Há anos, quando a minha agência (e do Lara) ficava numa casa rosa, na esquina da Rebouças com a Oscar Freire, em São Paulo, tínhamos um cliente pequeno, mas que carregava uma característica muito interessante: respeitava o trabalho criativo. O cliente, pessoa jurídica, era o Eron Hotel, de Brasília, e o dono, Eron Alves de Oliveira. Lembro de uma ocasião em que o Lara teve um outro compromisso e eu precisei apresentar a campanha, junto com os custos. Com relação ao trabalho criativo, foi tudo muito bem, ele adorou as peças e aprovou tudo.

Quando comecei a falar de dinheiro, no entanto, ele me interrompeu e perguntou: foi você quem criou a campanha? Respondi que sim. E ele: então, a nossa reunião termina aqui; eu não vou negociar com a pessoa que criou, não é justo. Fiquei desconsertado. Afinal, eu não estava ali só como criativo, mas como sócio da empresa. Olhando essa passagem, a partir da perspectiva atual, fico pensando no quanto o nosso negócio perdeu em termos de uma avaliação sensível e elegante no trato com o produto criativo.

O que antes gerava constrangimento – valorar a criação – agora recebe um tratamento padrão, uma vez ter se tornado apenas
um item incorporado a um pacote de soluções com preço predeterminado. Eu estava na antiga MPM, em 1985, quando escutei do “Feijão” (José Carlos de Souza Neto), diretor de arte, revoltado com a adoção do filtro da avaliação do departamento de pesquisa, antes da campanha ir ao cliente, o seguinte: no dia em que o que a gente faz perder o mito, acabou. A verdade é que, com exceção de alguma resistência heroica (e que, provavelmente, proporciona mais diversão do que gera dinheiro), o mito definha. Eron Alves de Oliveira, embora fosse um homem de negócios, sabia separar as coisas: certamente, chorou e conseguiu um abatimento no custo da campanha, conversando com o Lara. Mas manteve preservado para o profissional de criação o valor que atribuía ao trabalho criativo. Ou seja, o imponderável “mito”. Ao mesmo tempo, em que preservou em si a capacidade de olhar para a criação, livre dos condicionamentos negociais. Podia rir, elogiar, bater palmas, cumprimentar, sem medo.

As coisas não são mais assim. Criativos poderosos já não estão dispostos a comprar brigas e sustentar posições que possam levar a impasses arriscados nas relações com clientes. São sócios, participam dos lucros, têm satisfações a dar às matrizes, engolem sapos fabulosos. Da mesma forma com que gestores de marketing são seres atarefadíssimos e, basicamente, querem saber se a criação “acertou”.

É dramático ser profissional de criação hoje em dia. Você não está sendo avaliado pela capacidade de gerar um fator surpresa, como antes, mas apenas pelo atendimento a uma expectativa específica, em termos de conteúdo e forma.

O resultado, além da queda do brilho criativo das campanhas, tem sido alguma coisa pior: os tenebrosos equívocos criativos, envolvendo, inclusive, marcas importantes. Isso é revelador de que vivemos uma perda de parâmetro por conta de um abandono de cultura. Antes, meia dúzia de agências empregavam os melhores criativos – os mitos – e eles davam o tom. Cadê o tom?

Stalimir Vieira é diretor da Base Marketing (stalimircom@gmail.com)