O “CMO Insights 2020” começou nesta segunda (15) e teve o painel “Varejo: Os impactos da COVID-19 e os planos de retomada”. Participaram as profissionais Gabriela Comazzetto, diretora de negócios do Facebook, Silvana Balbo, CMO do Carrefour, e Ilca Sierra, CMO da Via Varejo.

O evento, que termina sexta (19), é uma iniciativa da Makers, plataforma com 70 lideranças de marketing de grandes marcas estabelecidas no país.

Na abertura, Gabriela, que mediou o evento, lembrou como a pandemia ressignificou o modo de atuar do mercado. “Já estamos há três meses lidando com a pandemia da Covid19 no Brasil e passamos por várias medidas de contenção, como fechamento de parte do comércio e serviços, além de vários cuidados pessoais de higiene e bem-estar. Um dos efeitos imediatos dessa mudança brusca foi a aceleração dos processos de transformação digital”, comentou.

As executivas falaram sobre diversos pontos, entre eles cases internos, mudanças nas lojas físicas, visão de futuro e legado. Confira abaixo alguns comentários.

LOJAS FECHADAS

Ilca Sierra, CMO da Via Varejo: “Quando começou a movimentação para o fechamento do comércio, me lembro como se fosse hoje, da apreensão dos times em lojas. E tomou-se a decisão de fechar 100% das lojas. No escritório, na mesma semana, já tínhamos colocado todos em home office. Embora o home office já fosse uma realidade, colocar todo mundo em casa e ver tudo que as pessoas precisavam foi um movimento brusco. Mas o mais transformador é que da noite para o dia tínhamos 19 mil vendedores de loja em casa. E vendedores, no nosso segmento, têm uma composição importante que é a comissão além do salário. Foi aí que a gente se reinventou.”

Silvana Balbo, CMO do Carrefour: “Tivemos a vantagem de outras operações do Carrefour em outros países estarem mais avançados, principalmente países na Europa foram dando várias informações sobre o que estava acontecendo e as iniciativas. E com isso conseguimos antecipar vários movimentos, como colocar placas de acrílico para proteger funcionários e clientes, e delimitar distâncias nas filas, por exemplo. Do ponto de vista de home office tínhamos dois movimentos praticamente opostos acontecendo: garantir toda a segurança e proteção nas lojas que continuavam abertas e ao mesmo tempo uma matriz de dois mil funcionários para trabalhar em home office da noite para o dia. Nos primeiros comitês de crise rapidamente conseguimos identificar muito rapidamente os temas mais críticos e fomos definindo essa governança. Desde o começo percebemos uma facilidade maior para o foco mais claro, a tomada de decisão muito mais rápida e todos em torno de um objetivo comum.”

MANTER MOTIVAÇÃO E ENGAJAMENTO

Silvana: “No início tínhamos dois slots diários de reunião: eu, meu time direto e coordenadores, trouxemos algumas áreas de interface para garantir que todos os canais de comunicação estivessem conectados. Um era para atualizar o time e o outro para deliberar tudo que estava indo para rua. Rodamos assim um mês e gradativamente fomos percebendo que dava para manter apenas um slot por dia. A gente precisou se isolar para se aproximar. E o time nunca foi tão integrado. Antes com as verticais que a gente cada um praticamente tocava os seus jobs, mas a sensação que tenho é que agora hoje tudo já nasce integrado, anda integrado e depois a gente compartilha os resultados e esse é um sistema que se retroalimenta. Acho que a facilidade que o digital está trazendo e a maneira mais informal de interagir está integrando mais o time.”

Ilca: “Uma coisa que a gente na época pré pandemia sempre questionava era se o home office ia aproximar ou distanciar, se as pessoas ficariam mais ou menos produtivas. Vários mitos caíram por terra. A gente percebe também na Via Varejo é isso, os times estão se falando muito mais. Temos dentro da estrutura do marketing dois times: um focado no canal online e um em lojas físicas. Como a gente não tinha mais a loja funcionando lá no começo, o movimento todo desse time foi para atender o modelo de vendedora online, você tem que se conectar com o time do e-comerce porque ele está vendendo o estoque online. Houve muito mais entrosamento, caíram várias burocracias e layers de hierarquia. Via Varejo está passando por um turn around muito grande, na casa de 80% dos diretores são novos na companhia, e duas coisas se aceleraram. Voltamos a ter uma TV corporativa e a gente está se alinhando uma vez por semana com os 47 mil funcionários, e também um canal de comunicação muito mais dinâmico que foi implementado no meio da pandemia para todos saberem o que está acontecendo.”

