Tatiana Shepeleva/Shutterstock

Olhe para trás e relembre como era o mundo há 50 anos. Este exercício simples ajuda a aceitar, sem a necessidade de debates filosóficos, que o mundo daqui a 50 anos também será bem diferente do que é hoje. Pelo que já se imaginava do século 21 ainda no século passado e pelo que se observa atualmente, paisagens urbanas e até mesmo as relações das pessoas com seus trabalhos e tarefas mudarão completamente. E um dos principais elementos que moldarão esse futuro cada vez mais próximo é a Inteligência Artificial (IA), tecnologia que começa a sair dos laboratórios de pesquisa e dos filmes de ficção para definitivamente fazer parte do dia a dia dos seres humanos.

De acordo com os prognósticos de quem já lida diariamente com a inteligência artificial, haverá um momento ainda neste século em que ninguém mais estará alheio à existência de sistemas de computação inteligentes. “Já está presente em mais situações do que a gente imagina. Desde dados de consumo até a forma como controla e evolui a própria sociedade. Temos grandes redes de sistemas integrados que já operam com inteligência artificial. Um exemplo claro são os sistemas de cartão de crédito em prevenção de fraude. Sistemas de distribuição de energia elétrica e biometria são outras áreas avançadas no tema, assim como os sistemas de recomendação usados para potencializar vendas na internet”, conta Solange Rezende, professora e pesquisadora do Instituto de Ciências Matemáticas e Computação da USP. “Está acontecendo nos bastidores”, diz.

Para a pesquisadora, que estuda a inteligência artificial há mais de 30 anos e é reconhecida como uma das maiores especialistas acadêmicas do assunto no Brasil, a evolução da tecnologia está em plena evolução e vai mudar significativamente a maneira como a sociedade se comporta. “Vai otimizar muitos processos que são desenvolvidos pelos seres humanos. Os veículos autônomos, por exemplo, vão mudar a maneira como utilizamos os carros. Pensando em trabalho e em uma cidade como São Paulo, o carro será uma espécie de escritório móvel”, acredita Solange.

O carro 100% autônomo citado pela professora da USP deve começar a circular nas ruas ainda nos anos que restam da década atual e uma das companhias em fase avançada de testes é o Google, que já usa sistemas inteligentes em vários outros serviços, inclusive no site de buscas. “Vamos utilizar a inteligência artificial a todo momento e nem vamos perceber”, resume Solange.

O que a especialista quer dizer com a ideia de que o uso desta tecnologia será pouco notada é que as pessoas já estão aprendendo a conviver com ela naturalmente. Entretanto, ninguém nega que o impacto será gigante no longo prazo, inclusive para profissionais de marketing e publicidade, sejam anunciantes, publishers, atendimento, mídia ou planejadores. Nem mesmo os criativos das agências estarão imunes.

Neste momento, a aplicação de IA mais inserida no mercado, principalmente no Brasil, é a mídia programática e o big data com desenvolvimento contínuo da capacidade de mineração de dados, que ajuda a reconhecer os hábitos dos usuários. No entanto, isso não vai parar por aí.

Robôs publicitários

agsandrew/Shutterstock

Fora as ideias mais fantasiosas levantadas por filmes de ficção científica como Matrix e O Exterminador do Futuro, de que um dia as máquinas poderão se rebelar contra a raça humana, um temor mais concreto relacionado ao avanço da inteligência artificial é o impacto que terá no mercado de trabalho e na eliminação de empregos. A possibilidade de máquinas exercerem funções normalmente ocupadas por pessoas é real e nem mesmo CEOs e presidentes de empresa estarão totalmente protegidos a partir de certo estágio.

No ambiente de uma agência de publicidade, por exemplo, quem trabalha no departamento de mídia já está mais acostumado a conviver e “delegar” demandas para sistemas que usam a inteligência artificial como a mídia programática. Não por acaso, o perfil do profissional de mídia hoje é o que mais mudou e é cada vez mais comum ver engenheiros e matemáticos se aventurando na área. Por enquanto, e até mesmo pelo mercado ainda estar aprendendo a usar tantas ferramentas novas, é grande o número de gente controlando as máquinas e apertando botões, mas já há quem espere um novo cenário nos escritórios à medida que as máquinas consigam fazer mais sem a supervisão integral de humanos.

“Por enquanto, estamos em um momento de expansão. Estão crescendo as opções porque estão surgindo novas agências digitais e as mais tradicionais estão se ajustando à nova realidade. Além disso, grandes grupos de tecnologia estão investindo em marketing”, analisa Denys Fehr, vice-presidente de mídia da agência Sunset. “Mas deve haver um ajuste no mercado nos próximos três anos. Muitas agências que não se adaptarem podem quebrar ou ficar menores. Outras que estiverem desempenhando bem, provavelmente serão compradas”.

