Não é a primeira vez que trago esse assunto à reflexão nesta modesta coluna. Sob título “Conteúdo e propaganda”, já escrevi um artigo com questionamentos sobre a linha – nem sempre tênue – que separa conteúdo da propaganda.

Com a chegada dos ad-blockers e da proliferação de conteúdos e entretenimento mediante assinatura, cresce a preocupação por um tipo de comunicação capaz de driblar esses instrumentos e impactar o público-alvo com eficiência.

Assim, nasceram as formas alternativas de “empacotar” a propaganda, dando a ela uma vestimenta diferente. São os publieditoriais, productplacement (conhecido como merchandising), advertainment e outros neologismos criados para nominar essa técnica que, em síntese, trata de uma propaganda sem cara de propaganda.

O tema me impactou novamente quando li uma matéria sobre a iniciativa de uma agência brasileira em levar cases de empresas inovadoras para o SXSW. Até aí achei bem bacana. Mas, poucas linhas depois, descobri que a inserção de tal “conteúdo” no evento na verdade é pago.

Os organizadores cobram a inserção de palestras de interesse das empresas. É claro que há uma ressalva de que todos os conteúdos são submetidos a uma curadoria que, após análise de pertinência, os libera para o comercial.

Não me julguem um ingênuo, que não sabe que isso ocorre e sempre ocorreu. Mas eu só acho que esse tipo de ação deve ser pelo menos mais transparente. Muitos organizadores atrelam a venda de patrocínio ao direito de exposição de conteúdo no evento. E tudo bem. Sem essa prática, muitos eventos não se viabilizariam. O que eu questiono é a falta de transparência. Basta apresentar aquele conteúdo como “patrocinado”. Aí ninguém estará enganando ninguém, certo?

Estamos vivendo agora uma polêmica decorrente de uma ação de “merchandising” em uma novela. Na trama, uma advogada, que se diz especialista também em coaching, aplica uma técnica de hipnose para resgatar memórias de uma cliente, servindo de prova para a condenação de uma pessoa por abuso de menores.

A ação na novela foi paga por um instituto de coaching e gerou uma grande gritaria de especialistas nessa técnica e de psicoterapeutas, julgando leviano atrelar a hipnose à prática de coaching.

A emissora fez sua parte, explicitando a ação de merchandising nos créditos finais da novela, como deve ser. Mas e a tal curadoria, que deveria se aprofundar e verificar se tal conjunto de técnicas era factível?

Sou do time de defensores de liberdade total de expressão. Também sou totalmente a favor da autorregulamentação. Recentemente, a Alerj se mobilizou para julgar peças publicitárias com suposto conteúdo sexista ou preconceituoso.

Como se o Rio não tivesse muitos outros assuntos de extrema importância para resolver… Ser julgado por um bando de deputados cariocas, a quem caberia a decisão de vetar determinada peça publicitária, é o ó do borogodó, né não? Não precisamos desse tipo de “controle”.

Dou esse exemplo para enfatizar que não prego qualquer tipo de controle. Muito ao contrário, considero o julgamento do público o mais poderoso.

Só acho que essa “propaganda” com cara de conteúdo, se não for feita com o devido cuidado, pode ser um tiro no pé. Se não houver transparência, o soberano público acaba percebendo, execrando a “manobra”.

Dois pontos críticos da boa comunicação de hoje são a autenticidade e a transparência. No caso dos veículos de comunicação, principalmente os impressos, seu maior asset são a imparcialidade e o compromisso com a verdade. Neste mundo repleto de fake news, uma fonte fidedigna, crível, tem grande valor.

Se esses veículos caírem na tentação de falsear a inserção publicitária, travestindo-a de conteúdo, sem a devida identificação de que se trata de algo pago, estarão abreviando seu fim.

Alexis Thuller Pagliarini é superintendente da Fenapro (Federação Nacional de Agências
de Propaganda) alexis@fenapro.org.br

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