TRANSFORMAÇÃO E CANAIS DIGITAIS

Silvana: “Muitas das coisas a gente já tinha no radar. A transformação digital ela já era um dos três principais pilares do Carrefour globalmente, só que a pandemia acabou potencializando e acelerando muitos processos. Fomos percebendo que a gente era capaz de fazer as coisas com muito mais agilidade do que o plano original. Por exemplo, a gente já vinha se estruturando para ter um e-comerce alimentar com capilaridade, já tinha feito todo o investimento em logística e infraestrutura dentro das lojas para operar em oito praças diferentes. Só que a gente nem imaginava triplicar o volume de pedidos em menos de um mês e a gente não imaginava ter que desenvolver o rastreamento desses pedidos para as pessoas acompanharem pelo WhatsApp. E na contramão da maior parte das empresas, tivemos que contratar mão de obra adicional, em um dos comunicados precisávamos de cinco mil novos funcionários para dar conta, também porque afastamos todos do grupo de risco para protegê-los. E coisas novas que surgiram, como um sprint de inovação em que os principais executivos de todas as áreas participaram pensando em iniciativas para tentar mitigar os efeitos da pandemia na vida das pessoas. Saímos com 67 ideias super bacanas, 15 delas foram realizadas. Quando, numa situação normal, íamos conseguir agenda de todos os executivos, priorizar tudo em praticamente 24 horas e implementar em menos de dois meses? O contexto trouxe o senso de urgência.”

Ilca: “A minha experiência [no Magalu e na Via Varejo] me deixa observar cinco pontos essenciais para uma transformação. O primeiro deles senso de propósito, que permeie toda a organização e isso facilita muito. O segundo é o mindset, a organização precisa ter prioritariamente o mindset de crescimento, de ‘eu não estou lá ainda’, ‘eu ainda não fiz isso ainda’, ‘a gente ainda não chegou lá, mas a gente está buscando e vai sair do outro lado’, é importante ter isso para que não seja ‘sempre foi assim’. O terceiro ponto é a cultura digital, toda essa nova forma de se organizar que não é tão hierárquica e não é tão militarizada, mas ter uma cultura que seja mais propícia para times que sejam autônomos e tomem decisões, tenham missões e objetivos muito claros, e dar espaços para os talentos do se desenvolverem. O quarto é uma cultura de dados e uma democratização de dados de uma organização. E o último, mas não menos importante, é ter a centralidade no cliente precisa agora. Falando no Chama no Zap, a gente tinha uma necessidade, e já tinha uma tecnologia mais robusta e estruturada pronta para fazer e a gente conseguiu criar em cinco dias uma modalidade onde o cliente consegui localizar um vendedor dentro do aplicativo. As lojas já tinham páginas no Facebook e eram incentivadas a fazer anúncios, e aí começamos a incentivar a fazerem anúncios de click aqui direcionando para o WhatsApp. Começou a ter retorno, os gerentes começaram a ir direcionando para os revendedores. A coisa começou pegar tração e a gente colocou essa funcionalidade. O time abraçou muito rápido, teve bastante treinamento e mobilização, o vendedor, da casa dele, viu ali uma oportunidade, comissionado, e agarrou. O e-commerce pré-pandemia participava com 30% da venda total da empresa, em meados de abril para maio passou a participar com 70% do que a companhia faturava pré-pandemia e o vendedor em home office com 20% desse volume.”

HUMANIZAÇÃO DIGITAL

Silvana: “Acho que esses canais que aproximam do cliente final se mostraram muito eficientes nesses últimos dois meses. Cada loja tem a sua fanpage, tem mais transparência e identificação com o consumidor. E também conseguimos respeitar o estágio da pandemia em cada uma das praças. Uma comunicação nacional não faria nenhum sentido ou a gente estaria pasteurizando uma coisa que tá sendo muito diferente de fato lá na ponta. A gente também já tinha implementado até em larga escala a nossa assistente virtual, a Carina, que é um canal pelo WhatsApp, e que percebemos um crescimento absurdo das pessoas interagindo para saber horário de funcionamento e ofertas, por exemplo.”

Ilca: “Só 5% do varejo brasileiro é online – pré-pandemia – é muito pouco. Então sobre essa coisa da humanização é interessante. A gente percebe ali no dia a dia com os vendedores as pessoas tirando dúvidas muito simples, dúvidas de quem nunca passou por uma transação online. E você vê ali o vendedor nesse one to one tirando dúvidas que a gente talvez nunca ia pegar. Eu brinco que para mim quem fez inclusão digital no Brasil foi o WhatsApp. O brasileiro ele pode não fazer compra online, pode não ser bancarizado, mas ele usa o WhatsApp. E agora a gente tá percebendo isso na pele, que assim o brasileiro não é incluído, não é letrado digitalmente e a gente tá tendo gratas surpresas de ter ali o vendedor humanizando essa relação e trazendo mais gente para o jogo.”

