Roberto Duailibi é uma legenda da propaganda brasileira. Aos 84 anos, esse matogrossense dá expediente duas vezes por semana na DPZ&T, resultado da fusão entre a DPZ e a Taterka. Faz parte do conselho da agência e faz visita a clientes, além de ser guru do CEO Edu Simon, que recorre ao profissional sempre que precisa tomar uma decisão importante. “Ele não tem função operacional, mas é muito inspiracional”, resume Simon.

Nesta entrevista, Dualibi faz uma reflexão sobre a publicidade.

Você foi um dos arquitetos da propaganda brasileira com seus parceiros na DPZ. Como observa a atividade hoje?
A propaganda tem se moldado aos novos tempos e novas tecnologias. As novas gerações têm cumprido seu papel. É um momento de transição que muda diariamente em direção a um modelo futuro que ainda não está definido – e duvido que alguém saiba exatamente como ele será. A forma de fazer propaganda, a linguagem e os meios de se atingir os consumidores mudam à velocidade das novidades que recursos novos nos trazem todos os dias e isso requer uma mente mais aberta e a disposição de todos os dias aprender um vocabulário novo.

O que não muda na essência da comunicação publicitária?
O que não muda na essência é a necessidade de fazer boa propaganda, de ser criativo, de ter bom gosto, de chocar positivamente o consumidor. A propaganda precisa entrar nas pessoas de forma agradável e ser sentida, hoje, de uma forma mais ampla, explorando todos os sentimentos e pontos de contato. A propaganda não muda também o fato de que haverá sempre sonhos de consumo: a criatura humana quer constantemente melhorar, por mais benefícios que o progresso lhe dê. A boa propaganda é aquela que o diretor de marketing aprova com medo.

Como o passado pode inspirar o presente e o futuro?
Quem quiser fazer boa propaganda precisa saber de sua evolução, das formas como começamos e até onde chegamos. Os grandes nomes de cada época. Conhecer história dá um sentido maior ao ofício — saber o que a propaganda representou em termos culturais e as missões que cumpriu em épocas diferentes, para se ter uma noção de qual é sua missão.

Tem saudade do dia a dia como executivo de agência?
Saudade, propriamente, não. Sinto orgulho e alegria por ter convivido com tanta gente inteligente e interessante — com alguns dos quais de vez em quando encontro. Hoje, aos 84 anos, felizmente com saúde, vivo outro momento profissional. Dedico-me mais a escrever, me divirto em criar palestras, ao conselho da DPZ&T. Acho que mudaram minhas atribuições, mas não minhas responsabilidades em relação à profissão.

O que tem observado como fator positivo?
Essa juventude que aprende rapidamente a interpretar esse novo momento do mercado, a captar as formas e a linguagem que melhor se adequam aos novos modos de vida e aos anseios e angústias do novo consumidor. Hoje é preciso ter atenção aos meios, aos formatos, às linguagens e buscar tirar de cada segmento o melhor que ele pode te dar. Há bons times fazendo isso.

Qual é o principal legado da DPZ?
Acho que a maior lição que transmitimos foi a ética nos negócios, o bom gosto criativo e a dose certa de irreverência. De minha parte, a nossa capacidade de nos indignar com as marotagens, com os oportunistas, com certas pessoas que tentavam tornar indigno o nosso ofício. Muita gente, felizmente, segue os nossos exemplos e percebo isso nas palestras, em encontros informais, na DPZT e outras interfaces que realizo no nosso meio.

A DPZ&T está na trilha da DPZ?
A DPZ&T está construindo uma nova história, mais moderna, com um pedaço importante do nosso DNA. Mas ela tem sua característica e personalidade, o que a distingue de forma positiva no mercado.

A trajetória da DPZ&T te surpreendeu?
A forma como a DPZ&T atuava tinha tudo para dar certo. A base de clientes e a manutenção de parte importante das equipes ajudaram nesse sentido. Não me surpreendi por isso. O pessoal é muito talentoso e capaz. E todos trabalham muito para construir uma nova etapa dentro da propaganda sob a liderança do Eduardo Simon, com o apoio de profissionais incríveis como o Rafael Urenha, o Elvio Tieppo, o Jotta, a Cristina, o Robinson, o Paulo Ilha e outros companheiros nesse nível de capacidade.

Ainda tem alguma atuação na agência?
Sim, faço parte do Conselho. E gosto muito de estar presente. O fato de ter ainda a mesma secretária — essa criatura maravilhosa que é a Neusa — organiza a minha vida e permite mobilidade e atuação.

Quais são as suas atividades?
Visito clientes, tento sempre ajudar os times no dia a dia, dando minhas opiniões e procurando ajudar na pavimentação da história da agência. Dedico-me a escrever, a fazer palestras, às minhas atividades na Academia Paulista de Letras, na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, no Itaci, Instituto de Tratamento do Câncer Infantil, na ESPM, onde encontro companheiros de longa data, na Fundação Cultural Exército Brasileiro, uma instituição interessantíssima para se compreender a História do Brasil. Acho que está bom assim. Não faço nada que me chateie, por isso é para mim sempre algo muito prazeroso e divertido.

