Durante anos, fiz uma palestra baseada num case de que participei na Argentina, quando dirigia a criação da DDB. Estudantes e profissionais divertiram-se um bocado com os comerciais dos supermercados Ekono. Eram vídeos tosquíssimos, gravados nas lojas da rede, protagonizados por funcionários e dirigidos por nós mesmos.

Os roteiros eram escritos sob medida para escancarar bizarrices e justificar o conceito da campanha – O comercial é muito ruim, mas a oferta é muito boa – e o slogan do cliente – O nosso negócio é vender mais barato. Foi um sucesso, ganhamos prêmios e fizemos história. Ao acompanhar a comunicação do governo federal não posso deixar de fazer uma associação com essa passagem profissional por Buenos Aires.

Com a diferença de que, enquanto a rede de supermercados Ekono driblava sua falta de verba com uma sacada criativa e divertida, Brasília nos espanta diariamente com a sua falta de critério e o seu amadorismo na comunicação. Fico imaginando se o governo fosse um negócio privado. Digamos que se tratasse de um fabricante de automóveis.

O presidente da companhia não vacilaria em dizer que “vai acabar com a mamata de certos fornecedores de peças e equipamentos e deixar os carros mais baratos”. Seu filho tuitaria, cheio de convicção: “Quem defende freio ABS tem rabo preso com a indústria de freios”. Sua gerente de produtos, questionada por sua crítica à obrigatoriedade do cinto de segurança, afirmaria candidamente: “Achar que o cinto segurança evita mortes no trânsito é subestimar a vontade de Deus”. Seu gerente financeiro defenderia a tese de que “basta uma conta simples de quanto se paga em seguro de automóveis e do quanto as seguradoras pagam em indenizações para concluirmos que fazer seguro é um péssimo negócio”.

E, assim, de declaração estapafúrdia em declaração estapafúrdia de seus representantes, mas com eco na fé de alguns clientes, a empresa seguiria em sua trajetória claudicante e fadada ao fracasso. A imagem péssima do governo do Brasil não tem nada de surpreendente. É uma consequência natural do desleixo, pior, do desprezo com que trata a comunicação. Tudo o que soa a intelectual, ou seja, relativo ao uso de inteligência combinada com cultura, ao governo Bolsonaro parece suspeito de ser coisa de comunista.

Jornalistas e publicitários, mesmo que às vezes, à custa de bom soldo, pareçam o contrário, são, geralmente, cabeças abertas e com pendores, digamos, à esquerda, no bom sentido: defendem o meio ambiente, direitos iguais para mulheres e homens, inclusão social, desarmamento da população, enfim, essas coisas que incomodam o governo.

Foi essa incompatibilidade intelectual o que deixou a comunicação governamental sem nenhum filtro profissional. E o que é pior: sem nenhuma estratégia, sem nada para ser construído no imaginário dos brasileiros. A Secom foi relegada ao ostracismo. Por conta disso, a comunicação fica à deriva. E comunicação à deriva é imagem à deriva. Alguém precisa avisar Bolsonaro que comunicação não é só ordem do dia.

Stalimir Vieira é diretor da Base Marketing (stalimircom@gmail.com)