Há anos cresce o interesse das marcas em produzirem conteúdo, terem a atenção do consumidor. O branded content se transformou em poesia para ouvidos corporativos, mas vale lembrar algo nesse caminho: produções ficcionais de alta qualidade e alto impacto são aquelas que nos fazem entender um pouco mais sobre nós mesmos e as batalhas que enfrentamos, principalmente emocionalmente.

No retorno de Westworld neste domingo, segunda temporada na HBO, temos Maeve – uma robô recém desperta para a realidade de que não é biologicamente humana – saindo em busca de uma filha perdida. Segundo as obviedades, uma robô não pode ter filhos, mesmo neste universo ficcional, e essa ligação é apenas uma artimanha construída por alguém que programou sua mente, afinal ter uma filha daria a ela algo para proteger e um passado para se sentir real.

O programador então confessa: “Essa sua filha não é real”.

Antes de questionar a realidade deste parentesco, me volto para uma série da outra gigante, Netflix. Na terceira temporada de Better Call Saul, spin-off da maravilhosa Breaking Bad, temos o irmão do advogado Saul Goodman em uma consulta com sua terapeuta após descobrir que a doença que acreditou carregar por anos pode ser apenas um truque pós-traumático de sua mente. “Para mim, essa doença é tão real como essa cadeira. Tão real como essa casa. Tão real quanto você.”.

Frente a essas duas situações é possível nos perguntarmos se há alguma realidade além daquela que existe dentro de nossas mentes.

Os fatos existem, mas como nos relacionamos com eles é um produto de nosso conhecimento prévio, a parte racional, com nossos sentimentos ligados a eles, a parte emocional. Tirando casos mentais específicos, a parte emocional é sempre superior a parte racional. É uma guerra perdida. Não há como explicar racionalmente nossas ações.

Maeve acredita na relação mãe e filha, pois é isso que seus sentimentos dizem. Esse laço com a menina é maior do que a informação racional de que as duas foram apenas programadas para viverem um espaço de tempo como mãe e filha. É justo dizer que isso não é real? Não é assim também na vida real? Não acontecemos por casualidade dentro das famílias que nascemos? Há, racionalmente, uma ligação mais forte entre você e seu progenitor do que aquela construída emocionalmente durante os anos?

Howard – irmão de Saul – desenvolveu sua personalidade em volta da doença que seu corpo inventara para se proteger da desilusão do fim do casamento. Uma desculpa, verdadeira até que se prove o contrário, para fazer sentido da distância entre ele e sua ex-mulher, entre ele e a vida que vivia anteriormente.

Nós, como “pessoas de marketing”, somos responsáveis por plantar e regar muitos dos sonhos coletivos. Estamos constantemente fabricando e editando histórias para o público se identificar, desejar ou se opor. Nós pintamos esses ambientes oníricos onde nossas marcas acontecem. Somos responsáveis pelas pontes emocionais que conectam pessoas a produtos, serviços, locais, ações, experiências e – inclusive – pessoas. Somos responsáveis pelas realidades emocionais que criamos e sobre as quais muitas pessoas erguerão suas vidas. Isso exige pensamento ético, coletivo e sustentável.

Se nos dispomos a entrar de cabeça na produção de conteúdo, devemos saber que entramos também no terreno da criação de referências emocionais e racionais. Olhe para o que você tem posto na rua e questione-se: o que estamos dizendo para as pessoas perseguirem? Qual realidade estamos construindo?

Afinal, para quem assiste, essa história pode ser tão real quanto uma cadeira, uma casa ou ela própria.

Mateus Oazem é publicitário, especialista de inovação em serviços e comunicação para marcas na Gira