feroz competição local. A cortina de fumaça que a Uber vem alimentando nos últimos anos deriva da espetacular entrada em alguns setores paralelos, como cargas (Uber Freight), delivery de comida, logística, bicicletas elétricas e até carros self-driving.

Como aponta uma matéria na New York Magazine, “a Uber nunca apresentou uma evidência concreta de que será lucrativa, muito menos que vai gerar um retorno adequado sobre o capital nela investida. Seus investidores no fundo estão depositando esperanças em um IPO bem-sucedido, o que significa encontrar idiotas em número suficiente”. Pior ainda, uma pesquisa feita pelo site Ridester revelou que a média dos motoristas do Uber nos Estados Unidos ganha abaixo de US$ 10 por hora, menos que se trabalhassem em uma loja de fast-food, onde não têm de colocar o seu capital na roda. Como analisou Rushkoff, é o capitalismo no seu pior perfil.

Rafael Sampaio é consultor em propaganda (rafael.sampaio@uol.com.br)