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A arte suprema é o negócio. A definição de Andy Warhol entrelaçou definitivamente a arte e a cultura de massas. Rebelde, talentoso, inovador, Warhol costumava definir o artista como alguém que produz coisas de que as pessoas não têm necessidade – crítica feita ao próprio mundo do consumo –, enquanto a publicidade tenta desesperadamente convencê-las do contrário. Ao se valer, para construir sua arte, de celebridades hollywoodianas, latas de sopa Campbell’s e garrafas de Coca-Cola, Warhol representou o zeitgeist de uma época: do florescimento da cultura de massa. Acabou se tornando um dos ícones da pop art americana e ganhou o mundo com a sua “arte publicitária”.

Nesta quarta-feira (22), faz 30 anos que ele morreu, em Nova York, um dia após ter se submetido a uma cirurgia para retirada de vesícula biliar. Filho de imigrantes tchecos, o jovem tímido Warhol frequentou aulas de arte e estudou no célebre Instituto de Tecnologia Carnegie, atual Carnegie Mellon School of Design, em Pittsburgh, onde morava com a família. Formado, foi morar em Nova York. Contratado pela revista Glamour, desenhou sapatos e acabou criando anúncios para outras revistas, como Vogue e Harper’s Bazaar, e fez capas de livros, entre outros projetos. Sua primeira exposição foi na Hugo Gallery: 15 desenhos baseados nos escritos de Truman Capote.

Em 1961, realizou a primeira obra em série utilizando as latas de sopa Campbell’s, depois garrafas de Coke, notas de dólar e, por fim, celebridades como Marilyn Monroe, Mao Tse-Tung e Elvis Presley. Na série Death and Disaster, reproduziu desastres de automóvel brutais, ou uma cadeira elétrica. Começou a filmar em 1963 e, em 1966, levou o primeiro filme underground a uma sala de cinema comercial. Produziu o grupo de rock Velvet Underground. Depois de ser quase assassinado por uma fanática de um grupo chamado Society for Cutting Up Men, criou a revista Interview e passou a apadrinhar jovens artistas.

Se estivesse vivo, faria 89 anos. Não viveu a era da internet, a mais escancarada materialização de sua visionária frase “No futuro todo mundo será famoso durante 15 minutos”. Não deixa de ser interessante imaginá-lo por aqui nos dias de hoje, e o que ele seria capaz de fazer com tantas ferramentas e recursos, especialmente como cineasta. “Andy Warhol previu todas as expressões de social media que vivemos hoje, ontem e amanhã. O seu trabalho era colaborativo e multidisciplinar e construiu muitos seguidores dando likes e replicando as suas obras, como fazemos hoje. Um brandmaker!”, observa Erh Ray, CEO do Havas Creative Group.

Warhol elevou o cotidiano e o banal à condição de arte. Ao se valer de técnicas mecânicas de produção, provou que o que se produz em massa pode ter a mesma importância do que é único e irreproduzível. Reduziu as fronteiras entre “arte vulgar” e “arte elevada”. A arte pop aproximou a arte das massas como nenhum outro movimento conseguiu, levou a cultura popular para os museus e para as exposições internacionais.

O diretor de arte João Paulo Pereira afirma que o genial de Andy Warhol foi ter entendido sua época e o que (não) se esperava da arte. “Depois de décadas de abstracões, geometrias, experimentações com composição, planos e cores, Warhol veio com a rua, as vitrines, os supermercados, os jornais. Revelou a beleza banal do dia a dia, do explicitamente comercial e de leitura direta. A arte, além de visual, passou a ser conceitual e isso tem tudo a ver com a criação publicitária e o design como disciplinas e temas”, diz Pereira, que vê enorme influência da obra de Warhol em seu trabalho, por considerá-lo um criador completo, revolucionário, que falou de maneira nova para várias mídias e foi entendido no seu tempo – ainda hoje, isso é o que se espera de quem cria para indústria da comunicação, quase 70 anos depois.

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O designer Ricardo Leite, da Crama, afirma que o maior feito de Warhol foi ter reinventado a arte aplicada como arte superior, uma vez que esta, a partir do século 20, passou a ser vista como arte menor, em detrimento das expressões mais autorais dos artistas. “Ele realmente surpreendeu o mundo quando se apropriou das marcas e usou como tema o consumismo, seja de celebridades ou de produtos. Eles se apropriava, inclusive, de imagens, nas primeiras pinturas precursoras da música que sampleia outras músicas”, diz Pereira.

Ele gosta especialmente das capas de discos dos Rolling Stones (Sticky Fingers) e do Velvet Underground (a famosa banana). “Essas capas, as sopas Campbell’s ou Mao Tse-Tung, nos mostraram um mundo absolutamente comercial e descartável. O Mao de ontem é o Trump de hoje – que será outro, logo, logo, nos próximos 15 minutos”, conclui o designer.

O diretor de cena João Daniel Tikhomiroff brinca que nos tempos de Trump os pais de Ondrej Warhola, seu nome verdadeiro, não poderiam ter imigrado e o mundo não poderia ter conhecido Andrew Warhol, nascido em Pittsburg, que virou o genial Andy Warhol.

“Do design, passando pela publicidade – onde ganhou vários prêmios e de onde veio seu encantamento pelas embalagens, marcas e cores nas suas telas –, suas fotos, seus filmes – que chegaram a incríveis 96 títulos –, Andy Warhol foi um dos responsáveis pela minha aventura de vida, do cinema à publicidade e de volta ao cinema e ao entretenimento. Viajando pelas suas imagens, segui na estrada do imprevisível. E assim espero seguir adiante”, diz o diretor.

Também inspirado pelo artista, o ex-publicitário e hoje artista plástico Roberto Torterolli afirma que Warhol tem vários pontos de contato com sua trajetória, bem como com diretores de arte e criativos com quem trabalhou. “Sua paleta de cores definiu o termo pop, com muita superfície chapada, lisa. E, assim como a maioria dos profissionais de comunicação, tem a palavra criatividade muito fortemente ligada ao seu nome, mais do que talento ou sensibilidade, tão comum a outros artistas. ‘Todos serão famosos por 15 minutos’ talvez seja um dos conceitos mais fortes já propostos a respeito da modernidade”, conclui Torterolli, para quem Death and Disaster é o trabalho mais impressionante de Warhol.

Já o artista multimidia Muti Randolph prefere as projeções em preto e branco muito bem fotografados com pessoas encarando a câmera, como retratos em movimento. “O Warhol foi o mais icônico e influente artista do movimento pop, levou o conceito do readymade, de Duchamp, ao estrelado nos anos 1960. Explorou e impulsionou a cultura da celebridade em suas serigrafias, que naturalmente se desgastaram por superexposição”, comenta Muti.

Washington Olivetto conta que jantou na mesa de Warhol certa vez no Club A do empresário Ricardo Amaral, em Nova York, sem trocar uma palavra sequer. “Ele adorou e fotografou meu casaco Parachute, marca que foi uma espécie de precursora da Comme des Garçons. Warhol tinha visto a visita do papa em Nova York e já sabia onde a cultura pop se movimentava mesmo, no Vaticano. Acabou criando um Vaticano dele”, comenta.