Para a procuradora Valdirene Silva de Assis, do Ministério Público do Trabalho de São Paulo, a relação entre o movimento Vidas Negras Importam e a responsabilidade das agências de publicidade no debate sobre igualdade racial está intimamente conectada.

Ela, que lidera a Coordenadoria Nacional de Promoção de Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho do MPT-SP, reforça que o pacto Conexão Negra, assinado por 15 das principais agências do Brasil, em novembro passado, é uma das formas mais genuínas para que o mercado de propaganda prove sua vanguarda.

“As agências têm uma oportunidade de intensificar seus trabalhos voltados ao combate à descriminalização, realizar em sua entrega social, campanhas mais diversas lá na ponta. Esse é seu dever público de retratar de forma justa e adequada, compreendendo a real demografia do país que se vive”.

Acompanhe na entrevista a seguir os principais trechos sobre a evolução do pacto, sua evolução e desafios.

A procuradora Valdirene Silva de Assis, que lidera a Coordenadoria Nacional de Promoção de Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho do MPT-SP (Divulgação)

Avanços

Não considerando o período da pandemia, uma vez que teremos os dados atualizados apenas após a reunião ainda em julho, de forma geral, houve avanços em relação ao pacto. Nós tivemos informações vindas das próprias agências e dos coletivos de publicitários negros de que efetivamente as contratações aumentaram e tivemos como consequência do pacto, uma maior produção de campanhas de publicidade centradas na diversidade racial e no respeito a esse princípio.

Entendemos que o trabalho está apenas na fase inicial, ainda mais com o momento de pandemia que traz questões operacionais importantes. As agências estão sendo afetadas. Mas, principalmente, no período pré-pandemia, as empresas estavam comprometidas com as mudanças de políticas internas para a inclusão.

Vidas Negras Importam

O primeiro passo já foi dado, com o compromisso das agências na participação no debate sobre inclusão. Precisamos entender que o racismo não é um ato individualizado. Não está em determinada agência ou empresa. Decorre de um processo histórico na forma que a sociedade foi estruturada, no seu processo de escravização. Estamos vivendo com esse legado e precisamos revisitar esse período da história para compreender por que a sociedade está da forma que está. Por que as pessoas estão clamando pelo direito de respirar? O manifesto Vidas Negras Importam diz respeito a toda vida humana e se contrapõe aos pontos que acontecem infelizmente no Brasil e no mundo. E que ainda carregam muito dessa estrutura de hierarquização de pessoas, que coloca pessoas negras em desvantagem.

Direitos

Uma vida digna passa pela necessidade de respeitar direitos fundamentais. E o trabalho é um desses direitos. As agências têm uma oportunidade de intensificar seus trabalhos voltados ao combate à descriminalização, realizar em sua entrega social, campanhas mais diversas lá na ponta. Esse é seu dever público de retratar de forma justa e adequada, compreendendo a real demografia do país que se vive. E também assumir o compromisso de assegurar em seus quadros profissionais que estejam nesses grupos diversos.

Vanguarda

O compromisso que se espera a partir das discussões do movimento Vidas Negras Importam é que de fato o pacto celebrado em 2019 venha para ficar em 2020 com muita força e consiga enxergar no setor publicitário, que é vanguarda, também a vanguarda na proteção ao direito de todas as pessoas. E na efetiva inclusão e proteção da equidade racial. É muito oportuna essa discussão sobre o Black Lives Matter porque serve como o chamamento para os que estavam de alguma forma sem saber como começar, que possam agir. Os que não celebraram o pacto de diversidade ainda, podem nos procurar. Se inspirem em quem já está fazendo o trabalho e faça jus a este conceito de que a publicidade é um setor de vanguarda e haja como tal praticando a diversidade.

Meta possível

Mais do que pensar em um número mágico, devemos pensar em que postos de trabalho os profissionais negros estão ocupando. Essa estatística precisa contemplar cargos diversos e se existem pessoas negras na liderança. O que a gente observa, e que surte mais efeito, é estabelecer um programa que auxilie na construção das políticas e metas.

O percentual que determinamos no pacto é de 30% de contratação voltada para negros. O trabalho não está perfeito. Não serão 30% na liderança, muitos colocam estagiários nessa conta. O ideal é ter um quadro funcional, porque é a representação demográfica da nossa sociedade. Quando há êxito das agências? Quando, ao deflagrar cada processo seletivo, ela colocar a diversidade como meta. É importante que se tenha um comprometimento orgânico. No meio corporativo, se ficarmos apenas nas intenções, desejos, vontades individuais, falas não coordenadas, os resultados serão muito menores.