Os 13 milhões de brasileiros desempregados provavelmente fazem parte daquele segmento da população apaixonado por futebol. Por certo são torcedores da seleção brasileira. Cidadãos e cidadãs que moram nas periferias das nossas cidades, em casas e prédios com acabamento precário, amargando o desconforto e a insegurança de um cotidiano sempre pouco assistido pelo poder público. 13 milhões é um número importante para a economia.

Se cada um se dispuser a beber, por baixo, 20 cervejas durante o período do evento serão, por baixo, 260 milhões de cervejas vendidas. Sabemos que mesmo no aperto quem gosta de cerveja dá um jeito de beber. Essas, por baixo, 260 milhões de cervejas, mais as centenas de milhões de refrigerantes e os outros milhões de reais despendidos por esses 13 milhões de desempregados em produtos ligados à Copa e, ainda, mais algumas dezenas de milhões de reais gastos por mais algumas dezenas de milhões de subempregados, é o que banca a exposição e o trabalho de mitificação da seleção. Ótimo.

Fico curioso em saber se cada um dos atletas e se cada um dos integrantes da comissão técnica sabe disso. Melhor: se eles têm consciência do significado disso. É compreensível que se distraiam, diante de tantos luxos e de tantos mimos. Suponho até que pensem que o dinheiro que sustenta as condições nababescas de transporte e acomodação, por exemplo, venham de quem tem, de quem pode. É verdade. A CBF é rica, bem como são ricos os seus patrocinadores. O que talvez fosse oportuno lembrar a cada um desses mimados é de que a maior parte dessa riqueza foi catada em troco miúdo. Por exemplo, em botecos ou em esquinas e areias escaldantes, onde milhares de desempregados se defendem com um isopor a que carregaram na cabeça por quilômetros, ou em mercadinhos que já foram assaltados inúmeras vezes e cujos donos são quase tão pobres quanto seus fregueses. É interessante a cara da riqueza.

Ela é um avião adaptado para que ao longo da viagem nos possamos banhar quentes e dormir esticados. É um hotel em que somos recebidos como príncipes e acomodados como deuses. A riqueza é poder. Poder suficiente para fazer com que outros poderes nos bajulem. Nada mais fácil, portanto, do que nos acostumarmos com a riqueza. Mas o fato é que o futebol depende dos pobres para sobreviver. A Copa de 2018 talvez seja a mais desafiadora para o Brasil.

Vamos entrar em campo com um grupo de privilegiados, enquanto amargamos, por aqui, o governo mais impopular de nossa história, nos achatamos sob uma recessão que caminha para o terceiro ano, vemos aproximar-se uma eleição absolutamente necessária, mas ameaçadoramente inútil. Enfim, uma contradição que beira o absurdo.

O Brasil que vai estrear contra a Suíça é um Brasil suíço. Rico, bem nutrido, luxuoso. Esse Brasil suíço tem, portanto, obrigações acima da média. É preciso tomar cuidado quando se enche o peito para dizer que a CBF é um entidade privada. Sim, é privada, mas o dinheiro da iniciativa privada não dá em árvore. Sai do bolso do público e circula entre mãos calejadas, antes de virar verba de patrocínio. Que a seleção retribua com um pouco de ilusão para esse povo que ultimamente só recebe notícia ruim.

Stalimir Vieira é diretor da Base Marketing (stalimircom@gmail.com)

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