Quando eu tinha uns 12 anos, meu pai interrompeu o jantar e comunicou que eu deveria começar a me planejar para ser arquiteta. E eu, que tinha ido ali só comer um bife mesmo, saí da mesa com uma lista das boas faculdades de arquitetura, uma calculadora HP e um livro de curiosidades da matemática.

Foi assim que O homem que calculava se juntou ao O homem Nu, que morava na minha estante. Disciplinada e relativamente curiosa, dei uma chance para o novo homem. Chato do cacete. Para que ser o homem que calcula como atravessar uma raposa, uma galinha e um pé de couve em uma canoa quando se pode ser aquele que corre pelado no prédio?

Larguei o livro e fui explorar a calculadora. Amor à primeira vista. Em minutos, eu estava extremamente entretida brincando de escrever com números. Sabia que 5310 de cabeça para baixo vira SEIO? Divertidíssima esta HP. Agora eu vou dormir. Mas amanhã, na primeira hora, preciso dividir esta novidade com os colegas na escola.

No dia seguinte, para a tristeza do meu pai, decidi que não passaria o resto da vida calculando, mas sim escrevendo. Fernando Sabino venceu Malba Tahan. As letras venceram os números. E a Casa Cor ganhou muito sem a arquiteta zoeirona da HP.

Durante os meus primeiros anos na publicidade, minha inspiração para escrever se retroalimentava de outras palavras. Letras de música, roteiros de filmes, poesia inteligentona ou seriado burrão, todos caíam nos seus respectivos compartimentos, onde eram devidamente reciclados e renasciam em forma de anúncios. Um ciclo vicioso, mas também virtuoso da indústria.

Até que, anos depois, um outro homem que calculava apareceu e mudou a minha vida. No meio da dureza cinza do mercado financeiro ele surgiu, de terno risca de giz, calculando, planilhando e “excelzando”. Casamos. A menina das letrinhas e o cara dos números.

A partir daí, a parte de cima do teclado também virou uma fonte de inspiração para o meu trabalho. Existe uma beleza escondida nos números. Dados estatísticos são insights na sua essência mais pura. Um case que abre com um percentual e fecha com a validação do Instituto de Tecnologia de Massachussets está 99% premiado, de acordo com o MIT. Gráficos pizza são ótimos geradores de ideia ou de conversa em bar. O livro Sapiens é o novo fffffound, cheio de referências prontas para serem usadas. Programática é o filme Mãe!, do Darren Aronofsky: diferente de tudo, mas brilhante quando se entende.

Aí fiz o caminho natural de todo mundo que gosta de números. Virei nerd. Planilho a contabilidade mensal da minha casa, virei síndica do prédio e assisto Blade Runner em 3D. Mas isto até a Nina Simone cantar O-o-h Child no rádio. Aí eu esqueço que o tanque do carro está quase vazio, que o etanol compensa mais que a gasolina e fico ali, emocionada, ouvindo a letra.

Laura Esteves é diretora de criação da Y&R

 

Leia mais

Inspiração: Música reflete comportamentos

Inspiração: Veneza brasileira, ou mais