Tem feito palestras e quais temas gosta de abordar?
Sim, faço várias, para jovens estudantes, para empresas, para agências e entidades de classe. Sempre falo do pouco que sei, claro, da propaganda, abordando sobretudo a ética nos negócios e o bom gosto criativo.

Mantém o hábito pela leitura?
Esse é um hábito que adquiri ainda pequeno, quando meu pai nos forçava a decorar versos e recitá-los durante o jantar. Era uma prática comum. A leitura me levou a enveredar pelo mundo das letras, dos autores. Tenho gostado muito de vários estilos. Leio biografias, contos, romances. Estou lendo Baixo Augusta: A cidade é nossa, de Alê Youssef. É bem divertido. Tenho duas bibliotecas, em dois apartamentos geminados: uma sobre literatura e arte em geral, outra só sobre o Oriente Médio, cuja história me fascina. E a convivência com os integrantes da Academia Paulista de Letras é um privilégio único. É o maior núcleo de produção de conteúdos do Brasil. Diariamente há um artigo, um livro, um capítulo de novela ou programa, ou uma palestra publicada por um dos 40 integrantes da Academia Paulista. Acho até, sem ferir suscetibilidades, que nossa Academia é mais ativa que a Academia Brasileira de Letras.

Quais campanhas têm despertado a sua atenção?
Gosto das campanhas da Vivo e do Itaú, elas mantêm o DNA das empresas, assim como as da Skol e do Posto Ipiranga. As campanhas da Globo e da Band são agradáveis de se ver. O varejo continua ruim. A Crefisa deveria ser proibida. Enfim, coisas novas e coisas ruins continuam acontecendo, e também nos meios digitais.

O ambiente digital exige quais transformações no modelo de negócios?
Os modelos mudam todos os dias. Passamos pela convergência de mídias, pelo surgimento dos influencers (alguns horrorosos para a minha geração), pelos meios digitais. A cada momento aparece algo novo. Há uma disputa entre os meios convencionais e as novas mídias, os grandes e os pequenos players. É preciso ficar atento a tudo. O novo aprendizado, os podcasts, as possibilidades infinitas. E a prevalência total da língua inglesa.

Por que o modelo brasileiro de publicidade deve ser preservado?
Quando começamos a DPZ, em 1968, queríamos fazer propaganda brasileira de verdade. E isso tem a ver com o caráter e o estado de espírito do brasileiro, pelo menos da elite urbana. A partir dali construímos um modelo que alguns consideram ter ajudado a história da propaganda brasileira. Cada país tem sua característica e temos as nossas. Por isso os mais jovens devem entender essa trajetória, ver o que foi feito de diferente, superar seus preconceitos para construir os próprios jeitos de fazer propaganda.

O Cenp está completando 20 anos e sua função é zelar pela ética comercial. Há um lobby contra o modelo brasileiro de negócios?
Acho que nossas entidades devem ser intensamente preservadas. Surgiram para defender a convivência pacífica e estabelecer limites éticos de atuação. Deixada pela própria conta, a concorrência comercial leva até ao homicídio. Acontece que o mundo mudou. Há uma certa perplexidade com novas situações. Veja o caso das concorrências: um cliente convida 4 ou 5 agências, promove uma concorrência, depois nem atende mais aos chamados telefônicos dos licitantes para saber o resultado. Por isso acho que todos devem também promover um rejuvenescimento das entidades, criar diretorias novas e estabelecer regras novas, passar a contemplar também as inovações que estão surgindo nos mercados.

Qual é a sua leitura sobre a oposição às BVs?
Os prêmios por desempenho sempre estimularam os negócios em todas as épocas e todo ganho por esforço excepcional é positivo. Ganha mais quem trabalha mais e melhor. É por isso que existem festivais, Leões, Oscars, medalhas, condecorações, títulos nobiliárquicos ou acadêmicos… e bônus. Tem de ser mantido esse modelo. As pessoas que são contra as BVs não entendem de negócios… algumas não entendem nem das motivações humanas.

A publicidade é vilã?
A má publicidade sim. Se uma campanha é malfeita, sem graça, sem criatividade, tem algo errado. Os investimentos em propaganda, historicamente, sempre foram muito elevados. Muitos olham para eles com ares de que é preciso cortar para moralizar. Acontece que ninguém compara os valores com os de outras rubricas, como obras, transportes etc. Certamente ficariam espantados com a discrepância. Então a propaganda não é a vilã das mazelas econômicas e dos desvios do Brasil.

Mas por que é tratada como tal?
Acho, ao contrário, que as pessoas amam a propaganda. Essa impressão se deve ao fato de que há uma média digamos tendendo ao ruim. Alguns clientes muitas vezes se guiam apenas pelos preços e acabam baixando o nível de qualidade. Propaganda boa custa mais, envolve profissionais bons, bem preparados, que sabem utilizar ferramentas de primeira linha e também infraestrutura.

Por que a publicidade está no foco de leis e organizações?
Porque o próprio comércio está no foco de leis e organizações. É como eu disse, sem regulamentação o comércio tende a virar tiroteio na favela.

Por que a autorregulamentação é fundamental?
Porque garante entre os pares as soluções sem a necessidade de envolvimento do Estado. Temos muita regulação do governo em todos os segmentos e temos condições de seguir a nossa cartilha e resolver os próprios problemas.