Levando-se em conta que o Cannes Lions nem sempre julga comparativamente os trabalhos inscritos em cada categoria, preferindo não raras vezes voltar a sua apreciação para o ineditismo e a adequação de cada peça ou campanha publicitária, consideramos uma vez mais como boa nossa participação no famoso festival.

Essa performance tem se mantido nos últimos anos, afastando definitivamente a lembrança de épocas remotas, quando a publicidade brasileira não só não possuía qualidade suficiente para se equiparar às melhores do planeta, como, ainda pior, apresentava trabalhos que sequer chegavam a ser compreendidos.

Nosso país evoluiu muito nas últimas décadas, na qualidade do seu produto final publicitário, tendo abandonado aos poucos a ideia de que era necessário evitar a sofisticação na mensagem publicitária para se obter melhor rendimento na atenção de cada público-alvo.

Temos hoje na publicidade brasileira um nível de qualidade que nos proporciona estar sempre no grupo dos melhores em festivais de avaliação como o tradicional Cannes Lions.

Nesse segmento, tudo tem melhorado, mesmo com cortes de verbas determinados por muitos anunciantes devido à crise econômica que há três anos nos assola, mas que também já dá sinais de amortecer a cada dia.

Costumo repetir neste espaço lembranças de uma época em que trabalhos do Brasil chegavam a ser vaiados. Esse comportamento da plateia, em grande parte direcionado no passado distante ao nosso país, foi mudando gradativamente, até se transformar nos dias de hoje em aplausos de reconhecimento diante da qualidade dos nossos anúncios, campanhas e até de ideias de novos formatos de comunicação.

Passamos, senão rapidamente, ao menos em um tempo razoável para o desenvolvimento de uma atividade econômica, de aprendizes para mestres. Claro que na época das vaias havia bons e até excelentes trabalhos nossos concorrendo, mas a quantidade do produto final ruim superava de muito o polo contrário. Não se tratava de distinguir o bom do muito bom. Havia poucos bons, alguns ótimos, um pouco mais no meio-termo e a imensa base da pirâmide do que inscrevíamos no Cannes Lions, simplesmente sofrível.

Além das condições econômicas mais favoráveis nos dias de hoje para a indústria da comunicação, há um colossal crescimento do mercado em todos os setores, que passou a exigir mais da propaganda, deixando em contrapartida um resultado total melhor para os seus players, ainda que a custos de remuneração menores individualmente.

O Brasil se transformou em uma potência publicitária graças, em boa parte, ao Cannes Lions, gigantesca vitrine mundial que se vaiava os maus lá atrás, optou hoje por aplaudir os bons e muito bons, entre os quais destacamos até com certo orgulho o Brasil.

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Em contrapartida a esse quadro otimista, embora verdadeiro, acima relatado, vemos hoje um país desgastado nas suas lideranças políticas, com o aumento da revelação de escândalos que não beiram mais os milhões de reais, mas sim bilhões. Essa constatação, que não é nossa, mas das próprias autoridades policiais e judiciárias de todo o país, tem provocado um desequilíbrio no chamado Estado de Direito, com aumento na descrença da população em relação a essas lideranças, fato que agrava o quadro político do Brasil às vésperas de eleições gerais.

Os jornais da última semana, por exemplo, noticiaram que a greve dos caminhoneiros “tirou o fôlego da indústria”, perdendo as empresas em geral cerca de duas semanas de vendas com a paralisação dos transportes.

Nenhum país passa por esse transe sem péssimas consequências. E ainda pior no caso do Brasil, que não se recuperou totalmente da crise econômica iniciada com o impeachment de Dilma Rousseff.

Se dois dos três poderes da República engalfinham-se nessa batalha que parece não ter mais fim, o chamado terceiro poder, que bem poderia ser a solução para os conflitos gerados no Executivo e no Legislativo, comete extravagâncias na sua esfera mais alta, desqualificando, como também ocorreu na última semana, a inteligência da população brasileira. Após insultá-la afirmando um dos seus membros que ela não entende de leis, ameaça fazer na Segunda Turma o julgamento de um pedido de indulto impetrado por advogados de um ex-presidente da República preso, em uma sessão secreta, da qual somente saberemos o resultado do veredito final.

Se esse resultado for o acolhimento do indulto, preparemo-nos para uma explosão de revolta e inconformismo em todo o país, causado por quem mais deveria semear a paz e o resguardo do futuro do Brasil.

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Este Editorial é em homenagem a Flavio Pestana, diretor de marketing do Estadão, pelo trabalho que desenvolve em prol do mercado publicitário brasileiro, fortalecendo a cada nova versão do Cannes Lions a parceria do seu jornal com os organizadores do festival.

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Errata: No último Editorial, onde se lê Academia Brasileira de Letras, leia-se Academia Paulista de Letras.

Armando Ferrentini é presidente da Editora Referência, que publica o PROPMARK e as revistas Marketing e Propaganda (aferrentini@editorareferencia.com.br).

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