Mudou a forma de reservar o campo de futebol do meu condomínio. Desde o upgrade de “terrão” para grama artificial, o campo de futebol society começou a ser mais demandado e aí a administração decidiu estabelecer reservas por intermédio de um app, desenvolvido especificamente para tal. Até aí, tudo bem. É mais moderno, coisa e tal…

Acontece que os peladeiros estavam acostumados a chegar de manhã à beira do campo, no domingão, e ver seus nomes escritos numa prosaica lousa, formando os dois times. Formou, o jogo começa! Se houver espera, novos nomes vão sendo inseridos na lousa, esperando o jogo terminar.

Pois bem, o tal sistema “tecnológico” de reserva está dando problema. Ao chegar na manhã de domingo pra jogar, os habituées do campinho descobriram que uns garotos reservaram o campo e ninguém pode entrar… Como assim? Cadê os que reservaram? E está feita a confusão.

Exponho esse singelo exemplo do meu condomínio para levantar uma questão. Nem sempre a solução mais “tecnológica” é a mais adequada para determinadas situações. Estamos todos nos tornando dependentes da tal tecnologia, desprezando soluções simples, mas que funcionam.

Quer ver outro exemplo? Eu chego a um evento e paro no credenciamento. “Você baixou o QR code da sua inscrição?” “Acho que sim, mas não sei onde salvei.” “Sinto muito, mas precisa do QR code”. “O sistema não mostra uma relação de inscritos em ordem alfabética? O meu nome começa com A; você vai achar rapidinho…”. Dez segundos depois, eu estava com a minha credencial.

Eu sei que é bacana o uso do QR code; é moderno (nem tanto) e coisa e tal… Mas, gente, às vezes o processo analógico funciona muito bem. E não devemos nos sentir menos atualizados por usá-lo.

Outro exemplo: estamos num almoço coletivo. Pedimos a conta, com notas fiscais individuais, para os acertos na “firma”. O “sistema” não aceita. Peralá! Quem é esse “sistema” que está acima da vontade humana? O que ocorre é que há uma pressão psicológica para que estejamos sempre up to date com a tecnologia. Uma simples relação de nomes em ordem alfabética para checar inscrições num evento não é algo moderno, não é tecnológico. Mas funciona! E, às vezes, mais rápido do que o “sistema”.

Não sou resistente às mudanças, muito menos às soluções inovadoras. Muito ao contrário, por ser um tiozão, até forço para ser um early adopter de traquitanas tecnológicas. Só pra me sentir modernão (rsrsrs).

Mas, vamos com calma, a tecnologia não é, necessariamente, a cura para todos os males. Dia desses ouvi a declaração de um dirigente de uma das grandes – e boas – agências brasileiras dizendo-se cansado dessa busca obstinada pelo novo, pelo tecnológico. “Às vezes, o tradicional bem feito é mais eficaz. E tudo bem! Não devemos nos sentir ‘ultrapassados’ por isso.”

E noto que essa sensação não só minha e de um grupo pequeno de tiozões. Ela foi amplamente debatida nas duas últimas edições do Cannes Lions, contrapondo a panaceia tecnológica com os valores humanos. E a conclusão a que se chega é a que devemos aproveitar, sim, o melhor da tecnologia, mas sem abandonar o que nos define como seres humanos.

Vamos deixar, sim, as Siris e Alexas resolverem nossas demandas banais, mas não vamos deixar que elas dominem as nossas vidas.

A tecnologia deve estar a nosso serviço e não o contrário. É inevitável que muitas posições de trabalho sejam substituídas por máquinas, algoritmos e inteligência artificial. Mas outras posições de características mais humanas serão abertas, em contrapartida.

Talvez a conta seja desfavorável, mas o importante é sabermos contrabalançar os dois mundos, o humano e o tecnológico, com serenidade e sem nos submetermos facilmente ao mais moderno, simplesmente por ser mais tecnológico.

Definitivamente, a tecnologia não é a poção milagrosa que curará todos os males do mundo. Somos nós, seres humanos, que podemos fazer isso.

Alexis Thuller Pagliarini é superintendente da Fenapro (Federação Nacional das Agências de Propaganda) (alexis@fenapro.org.br)