Inovação, disrupção e transformação têm sido repetidas como mantras no discurso dos principais players do mercado de propaganda. E não era para menos.

O Cubo recebe em seus 14 andares na capital paulista startups e empresas que desejam estar próximas do cenário de inovação

Em um cenário em que a experiência de consumo foi completamente transformada após o surgimento de serviços como Uber, iFood e Nubank, entre outros, trazendo novas exigências e demandas, a comunicação de produtos e serviços precisou ser revista. E, com ela, todo o status quo do funcionamento das agências nas últimas décadas.

Assimilar o ecossistema de inovação e cultura de empresas que nasceram nessa efervescência tecnológica é um dos caminhos mais almejados, mas não é tarefa simples. É o que explica Pedro Prates, co-head do Cubo, um dos principais centros de fomento a startups da América Latina. “Empresas de tecnologia elevaram o patamar de experiência e consumo. O que as corporações tradicionais faziam antes não mantém mais os clientes fiéis. Precisaram se transformar. Inovação é fazer algo que não se fazia lá atrás, e isso passa por diversos aspectos, principalmente, pela cultura do erro, ou seja, a liberdade de testar coisas novas”.

Letícia Menegon: “Sinergia com startups fortalece as agências”

Segundo o executivo, num momento em que as agências se veem pressionadas por resultados, é preciso coragem para assumir os riscos da mudança. “A direção da empresa tem de dar o exemplo, precisa estimular esse senso de empreendedorismo. É fácil falar e muito difícil de executar, devido aos riscos de imagem. Se der errado, se perde muito dinheiro. Nem sempre é simples testar e errar pequeno. O risco não é trivial. Fazer apostas e muitas delas darem errado mexe com os líderes, negócios e remuneração. É uma mudança profunda, mas necessária”.

Para Flavio Waiteman, sócio e chief creative officer da Tech and Soul, começar desde o dia zero sob essa lógica simplifica o processo. A agência surgiu em 2017, com proposta de estrutura mais enxuta, menos processos e otimização de tempo. “A gente começou em um coworking, com menos layers entre as lideranças, em um modelo de trabalho mais colaborativo. Se você for burocrático, prolixo e não tiver velocidade, está fora do jogo. Não é discurso é uma questão de sobrevivência”.

Waiteman: “Percepção de inovação na comunicação passa pelo trabalho das agências”

Waiteman reforça ainda que inovação deve permear as agências de dentro para fora, nesse sentido, tanto a estrutura interna quanto suas entregas devem refletir esse posicionamento. À frente de projetos como o lançamento do C6 Bank no Brasil, a Tech & Soul convidou artistas com forte apelo na internet, tais como Zeeba, Isadora, Marina Diniz e Bruno Martini, para coproduzirem a música It’s your life, que reproduz os valores
e posicionamento do banco digital.

O conteúdo disponível nas principais plataformas de música por streaming permeia o entretenimento, mas também dialoga com novos perfis de público que o C6 pretende alcançar. “A cada semana aparece uma startup ou nova empresa com algo relevante a ser comunicado. Cabe às agências fazer acontecer a diferenciação desse serviço. A percepção sobre inovação é também muito importante. Como a agência pode ajudar? Inovando na forma de comunicar. Não basta dizer que existe inovação, mas contar essa história de forma inovadora. A diferenciação hoje é fundamental para divulgar essas transformações”, destaca Waiteman”.

Michel Lent, sócio e CEO da Templo CC, empresa com foco em consultoria, educação e fomento à cultura de startups, concorda, ressaltando que o desafio dos players de propaganda passa pela relevância das entregas. “O foco da comunicação deixou de ser falar sobre os benefícios de produtos e serviços, mas melhorá-los. As startups têm vantagem porque têm preocupação na usabilidade e experiência de marca. Fazer um bom produto é muito diferente de uma boa campanha publicitária. Exige uma série de conhecimentos e disciplinas daquelas que as agências estão acostumadas a fazer. Há muito espaço para quem ajuda a melhorar o produto e serviço”.

Capital criativo
A conexão entre inovação e tecnologia é direta no ecossistema das startups, algo que se estende também ao segmento de propaganda. Não por acaso, expressões como adtech e martech têm feito cada vez mais parte do dia a dia das agências. Para Fabiano Coura, CEO da R/GA, apesar das novas modalidades de comunicação estarem em alta, o mercado precisa ir além de seu quintal, buscando soluções não tão próximas de seu core business.

Fabiano Coura: “Agências devem inovar para além de seu core business”

“Quando você fala do mercado brasileiro, a maior parte das agências tem modelo baseado na distribuição de mídia. Pelo fato de o seu core business estar baseado nisso, você tende a entregar uma solução, um projeto baseado nessa lógica. Vejo as agências evoluindo e aprendendo a usar tecnologias que estão muito próximas, como mídia programática, por exemplo”. Para o executivo, no entanto, surge um novo tipo de criatividade através de outros produtos que não o filme ou outros conteúdos feitos para trafegar na mídia. “Em produto digital como o banco Next, usamos o mesmo capital criativo que usaríamos para uma campanha tradicional, mas voltado para ajudar o Bradesco a desenvolver um novo negócio. Ali você tem design, mensagem, jornada do consumidor, enfim, os mesmos assets de comunicação, mas direcionados a reinventar o próprio negócio”.

