A próxima vez que alguém usar a expressão full-service para definir a empresa em que trabalha, seja uma agência de publicidade, uma assessoria de comunicação ou um simples e honesto botequim, vou relativizar a informação, considerando apenas um exagero promocional tão comum em negócios. Afinal, o que eu posso fazer por você hoje? Full-service de verdade, só oferece uma empresa, do Rio de Janeiro, e eu duvido que alguém possa me desmentir, bastando ouvir a história que eu tenho para contar.

Trata-se de uma produtora de som, tradicional, criativa, premiada, comandada por dois sócios: Passarinho e Wanderley, responsáveis por trilhas e jingles que fizeram e fazem muito sucesso, o que lhes garante uma vidinha bastante confortável cantando seus remédios, supermercados, fogões e margarinas, com a maior dignidade e lisura. E são bons amigos também, gente da maior qualidade, participantes do mercado e pagando em dia, o que deveria ser obrigação e nem mereceria destaque, não fossem os dias que correm.

Chama-se Nova Onda e, pelo que demonstrou, é realmente nova, embora exista há décadas. É preciso que se explique bem o que aconteceu comigo semana passada para que fique registrado com a devida pompa este momento glorioso da indústria da comunicação. Ocorre que minha empresa precisava de um jingle, com alguma urgência, como sempre. Marquei uma reunião de briefing com o Passarinho e fui cuidar de outra coisa. Nesse meio tempo comecei a ter uma febre inexplicável, falta de ar e uma espécie de fraqueza. Apaguei.

O médico, chamado às pressas, achou que era grave e fui eu, gloriosamente deitado numa ambulância, ser recebido na emergência de um hospital. Para um exibido, o máximo. Luz vermelha, maca, travellings e cenas aceleradas. Sai da frente que vem aí um moribundo. Grave era, uma pneumonia daquelas de borracheiro de beira de estrada condenar a carcaça. Logo eu que não fumo há 35 anos e, se exagero em alguma coisa, faço-o no vinho que, ao que eu saiba, não se destina ao pulmão. A não ser que os meus vinhos seguem o Waze e erram o caminho. Mas foi uma farra. Fizeram de tudo, hospital competente, me mantiveram vivo e me botaram pra dormir, já que, tirando o repouso e antibióticos, nada mais há que se fazer. E lá fiquei eu, deitado, pensando na perra vida, um fluxo de oxigênio num tubinho e um canal de TV com um hipopótamo brigando com um elefante. Devem achar que emoções fortes não são aconselháveis para os enfermos, donde a proibição de assistir ao Jornal Nacional. Fiquei, portanto, ali deitado, furado, assoprado, aspirado, com o problema de que, para mostrarem alguma intimidade comigo, os enfermeiros e enfermeiras me chamavam de Luiz, nome que me é tão familiar como Robervaldo.

Vestido com uma camisolinha ridícula, bunda de fora, acabei dormindo. Aí que entra o que eu quero contar. Num determinado momento, vestido de branco, vejo o Vanderley, sócio do Passarinho, me fazendo perguntas. Porra, briefing num CTI? Ou ele ou eu enlouquecemos. Ele está de branco, tem um crachá escrito médico e eu confesso que não me lembro do diálogo. Teria eu informado qual era o público do jingle? Cantarolado alguma sugestão? Discutimos verba, prazo, gênero? Mas o pior não é isso. Vanderley pega meu dossiê e começa a revisar tudo que está sendo feito, pergunta coisas, confere números, é tratado com toda referência, sabe o que faz, conclui que a qualidade do atendimento está perfeita. E se despede. Dia seguinte tenho absoluta certeza de que delirei. Fiz uma reunião de criação na emergência de um hospital. Ninguém viu? Não me colocaram camisa de força? Não, nada disso. Vanderlei é médico, trabalha no hospital, soube que eu estava internado e foi dar uma força. Falamos de doença. O briefing do jingle eu passei para o Passarinho do dia seguinte. Mas agora eu pergunto, numa boa, tem outra produtora no mundo que atende cliente no CTI? Alguém depois disso vai ter coragem de se chamar full-service?

Lula Vieira é publicitário, diretor do Grupo Mesa e da Approach Comunicação, radialista, escritor, editor e professor (lulavieira@grupomesa.com.br)

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