Uma grande evolução nos modelos de negócios das empresas de mídia está abrindo espaço para as áreas de branded content, que ampliam sua importância para as receitas das empresas do setor e suas projeções futuras de crescimento. Estruturas relativamente novas no mercado, os content studios têm atraído mais marcas, que buscam se atrelar a fatores como credibilidade, independência, visão de mundo, capacidade de produção e entrega, e conhecimento sobre as pessoas que os veículos representam. 

Em tempos nos quais os anunciantes precisam estabelecer uma conexão mais densa e douradoura com o consumidor, evitando a interrupção de sua jornada diária, produzir conteúdo se tornou prioridade para todos os lados da cadeia publicitária. O branded content típico é aquele capaz de unificar a visão da marca a um conteúdo relevante, que desperte a atenção das pessoas de forma natural. Muitas marcas já possuem os próprios estúdios, responsáveis por uma visão macro e estratégica sobre o tema. O grande case citado por todos é de Red Bull. Da mesma forma, agências de publicidade como a Ogilvy ou mesmo especializadas, como a New Content, também estão ampliando a quantidade de conteúdo produzido por seus estúdios para as marcas. A terceira ponta do mercado, a dos veículos, sempre foi a parte com mais restrições ao formato, mas a novidade é que eles estão se movimentando de maneira agressiva para atuar com branded content. Primeiro, foram as TVs fechadas e impressos. Agora, até as TVs abertas estão se abrindo a esse pensamento.

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As razões para a mudança de mindset não são difíceis de entender. Praticamente 30% do faturamento publicitário das publicações de O Globo, revistas da Editora Globo e Valor Econômico já são oriundos do branded content, conforme revela Edward Pimenta, diretor do G.Lab, estúdio da Infoglobo. “Em um mundo hiperconectado é cada vez mais difícil capturar a atenção da audiência. Mas a gente acredita que conteúdo relevante sempre será a melhor maneira de conectar todo mundo. Nesse sentido, o G.Lab é a materialização do nosso entendimento a respeito da importância do branded content para as estratégias de comunicação dos nossos clientes”, afirma o executivo, que lidera uma equipe de 16 pessoas, que emprestam background editorial ao estúdio, que está ligado à diretoria de desenvolvimento digital e comercial da Infoglobo.

No Estadão, o Media Lab deve fechar 2018 representando até 15% das receitas de todo o grupo, incluindo impresso, rádios e digital. A expectativa era de crescer 15% neste ano, mas os números podem surpreender, já que a área saltou 20% no primeiro trimestre na comparação com o ano anterior. A plataforma, vale ressaltar, engloba as iniciativas de branded content, mas também é responsável por eventos, publicações proprietárias e o braço Estadão Conteúdo, agência de notícias que comercializa conteúdo do próprio veículo. O Media Lab tem à frente, desde janeiro, Luis Fernando Bovo, diretor de projetos especiais da área de mercado anunciante.

“As entregas de branded content estão ficando mais robustas. O conteúdo engaja muito mais que anúncios publicitários e as marcas estão migrando para isso. Estamos ainda catequizando os clientes e fazemos muita criação a quatro mãos. Em geral, eles já perceberam que o conteúdo de qualidade, que interessa às pessoas, é importante para suas estratégias de comunicação”, afirma Bovo. Ele anuncia que o Media Lab passa a ter uma área de content marketing, que produzirá conteúdo focado em geração de leads – resultados de vendas.

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NYT virtual
O grande benchmark de branded content para os veículos impressos é o T Brand Studio, que hoje concorre inclusive com agências de publicidade.

O braço é fundamental para a estratégia de seu dono, o The New York Times, de ampliar suas receitas globais de US$ 500 milhões para US$ 800 milhões até 2020. Nesse contexto, a operação fora dos Estados Unidos quase dobrou sua receita com publicidade nos últimos dois anos, sendo que a maior parte dessa alta veio do estúdio de conteúdo. Um de seus grandes cases foi NYT VR, que conquistou o Grand Prix de Mobile Lions no Festival de Cannes de 2016. A ação teve parceria de Google, GE e Mini, e consistiu na entrega de equipamentos de realidade virtual para 1,5 milhão de assinantes do jornal, que puderam acompanhar conteúdos especialmente produzidos para essa experiência.

Outro case internacional robusto é o de Vice, empresa nascida em 1994, no Canadá, como revista de artes e cultura para jovens. Hoje, é um grande player de branded content. Sua operação brasileira era liderada pelo CEO Tony Cebrian e pela diretora de conteúdo Fernanda Negrini, que deixaram a empresa há alguns dias. O general manager Daniel Conti é responsável, agora, pela liderança do negócio no Brasil. Por trás do movimento, diz Conti, está uma aproximação maior à matriz e estabelecimentos de novos processos que tornem menos “experimental” a operação local.

“O maior valor de um trabalho de branded content reside em gerar audiência original, o que só pode ser construído com um pensamento de publisher, e não com uma ideia tática de ações isoladas”, reflete Conti. O modelo de trabalho da empresa se chama brand publishing e prevê um trabalho always-on de conteúdo, para gerar uma conexão profunda e duradoura entre marcas e pessoas. Para isso, explica Conti, sua equipe mergulha no ambiente das marcas e faz um planejamento orientado por conteúdo que, posteriormente, é alimentado pela produção e ativação.