MUDANÇAS NA COMUNICAÇÃO

Silvana: “Uma delas por mais incrível que pareça foi o foco no cliente. Acho que a gente nunca acompanhou tão esperto o comportamento e as reações do cliente e espelhou isso nas nossas decisões e naquilo que a gente tava comunicando. A cada praticamente três dias a gente lançava um comunicado novo, ia para redes sociais e fazia um social listening para saber qual era o ruído e quais eram as dúvidas que as pessoas ainda tinham. E aí a cada passo a gente ia retroalimentando, vendo qual era dúvida, qual era a necessidade e lançando a próxima comunicação. Esse foco no cliente foi muito embasado em dados. A segunda mudança, em uma frase que eu gosto bastante, é que a inovação é produto da escassez. A gente vem fazendo uma contenção de despesas principalmente em publicidade, e aí a gente foi obrigado a otimizar o nosso mix de meios. No começo a gente achou que era interessante usar canais mais massivos tradicionais, conforme a pandemia foi evoluindo a gente foi percebendo que com canais digitais a gente conseguia ser mais eficiente, mais direcionado e ainda conseguia medir resultado. Começamos a orquestrar melhor todos os canais, de forma mais integrada e com uma mensagem única que reverberava em todos. Juntamos toda a parte de PR, comunicação interna, de forma congruente com aquilo que a gente tava falando para o consumidor final. Acho que isso provavelmente é o que vai nortear a estratégia daqui para frente. Eu não vejo a gente voltando atrás e trazendo de volta a estratégia que a gente implementou até março.”

Ilca: “A pandemia foi assim o divisor de águas. A primeira decisão que a gente teve que tomar é topo de funil: não tenho loja aberta, continua ou não fazendo comunicação na televisão? Vamos colocar uma mensagem para as pessoas do quanto elas podem contar com as nossas bandeiras em outras ocasiões de compra. O que é essencial? Vamos continuar comunicando isso no topo de funil já conectando com essa questão de levar mais pessoas ou fazer com que as pessoas se sentirem ali encorajados em experimentar o e-commerce. Foi aí que as coisas se uniram também, começamos a falar cada vez mais da figura do vendedor. Como a gente tem já um e-commerce muito estruturado e a operação inteira pivotou bruscamente para ele, começamos a focar a cada vez mais o nosso aplicativo. Em setembro a gente tinha 1,4 milhões de usuários mensais ativos e a gente terminou abril com 11 mi. Começamos a enxergar muito mais entrada de clientes novo no negócio online, que já eram da base mas estavam fazendo a sua primeira compra online.”

FUTURO

Silvana: “O máximo que a gente consegue ter agora de horizonte é até o final do ano e mais ou menos o que a gente pretende faz. Por exemplo, a volta às aulas fisicamente deve ser um marco importante. Imaginamos que vamos enfrentar infelizmente uma regressão de pior do que em 2015/2016, a gente sabe que o consumidor com o bolso apertado e com um certo pessimismo ele contém o consumo, então estamos nos preparando para isso. Uma das grandes mudanças que a gente fez foi ter o máximo de contenção de despesa e simplificar o as nossas estruturas e o que tínhamos de prioridades para chegar até o final do ano ainda com algum crescimento e algum nível de lucratividade. Estamos percebendo comportamentos que devem permanecer. As pessoas mudaram demais, estão indo menos às nossas lojas e fazendo compras maiores. Para evitar o contágio e até uma segunda epidemia ainda nesse ano, a gente precisa se resguardar e uma das maneiras de fazer isso é não frequentar tantos lugares diferentes. Antes, só para comprar alimentos, as pessoas em oito lugares como açougue, padaria mercadinho de bairro, hipermercado.. e agora estão concentrando mais as compras em poucos locais. Outra coisa é a priorização daquilo que é essencial, perceber que dá para viver bem com pouco ou bem dentro de casa, por exemplo.”

Ilca: “A pandemia ela pegou a Via Varejo no momento particular que era Justamente a gente colocar o e-commerce mais como protagonista. É um caminho sem volta. Fizemos uma aquisição recente de uma empresa para fazer a última milha e atender as pessoas mais rápido, então essa ressignificação da loja física como um ponto de distribuição, como um mini hub de entrega. Era uma estratégia em curso e que ganhou velocidade e vai seguir. Do ponto de vista do consumidor, as pessoas estão indo para ter uma experiência online de comprar as nossas categorias mais tradicionais, mas o que a gente vai também intensificar e acelerar é a questão de estar presente em mais ocasiões de compra. As bandeiras vão cada vez mais por esse caminho, de se colocar mais à disposição do consumidor não apenas naquele produto mais planejado, mas fazer parte ali também do dia a dia.”

LEGADO

Silvana: “Li um artigo falando que a gente estava voltado para o shareholders, resultados de curto prazo para acionista, para um capitalismo mais voltado para os stakeholders, pensando em todos os participantes da nossa cadeia: cliente, funcionário, fornecedor… então eu acredito que um dos legados que a gente leva dessa pandemia é esse pensamento muito mais coletivo. Acho que isso combina muito com que a gente falou antes sobre propósito, que passa a ser o core da empresa e que vai engajar e garantir a afinidade do nosso cliente com a nossa marca, e nos mover a fazer coisas melhores.”

Ilca: “Além de todas as mudanças para dentro da empresa, fica o quanto a gente enquanto brasileiro é capaz. Tem muitas piadas de como brasileiro tem que ser estudado pela Nasa, mas realmente somos um povo que sai do do outro lado, que se reinventa, que é criativo e tem adaptabilidade.”

Confira a íntegra do debate no canal da Makers no YouTube: