A galera de tecnologia está com tudo. Todos os demais olham para eles com olhar de ignorância, medo, ansiedade, súplica, pânico; em busca da luz. Como se estivessem vendo nessa galera uma legião de sábios e milagrosos, com conhecimento, sensibilidade e inteligência para orientar e conduzir no resgate do caminho do sucesso e da realização. Na revista Exame da primeira quinzena do mês de maio, uma grande matéria revelando que os executivos de tecnologia ganham mais responsabilidade nas grandes empresas e ocupam o único cargo executivo com aumento real de salário nos últimos cinco anos. Na foto da matéria, um engenheiro de formação e recém-contratado para assumir o novo posto que se multiplica nas grandes organizações: diretor de estratégia digital.

Como se cada cliente fosse dividido em dois, um analógico e outro digital; como se houvesse dois tipos de estratégia, ou planos em duplicata, um para o analógico e outro para o digital… Uma espécie de empresas com duas cabeças… Socorro! E aí Exame foi conversar com o engenheiro e perguntar exatamente qual o objetivo da nova função e qual missão lhe foi confiada. “Meu papel é influenciar as equipes a pensar diferente”. E, na sequência, Aline Scherer, que assina a matéria, registra: “A ascensão da figura de um executivo responsável pela estratégia digital ou análise de dados observa-se globalmente.

De acordo com a pesquisa divulgada em dezembro pela consultoria Gartner, pela primeira vez, metade dos executivos responsáveis pela área de novas tecnologias nas empresas consultadas passou a reportar-se ao presidente ou CEO”. Mais que claro e óbvio que não vai dar certo. Tudo o que essas empresas vão conseguir é fortalecer suas estruturas, adensar suas equipes de tecnologia, e imaginarem que, mais qualificadas e capacitadas, e pensando diferente, conseguirão superar o desafio de se preservarem num mundo em processo de transição radical. Pensar diferente dentro de uma mesma caixa só aumenta o peso da caixa e a dimensão do fracasso. É essencial, básico, definitivo, antes de estimular as pessoas a pensarem diferente, induzir uma cultura de inovação, marketing e nova economia; de um mundo novo e compartilhado; e, concomitantemente, definir e ter-se claro onde se pretende ir, chegar.

Em fim, construir-se o mapa do planejamento estratégico e, sempre, sob a ótica do mercado; de fora para dentro. E jamais de dentro para fora, como acaba se procedendo na maioria das empresas. Dessas, por exemplo, que estão contratando os tais de diretores de estratégia digital. Implantando uma segunda cabeça em um mesmo corpo! E depois, com o mapa planejamento aberto, dar início ao processo exaustivo, recorrente e vivo de se induzir uma nova cultura na empresa. Não existe nada pior e mais desastroso numa empresa do que o tentar pensar-se diferente, dentro da mesma moldura, entendimento, supostas verdades universais e infinitas, e mais conhecidas na prática como preconceitos; que todos temos arraigados até o fundo e dentro de nossas cabeças, que já contaminaram nossos corações e a alma. Por maiores que sejam os recursos, e ainda que se tenha e domine todo o arsenal tecnológico, o fracasso é inevitável. E a vergonha e o escândalo, descomunais.

Perguntaram ao médico Julio Leite, coordenador do Programa de Monitoramento de Defeitos Congênitos do HC da UFRGS, se era possível um ser humano sobreviver com duas cabeças e um só corpo. Julio respondeu: “normalmente morrem após o parto; mas, quando sobrevivem, a qualidade de vida é praticamente zero”. Rigorosamente o mesmo ocorre com as empresas que simulam duas cabeças para enxergarem um mesmo cliente como se fossem dois: um analógico, o outro, digital.

Francisco Alberto Madia de Souza é consultor de marketing (famadia@madiamm.com.br)

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