Em 1962, passei em dois vestibulares. O da Faculdade de Direito da USP e o da EAD, Escola de Arte Dramática. Dois vestibulares concorridos. Com provas escritas, orais e públicas nas duas instituições. Na São Francisco, exame oral com provas ao vivo, em anfiteatro, onde os demais alunos e pessoas interessadas acompanhavam. Na EAD, além da prova escrita, sorteava-se e interpretava-se um texto, mais mímica e leitura, aberto ao público, no teatro da escola; plateia lotada de familiares, amigos e curiosos.

Tempos bons. Teatros lotados. Peças de duas a quatro horas, cujas pessoas não se mexiam de tão atentas – quase hipnotizadas – que permaneciam estáticas magnetizadas. Aproveitavam o intervalo para conversar e trocar impressões com os vizinhos. Poucos saíam para o xixi, tomar água ou café. E aí veio a TV em preto e branco. Depois em cores. Depois os vídeos. Mais adiante a internet. Na sequência o cabo. E no embalo o streaming… mais o cansaço, as distâncias, a insegurança, a violência… As referências foram reduzindo-se. As redes sociais induziram uma cultura de falar-se pouco, de se escrever menos ainda. O passarinho Twitter ensinou os 140 caracteres. O celular, quando chegou, era um tijolo. Depois dava para carregar no bolso. Depois ganhou o código Smart, virou inteligente e converteu-se em smartphone.

Hoje, nos espetáculos da Broadway, as pessoas nos intervalos permanecem sentadas e teclando. O smartphone está matando os bares dos saguões dos teatros. Smartphone que foi avançando e comendo o tempo e hoje ocupa quatro horas e meia de todos os brasileiros todos os dias. Difícil sair de casa. Difícil esperar. Longas-metragens, bitolas largas e cumpridas entediam. E todo o resto e tudo o mais, adequando-se à nova realidade. Matéria da Folha, de Maria Luísa Barsanelli, intitulada O Coro dos Impacientes, traz o melhor pior retrato da nova realidade. Cansados de ver cadeiras vazias e pessoas retirando-se nos intervalos e não regressando às salas de espetáculos, produtores decidiram encurtar as peças e eliminar o intervalo. Duas horas é o limite. Idealmente, uma hora e vinte, exagerando uma hora e meia.

Para evitar as três horas regulamentares, Eduardo Tolentino Araujo passou com sensibilidade e inteligência a tesoura em uma das sete cenas de Anatol. Você pode passar a tesoura com o maior cuidado e delicadeza possíveis, mas, nem por isso, a tesoura deixará de cortar. De usar uma palavra maldita, mas que não dá para arredondar e muito menos dissimular. Censurar! Ainda que não seja por motivos políticos.

Tolentino explica e justifica a tesoura: “Vivemos uma época de dispersão… as pessoas já chegam ao teatro com o preconceito e esperando pelo enfadonho. Mas a sensação de tempo é relativa…”. Já Denise Fraga não amacia e vai direto aos finalmentes: “Eu sinto que a atenção das pessoas está cada vez mais comprometida. Precisamos resgatar o sentido da captura, de seduzir o público”. A peça A Visita da Velha Senhora foi encurtada em 40 minutos, num primeiro corte, ou, se preferirem, compactação. Na temporada em cartaz, mais 10 minutos foram suprimidos. Agora tem duas horas, ufa!

Não obstante todo esse constrangimento. Não obstante a draga em que mergulhou o teatro, ainda sinto uma tristeza infinita de, por razões econômicas, e pelo maldito fator tempo, não ter podido concluir meu curso na Escola de Arte Dramática. Não ter seguido a carreira de ator. Assim, em nome dos heróis da resistência, que teimam em encenar e manter os teatros abertos, repito a oração do início. “Venham, pelo amor de Deus! Fiquem, pelas chagas de Cristo”.

Francisco Alberto Madia de Souza é consultor de marketing (famadia@madiamm.com.br)