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Quando eu morava em São Paulo, alguns dias acordava às quatro da manhã. Pegava meu carro e me encontrava com meus amigos Marquinhos Meirelles e Tato Butori, entre outros, e dirigíamos por uma hora até o Guarujá. Ali, chegávamos antes do amanhecer. Às seis em ponto entrávamos na Praia do Tombo. Víamos o sol nascer. Tartarugas. Gaivotas. Peixes de todos os tamanhos. 

E o melhor: pegávamos algumas ondinhas em plena quarta-feira. Eram duas horas de surfe no mínimo. Lembro-me que a gente se trocava no meio da rua, tomávamos banho com a água mineral comprada no posto de gasolina ao lado. E voltávamos para a agência. Se na ida o caminho dava uma hora, na volta, graças ao trânsito, quase duas horas. Mas voltávamos com um sorriso de orelha a orelha, com lembranças maravilhosas das ondas do dia e muitas vezes chegávamos antes que muitos amigos que tinham se despertado em São Paulo e não tinham surfado nada.

Quando me perguntam se tenho saudade de São Paulo, é disso o que mais lembro. Aquelas duas horas de surfe no meio da semana, chegar na agência com a prancha depois de já ter feito o meu “homework” era delicioso e muito inspirador. Nesse dia, apesar de nas tardes trabalhar com um pouco de sono, às vezes derramando areia da praia no meu desk sem querer, qualquer briefing tinha um sabor especial. Porque eu já estava com a sensação de que o meu dia tinha valido a pena.

Quem surfa, ou tenta surfar como eu, sabe do que eu estou falando.

O surfe já me levou a lugares sem nome. A países sem nenhuma infra. A resorts maravilhosos construídos depois de um tsunami. O surfe já me trouxe amigos de países e profissões e idades muito diferentes. Já me fez viajar o mundo inteiro a lugares em que nem o TripAdvisor conhece. O surfe já me fez ter medo de morrer algumas vezes. Sim, o surfe te deixa muito humilde rapidinho. Uma lição aprendida no surfe fica para sempre. É como um briefing que sempre te surpreende. O surfe já me fez entender os rastafáris, e também os amigos businessmen importantes que levam todos seus amigos para comemorar um aniversário de 50 anos numa ilha com uma onda exclusiva. O surfe é uma benção, alguns dizem. Estava ali desde sempre, como uma página em branco. Até que um maluco pegou um toco de madeira e começou a se divertir. Não existe uma onda igual. Por isso é tão fascinante. E tão inspirador.

É como digo sempre na minha escola, a Escola Cuca. O surfe é como a publicidade. Não adianta saber toda a teoria. Você tem de entrar na água e remar, remar, remar. Sem a prática, sem passar perrengues, sem ver de perto e treinar com os craques que já ganharam tudo nas praias de Cannes, você não chega a lugar nenhum.

O surfe também me inspira a me manter bem fisicamente. Well, quase. Graças ao surfe, comecei a fazer ioga e você não imagina como o ioga se parece ao surfe. Quase todos os movimentos do ioga, se você coloca uma prancha embaixo, é puro surfe. Essa nossa vida moderna é tão cheia de informação e pressão que, às vezes, a gente esquece de respirar e de se conectar com o que é verdadeiramente importante: o presente. E não há nada que te conecte mais com o presente do que uma onda. Porque fazer campanhas, ganhar concorrências, ganhar prêmios, fazer diferença para algumas marcas é importante. Mas se você não cuida de você mesmo primeiro, jamais vai conseguir fazer um trabalho relevante para qualquer produto. Vou ser eternamente agradecido ao meu amigo Marcio Santoro, que um dia me convenceu de voltar a surfar depois de 15 anos fora d’água. Ele me disse: é igual bicicleta, Miguel. Você vai ver que não esqueceu. Depois de ter voltado, cada vez mais acredito piamente que pessoas felizes trabalham melhor. E mais equilibradamente. Por isso recomendo que você tenha algum hobby antes que a sua profissão se converta em um. Qualquer hobby. Sem um hobby, sem alguma paixão fora do trabalho, é muito fácil você cair na armadilha de pensar que a publicidade é a sua única praia.

Miguel Bemfica é CCO da MRM/McCann Spain, e um dos fundadores da Escola Cuca