Criado em 2017, o banco digital do Bradesco foi totalmente desenhado pela R/GA, que se debruçou em conceitos como user experience, linguagem de programação e outras expertises para criar o serviço financeiro baseado 100% no mobile. Coura explica que pensar inovação do ponto de vista do cliente tem sido desafiador, principalmente porque os níveis de amadurecimento das empresas é diverso em relação a tecnologia, mas o caminho é irreversível.

“Os estágios de adaptação em relação ao novo mundo são diferentes. Você tem clientes como o Bradesco, uma empresa grande que soube tomar decisões certas para criar uma cultura diferente, ou, ainda, outras empresas que já nascem dentro dessa dinâmica de startup, logo, estão mais avançadas na cultura de compartilhamento, onde todo mundo se sente empreendedor. Enquanto outros ainda não capturaram o movimento do mundo novo. Seja porque ainda estão experimentando transição de liderança ou provando o sucesso do passado. O que eu vejo é que as agências que estão conseguindo mudar, as mais bem-sucedidas são aquelas que têm clientes alinhados nesse interesse de inovação”.

André Barrence: “DNA da inovação das agências importa no processo de transformações”

Referências
Apesar de sua constância na rotina das agências, inovação é um ingrediente assimilado com base a processos de simbiose com startups do segmento de comunicação. Segundo Letícia Menegon, coordenadora da incubadora de negócios da ESPM Tech, “o mercado de propaganda foi chacoalhado” com as transformações tecnológicas e tem se movimentado em busca de reinvenção. “A grande questão é o quanto de know-how elas detêm para se adaptar ao mercado. Elas não conseguem desenvolver esse processo de inovação sozinhas, então, buscam fora, com parcerias de profissionais e startups que trazem a cultura de inovação e novos conhecimentos”.

Segundo a pesquisa Distrito AdTech & Martech Report 2019, o ecossistema de startups voltadas para o mercado de propaganda tem evoluído. Foram mapeadas 475 operações em todo o Brasil, que atuam majoritariamente nas áreas de advertising & promotion, content & experience, commerce & sales e social & relationship. A Simplex está inclusa nesse cenário. Vicente Rezende, ex-CMO da L’Oréal Brasil, é um dos sócios da martech, que tem como proposta de valor soluções que aumentam o SEO e a conversão de vendas de e-commerces em até 30%.

Pedro Prates: “Liberdade de testar coisas novas é necessária”

O executivo reforça que a tecnologia trouxe ao marketing capacidade de escala e assertividade inimagináveis em relação à forma analógica, com monitoramento em tempo real de desempenho e outros KPIs. Combinados à entrega criativa nata das agências, os negócios tendem a ganhar ainda mais relevância. “As coisas são complementares. Estamos num mundo cada vez mais específico. Elas vão criar histórias e parte delas terá tecnologia, então, se plugam com startups”. Para ele, outras agências terão caminho mais técnico e modelo híbrido.

“Acredito na capacidade de geração de produto que as startups conseguem imprimir, que dificilmente estruturas maiores de agências conseguem acompanhar. Mas não acho que o mercado de comunicação vai virar um mercado puro baseado em algoritmo. Machine learning e inteligência vêm para somar dentro de um contexto de criação de histórias”. A combinação de forças das startups e agências também é defendida por André Barrence, head of Google for startups. O espaço de fomento a inovação abriu suas portas em 2016, em São Paulo, e já hospedou diversas empresas do mercado de propaganda, como Trakto, Vooozer, Social Miner e Rock Content. “O mercado vem sendo reequilibrando e reorganizado, não à toa temos acompanhando o surgimento de várias startups que encontraram na publicidade oportunidade de gerar experiência e inovação para atender o objetivo de negócios dos clientes. Da mesma forma que ocorre em outros setores, as organizações mais tradicionais têm importância enorme, mas novos entrantes têm identificado oportunidades”.

Michel Lent: “O foco não é mais comunicação, mas experiência”

Já no caso das agências, o executivo reforça que sua essência ligada a criação e boas ideias é fundamental nesse processo de reinvenção. “As agências e o mercado de publicidade, ao mesmo tempo que têm estrutura mais rígida, sempre foram criadores de coisas novas e de ideias. Trouxeram inovações ao mercado na forma como as pessoas interagem e se comunicam, geram experiências para os clientes. Ter esse DNA da inovação é importante nesse processo de transformações”.

Para Waiteman, em um futuro próximo, inovação não será mais um nicho que a agência oferece. Em meio aos debates sobre os melhores modelos a seguir, incorporar a cultura das startups e torná-las parte do seu dia a dia é o caminho. “Inovação precisa estar no DNA da empresa e das pessoas. É um modo de viver, de enxergar as oportunidades. Um dia, inovação terá semântica como no digital. Não tem mais sentido falar que determinado serviço é digital porque tudo- é digital hoje. Da mesma maneira, inovar não será diferenciação, mas um sine qua non num trabalho de comunicação e de solução de problemas”.