Gente, eu estou com 69 anos. E ando com muito medo. Não tenho mais vigor físico pra brigar com taxista que quer matar o pessoal do Uber e desfila sua agressividade em nome de uma tese que ele não consegue explicar. Até porque a tese não tem a menor explicação diante do que é o sistema. Mas o medo não é só do taxista. Na praça onde fica meu escritório é o maior lugar de concentração no Rio. Todo dia tem manifestação que promete quebrar, arrebentar, estripar quem não concorde com sua reinvidicação. Além de não pagar os bancos e destruírem a Rede Globo, claro, pois os bancos e a Globo são culpados de tudo.

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Outro dia, embasbacado, assisti pela TV um tumulto na frente da casa do Lula. Diante das câmeras, um sujeito de camiseta vermelha começou a dar repetidos socos na cara de um fotógrafo velhinho. Soube-se depois que ele era funcionário concursado da Prefeitura de São Bernardo. Mas estava lá em outra função: bater. Pelo menos esse funcionário pode dizer que trabalha no que gosta. Dar porrada. Gosta de dar porrada porque é revoltado, é louco, foi abusado quando era criança. Deixa o Chico Daut (psicanalista maravilhoso) explicar as razões que fazem um cara ter prazer em participar de agressões.

A mim me resta um puta medo. Tou velho e já não tenho idade para brigar. Fico imaginando se um cidadão desses, taxista, profissional de saúde concursado, torcedor de algum time, não vai com a minha cara. Se por algum motivo eu desagradar a peãozada, os flanelinhas, os ciclistas radicais (tão perigosos hoje quanto os motoristas ensandecidos), policiais de qualquer matiz, camelôs o que eles podem fazer comigo? Vão me dar porrada? Os caras que foram dizer ao delicadíssimo Chico Buarque que ele é um merda acham que a vida é por aí. É na agressão.

Alguns anos atrás eu estava jantando num restaurante e um imbecil saiu da mesa ao lado e veio, aos gritos, me agredir porque eu, como jurado do desfile das escolas de samba, tirei cinco décimos da Mangueira. Ele era diretor da Mangueira e do Flamengo, e, depois de um show de exibicionismo, agressividade e estupidez, juntou-se à família (bem constrangida) e jactou-se: “Sou assim”. Tava orgulhoso. Sou assim, disse ele. Sou um merda. Na semana passada um médico, ou um arquiteto, não sei bem, dirigindo seu carro parou na fila para entrar num shopping. A fila fechou a entrada da garagem de um edifício. Daí veio um ancião e bateu na janela do carro: “Sai daí, seu babaca!” O babaca, que era um médico ou um arquiteto, desceu do carro e enfiou a mão no velhinho. Foi preso. Sabe o que a babaca da mulher dele explicou sobre o fato? “Ele chamou meu marido de babaca diante de minha filha!” Era razão para descer e espancar um velho. Para provar para a filha que ele não era um babaca.

Outro exemplo. Saiu no Fantástico, todo mundo viu. Universitária comprou tapete numa loja. Não gostou e, um mês depois, quis devolver. O dono da loja não aceitou a devolução. Ela procurou um advogado, que disse conhecer um policial que podia ajudar. O que a mau-caráter fez? Se encontrou com o policial numa lanchonete, tudo gravado. Deram-se dois beijinhos no rosto e conversaram. Ela ofereceu grana, um agrado, eterna gratidão? Não se sabe. Daí o policial, que, alías, era da Corregedoria da Polícia, foi à loja e encheu o dono de porrada. Não era porrada de demonstração. Era de prazer. De alegria. O cara gosta de bater.

O caso teria morrido aí. Era apenas mais um policial maluco fazendo bico. Para azar deles, o caso veio à tona. Sabe o que o pivô dessa história fez? A universitária? A princípio disse que não conhecia o policial. Mentiu. Foi descoberta. Jurou que não era isso que ela queria. Então, ela queria o quê? Esperava que ele fosse discutir código do consumidor com o comerciante? Daí, a universitária, entrevistada, chorou arrependida. Segundo ela, não queria isso. Os crocodilos do Pantanal estão preparando uma manifestação contra esses choros. Ando olhando de lado, meio assustado. Se alguém vier de cara feia para cima de mim vou dizer: “Não vai ter golpe!”

Lula Vieira é publicitário, diretor da Mesa Consultoria de Comunicação, radialista, escritor, editor e professor