Para Fehr, os profissionais de mídia passarão a se integrar cada vez mais com as equipes de planejamento e deixarão a execução da compra de mídia com máquinas capazes de pensar e tomar decisões de forma autônoma.

Divulgação

Em menor medida, porém de maneira crescente, os publicitários do departamento de criação terão de se acostumar com máquinas capazes de criar peças de uma campanha. “No futuro, haverá outros aspectos de marketing com novas maneiras criativas de combinar elementos para criar uma mensagem influente, arrastando uma imensa quantidade de dados para achar as ideias mais uteis e executáveis”, prevê Mark Torrance, chefe global de tecnologia da Rocket Fuel.

O cientista norte-americano acredita que, em um futuro mais distante, é possível até mesmo que um dia campanhas publicitárias possam ser criadas inteiramente por robôs. Ele observa que a participação de sistemas inteligentes realmente deve ganhar espaço no mercado em todas as áreas, inclusive na criativa. “Com esforços focados, até o trabalho criativo da publicidade pode ser altamente ajudado por computadores ou robôs. Talvez, depois que se chegar a certo estágio, será um passo curto para imaginar um robô dominando todas etapas de uma campanha publicitária, mas isso só acontecerá se um dia os anunciantes entenderem que conseguirão resultados melhores entregando o trabalho para máquinas desenvolvidas com este propósito”, pondera Torrance.

Gênio criativo

Willyam Bradberry/Shutterstock

Se a inteligência artificial tem condições de gerar robôs capazes de fazer o trabalho criativo, conforme concordam praticamente todos os especialistas consultados pelo PROPMARK, o que acontecerá com os diretores de criação superpremiados de Cannes e de outros festivais? Eles continuarão existindo. E poderão trabalhar menos tempo emprestando seu talento para que máquinas executem a criação das peças. Em vez de trabalhar 14 ou 15 horas em um dia, o profissional humano poderá trabalhar três horas e deixar a máquina fazendo o resto.

Em outras palavras, a inteligência artificial evolui para ajudar o ser humano, e não para destruí-lo – ao menos não é esta a intenção. “Haverá um dia em que possivelmente veremos mais anúncios criados em tempo real por algoritmos que serão praticamente diretores de criação. É, sim, possível evoluir numa direção em que a técnica criativa seja criada por um robô. Mas a chave é quem é o gênio criativo que introduz essa criatividade no robô”, pontua Abel Reis, CEO do grupo Dentsu Aegis Network no Brasil.

Divulgação

Segundo Reis, mesmo que a máquina tenha habilidades criativas, ela precisa ser abastecida pelo conhecimento e discernimento do que é bom ou ruim de acordo com as percepções da sociedade e esse talento precisa ser fornecido por uma mente humana antes de ser introduzido no sistema artificialmente inteligente. A criatividade não nascerá do nada.

De qualquer maneira, a evolução da inteligência artificial, junto com as mudanças de comportamento da própria sociedade e das gerações mais jovens, tem potencial para mudar todo o funcionamento de um mercado que cresceu criando tendências para os consumidores e agora precisa se adaptar à ordem reversa, aceitando as tendências que surgem a partir de consumidores altamente influenciados pela tecnologia. “O mercado publicitário está indo em uma direção e o mundo está indo em outra. Estamos andando em ciclos há 10 anos”, provoca Marcel Jientara, CEO e Product Architect da Nexus Edge, startup que está desenvolvendo um sistema de inteligência artificial chamado Alana, criado exclusivamente para a publicidade e com a habilidade de automatizar e interpretar dados de ponta a ponta na cadeia da propaganda.

Divulgação

Para Jientara, que trabalhou em agências de publicidade durante anos até resolver montar sua startup que hoje conta com financiamento pesado de investidores internacionais, o Brasil está por volta de seis anos atrasado em tecnologia em relação a países mais desenvolvidos como os Estados Unidos, o que dificulta um pouco o trabalho para quem atua com ferramentas que precisam de autoconhecimento. Mesmo assim, ele acredita que a onda é irreversível. “Grandes transformações serão realizadas nos próximos cinco anos. A tendência é começar a ter pessoas e máquinas focadas no resultado 100% do tempo, uma lógica meio de mercado financeiro. Só precisa de um humano orientando a máquina para as operações que precisa fazer. Será desnecessário manter 500 pessoas apertando botões”, diz.

Nesse processo visto por Jientara, as agências vão sofrer, mas as melhores continuarão existindo. “No futuro, as agências vão desinchar, mas não desaparecerão. Apenas vai mudar o papel estratégico dela”, analisa. “Nesse mundo, uma pessoa poderá ter três trabalhos que não acumularão nem 20 horas de carga horária por semana. O ser humano terá de aprender a viver e trabalhar de uma nova forma”, finaliza.