Um artigo na The Economist, na semana passada, descreveu o dilema de empresas e marcas nos protestos que vêm ocorrendo em Hong Kong, 30 anos após o massacre da Praça da Paz Celestial, em Pequim. Ameaçados de perder a liberdade, que por lá é maior do que no continente chinês, os habitantes da ilha, que até 1997 ainda era uma colônia do Reino Unido, rotestam.

Enfrentamentos com a polícia vêm ocorrendo, e há rumores de que mais uma vez – como há 30 anos – o exército pode ser enviado para Hong Kong para lidar com os manifestantes. Nesse cenário, marcas e empresas se dividem. Se na ilha há ideias mais progressistas, com as quais os habitantes se identificam, defendendo sua liberdade, no continente muitos apoiam os regimes autoritários e restritivos impostos pelas lideranças sediadas em Pequim. Uma polarização que soa… familiar, embora em circunstâncias bem diferentes, claro.

Uma marca de isotônicos, a Pocari, ganhou destaque na ilha, onde o calor do verão fez com que os jovens ativistas passassem a ser vistos, frequentemente, com as garrafinhas coloridas pelas ruas. Contente com sua posição de símbolo de resistência, cortou investimentos na emissora de TV local, a TVB, acusada de retratar os ativistas pró-democracia de maneira injusta. Preocupadas, as filiais da Pocari em Tianjin e em Guangdong, no continente, se dissociaram da filial de Hong Kong, deixando claro que são “entidades completamente diferentes”. A marca de preservativos Wonder Life declarou publicamente sua intenção de não anunciar na TVB. É uma marca que busca agradar mais o público jovem, portanto arriscou se posicionar de maneira mais progressista. Outras, preferiram a neutralidade: o braço de Hong Kong da seguradora americana Cigna cortou investimentos na TVB, sem no entanto admitir apoio aos protestos, afirmando que o movimento estava dentro de sua estratégia de continuamente revisar seus investimento em mídia. A Pizza Hut também cortou os investimentos na emissora, mas avisou que a promoção anunciada simplesmente havia acabado. Manifestantes criaram um mapa online de estabelecimentos comerciais na ilha, onde os que vacilam em apoiar a causa são marcados como “hostis”. Está lá, como hostil, uma cadeia de restaurantes japonesa, Yoshinoya, que publicou, mas depois excluiu, um post no Facebook que parecia zombar dos policiais de Hong Kong. Logo depois, um dos seus franqueados na ilha admitiu a jornais ter participado de movimentos de apoio a policiais. Dona do maior shopping de Hong Kong, a Sun Hung Kai Properties também se encontra em situação delicada, acusada de permitir enfrentamentos de policiais contra manifestantes na sua instalação em 14 de julho. A empresa nega ter ligado para a polícia, mas o estrago foi feito.

Se por um lado consumidores decidem suas compras cada vez mais baseadas em posições tomadas por suas marcas, a maior parte dos CMO’s ainda teme envolvimento em temáticas políticas. A crescente polarização de opiniões em países como Estados Unidos e Brasil, no entanto, tem levado empresas e marcas a assumirem posicionamentos de viés cada vez mais político. Ainda que não abertamente declarados. Por aqui, marcas como Burger King, Avon e Natura têm sido firmes na escolha por causas progressistas. Na contramão da tendência, a Chevrolet, embora não assuma estar tomando qualquer posicionamento político, adotou uma postura mais conservadora no tom de suas campanhas, e no comercial de sua S10, defende o agronegócio – parte importante da agenda do presidente Jair Bolsonaro. Ganhou elogios no Twitter do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.

Seja em que direção for, empresas e marcas que tomam posições e mexem com as emoções e as ideologias das pessoas passam a integrar, queiram ou não, uma espécie de mapa de preferências em suas mentes e corações – o mesmo mapa que, na China, acabou tomando forma no ambiente online. Estar neste mapa já é, por si só, sinal de coragem. A escolha, entre a ilha ou o continente, fica por conta dos objetivos de cada um, e sua capacidade de lidar com as consequências.