Uma tese de mestrado apresentada na ESPM em janeiro pelo professor Jonas Gonçalves analisou a reorganização das redações no Brasil, com foco nos modelos de Estadão e HuffPost. Com base em suas pesquisas, ele concluiu que o branded content já é uma realidade consolidada na maioria das redações jornalísticas atuais. “É preciso considerá-lo uma nova fonte de receita para garantir a sustentabilidade do jornalismo como negócio. E também temos de entender que os veículos trabalham hoje em dia com o conceito de ‘estratégia de conteúdo’, mediante o qual são combinadas características dos processos jornalísticos de produção com aspectos relacionados ao marketing, o que reúne veículos de mídia e empresas anunciantes em torno de um propósito de fortalecimento de marcas”, afirma o acadêmico.

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Na tela da TV
O branded content no audiovisual também carrega consigo atualizações. A TV paga não é uma novidade nesse cenário, já que adota o formato há mais de 15 anos, seja através de parceria com produtores independentes, ou mesmo diretamente nas empresas do setor, como lembra Fred Muller, diretor-executivo comercial da Globosat. No caso da companhia, o branded content é trabalhado na área de projetos especiais, que une os canais, agências e anunciantes para identificar oportunidades, na VIU Hub, unidade de conteúdo digital, e no Globosat Lab. A última área foi criada em dezembro passado, como espaço para compartilhar ideias e projetos de cocriação entre canais, agências e anunciantes. “Do ponto de vista de posicionamento, os projetos especiais estão diretamente ligados à inovação e representam o nosso papel como hub de conteúdo em conectar as marcas às boas histórias que sabemos contar”, explica Muller.
Entretanto, na TV aberta, o estabelecimento de uma estrutura de conteúdo para as marcas dá seus primeiros passos. A ideia é propor às marcas formatos que vão muito além do merchandising, formato mais tradicional que ainda domina o segmento.

No fim de janeiro, a RedeTV! anunciou seu Branded Studio, sob liderança de Maurício Cavazani. Ele já responde por nada menos que 40% do faturamento publicitário da emissora, de acordo com Amilcare Dallevo Neto, head of value creation. Esse valor engloba ações de merchandising. “O Branded Studio reforça nosso posicionamento inovador e é uma das principais apostas para o futuro da emissora”, enfatiza.

Embora não tenha um estúdio de branded content, a Globo também começou a se envolver com o formato. A emissora apresentou recentemente a ação e que O Boticário entrou na trama Deus Salve o Rei na figura de um personagem, Olegário, um boticário que expõe a alquimia por trás da perfumaria da marca.

Em outro caso, a comunicação envolveu Dias de Kite, iniciativa inédita na TV Globo que foi desenvolvida em parceria com a agência DPZ&T, além do cliente Natura, com o objetivo de lançar a fragrância Kaiak Aero. O programa foi ao ar no dia 25 de março, no Esporte Espetacular, como série em cinco episódios apresentada por Cris Dias. “Este projeto desenvolvido a seis mãos é um exemplo de como trabalhamos de forma integrada em várias plataformas, com total adequação de conteúdo e alinhamento com a marca, buscando sempre os melhores resultados de branded content”, afirma o executivo Eduardo Becker, diretor de comercialização de mídias digitais da Rede Globo.

Várias mãos
No âmbito das agências, há uma migração de uma visão de enxergar os veículos como canais para as mensagens publicitárias para um olhar de parceria criativa. “Nós, as agências, somos imbatíveis em fazer boa propaganda, mas precisamos ter a humildade de admitir que quem têm entretido os brasileiros, faz anos, são os veículos. Então, por que não tê-los como grandes parceiros criativos nos projetos? A agência precisa se abrir para isso e baixar a guarda de um protecionismo criativo que não faz mais o menor sentido”, relata Fernando Diniz, chief strategy officer da DPZ&T, que participou do case da Globo.

Na Fbiz, o conteúdo também já está no core business da agência, nas palavras do CCO Guilherme Jahara. “De uns tempos para cá, as marcas começaram a olhar assuntos novos, que sejam pertinentes para si, mas também para as pessoas. De um ano e meio para cá, há um crescimento exponencial de conteúdo e, como agência, estamos nos movendo para isso”, explica. Ele fala que a relação das agências com os veículos, que antes era apenas comercial, passou a ter o aspecto de produção de conteúdo para as marcas. “É um driver que os veículos não tinham há até bem pouco tempo. Hoje, nossa criação está unida a profissionais de conteúdo deles para entregarmos soluções de comunicação. É uma grande mudança”, analisa.

Algumas das ações mais relevantes da Fbiz com veículos foram Eztadão, ação em que jornalistas da publicação usaram smartphone Moto Z Play para produzir conteúdos em vídeo e fotos por três meses no ano passado; Guia Jeep Quatro Rodas by Renegade, ocorrido em novembro, com uma websérie que resgatou o tradicional guia da Editora Abril; e Cant Stop, iniciativa em parceria com Oakley e Update or Die em que pessoas transformavam o esporte em estilo de vida.

“Havia uma visão antiga de que, para as marcas, a mídia era apenas o lugar para veicular suas mensagens publicitárias. Agora, ela pode ser uma verdadeira parceira de conteúdo”, resume Patricia Weiss, fundadora e chairwoman da Branded Content Marketing Association (BCMA) – South America. Ela faz um alerta para o fato de que o branded content inverte a lógica de se investir 20% em produção e 80% em mídia. Ao contrário da publicidade, o alcance deve ser em grande parte orgânico e conquistado pela qualidade de um conteúdo que consegue ser naturalmente interessante para as pessoas. Tudo que for só interessante para a marca, não é branded content.

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