Há dez anos, Fátima Bernardes trocava o jornalismo pelo entretenimento da Globo. À época, a jornalista deixava para trás uma história de quase 15 anos na bancada do Jornal Nacional, no horário nobre, para se dedicar ao Encontro, que começaria em junho de 2012. Dois anos depois, ela ainda faria outra estreia: a de garota-propaganda para Seara, marca com a qual ainda mantém parceria, e a primeira de várias no seu currículo de campanhas publicitárias.

E de 2011 até agora, outros nomes do jornalismo – principalmente da Globo – seguiram o caminho de Fátima Bernardes, incluindo a própria Patrícia Poeta, substituta da apresentadora na bancada do JN, que passou para a área de entretenimento da emissora, que é quando o profissional tem autorização para fazer publicidade, pelas regras do canal de TV. O mesmo caminho seguiram Fernanda Gentil, Tiago Leifert e Pedro Bial, que deixaram o jornalismo.

É verdade que a maioria desses profissionais já está longe das redações, mas ainda carrega a característica essencial à profissão: a credibilidade. Entretanto, por que jornalistas ganham cada vez mais espaço no mercado publicitário?

Coordenador do curso de publicidade e propaganda da ESPM Porto Alegre, Alessandro Souza vê uma perspectiva em processo de amadurecimento, que aproxima jornalistas da iniciativa privada. E esse processo, de acordo com o especialista, é composta por três vertentes – jornalismo segmentado, gerações mais novas desses profissionais e a própria publicidade.

“O mercado publicitário tem procurado refletir as cobranças da sociedade por posicionamentos cada vez mais autênticos e verdadeiros. Assim, de certa forma, a publicidade também se aproxima dos aspectos factuais inerentes ao jornalismo”, garantiu.

Souza ainda citou os exemplos da própria Fátima Bernardes e de Mari Palma, apresentadora da CNN, para falar sobre a necessidade de uma marca antever o que chama de “casamento perfeito”.

“Fátima Bernardes e Mari Palma emprestam seus estofos a marcas de relevo, que atuam em setores nos quais credibilidade é um grande ativo comunicacional: alimentação e serviços financeiros, respectivamente”, disse. “E essa credibilidade advinda dessas profissionais dialoga com os discursos publicitários das marcas, instigadas a divulgar as suas verdades”, completou.

Já Mariana Munis, professora de marketing da Universidade Presbiteriana Mackenzie do campus de Campinas (SP), falou que, além da credibilidade, é preciso sinergia. “É necessário que ambas as partes tenham sinergia, o match entre os valores da marca e quem fará a publicidade”, disse.

Rosangela Florczak, professora do curso de jornalismo da ESPM, fala sobre uma reviravolta no mercado. Ela atribui essa mudança ao ambiente midiático, “onde as pessoas não fazem mais discernimento tão claro entre as produções de conteúdos jornalístico e publicitário”. “Tanto um quanto o outro se adaptaram aos novos tempos. As campanhas, com artistas, por exemplo, vão continuar, mas abriram-se novos leques de opções, dentre os quais estão os jornalistas”, finalizou.

Muitos jornalistas, que construíram suas carreiras em grandes veículos, vêm apostando na carreira de criador de conteúdo. É o caso de Tino Marcos, repórter por mais de 30 anos da Globo que coleciona oito Copas do Mundo e seis Olimpíadas. Tino deixou a emissora no começo deste ano e, de lá para cá, faz parte do casting de produtores de conteúdo da Play9, responsável por elaborar estratégias para as redes sociais do jornalista.

Tino Marcos: das principais competições esportivas do mundo para a produção de conteúdo (Reprodução)

Novo ainda na publicidade, Tino vê com bons olhos o crescimento da presença de jornalistas em campanhas. “Acho que o jornalista sempre ‘vende’ suas reportagens ao público, junta fatos e informações e publica. Então, desde que, claro, ele não venha a ferir a ética, associar-se a uma marca é um caminho possível e, por que não, promissor”, afirmou o jornalista, que fez trabalhos para o WhatsApp.

Jornalista de formação com passagem pelo jornal A Tarde, da Bahia, Maíra Azevedo ficou conhecida como Tia Má, dona de um perfil com mais de um milhão de seguidores no Instagram. Para ela, a migração do jornalista para as redes sociais aconteceu por causa da autonomia sobre as pautas. “Quando eu comecei a fazer os vídeos da Tia Má era exatamente porque eu queria falar sobre as coisas que eu falo, e em jornal impresso e nos veículos que eu trabalhava eu não tinha essa autonomia”.

A jornalista Millena Machado, por exemplo, foi o nome escolhido para ser embaixadora de marcas como Itaú Unibanco e iCarros. “O fato de eu ter apresentado por quase oito anos um programa de carro na TV demonstra que o Grupo Itaú também não estava atrás de apenas visibilidade, um rosto ou uma voz conhecida. A minha afinidade com o tema veículos e a minha proximidade com o público consumidor final deles são significativas”, disse.

AMADURECIMENTO
De acordo com João Pedro Paes Leme, jornalista, CEO e sócio-fundador da Play9, a procura por parte de marcas para jornalistas está, sim, aumentado. “O mercado tem amadurecido para entender que um jornalista não comprometerá a sua credibilidade por fazer uma propaganda. Quem tem uma história sólida no jornalismo não deixará de ser imparcial por conta de uma publicidade”, garantiu.

CEO da Mynd, Fátima Pissarra concorda com Paes Leme ao dizer que a procura por jornalistas para campanhas publicitárias tem crescido. Entretanto, para ela, muito desse aumento tem relação com a flexibilização dos contratos da Globo, em especial. “A internet também abriu espaço para que esses profissionais pudessem mostrar mais o seu lado pessoal nas redes sociais, e essa participação mais ativa fez com que as marcas enxergassem oportunidades de associação com a pessoa para além de seu desempenho profissional”, explicou.

João Pedro Paes Leme, da Play9: amadurecimento do mercado (Divulgação)

Pissarra, entretanto, alerta que apenas credibilidade não basta. “Também se faz necessário ter sinergia entre a marca e o jornalista e influenciador. Além de serem pessoas confiáveis, o perfil da pessoa, seus propósitos e discursos precisam ir ao encontro do perfil do anunciante”, disse.

Além de Tino, Ivan Moré é outro jornalista que vem apostando na carreira de influencer e produtor de conteúdo. “Neste mundo em transformação, em que todas as pessoas em si são o próprio canal de comunicação por meio dos smartfones e redes sociais, não só o jornalista, mas todos passam a ter um potencial muito grande de visualização, de influência, relacionado às marcas”, contou.

Para Flávio Santos, CEO da MField, essa tendência tem ganhado espaço com jornalistas se vinculando a marcas de territórios com sinergia ao seu campo de atuação. “E isso se estendeu e rompeu o ecossistema da zona de conforto. Hoje se vê campanhas alimentícias sendo estreladas por grandes jornalistas de noticiário e profissionais de comunicação, justamente por serem figuras com muita credibilidade e histórico de entrar diariamente na casa da audiência”.

ALÉM DA CREDIBILIDADE
Assim como para Pissarra, o match entre o propósito da marca e o conceito da campanha é o principal fator a se levar em consideração, depois da credibilidade, no entender de Felipe Cury, ECD da Africa. Ele, inclusive, cita o último trabalho feito por Galvão Bueno para os Postos Petrobras.

“Ele construiu na memória afetiva do brasileiro momentos inesquecíveis através de jargões, ênfases e repetições. No último ano e meio, os Postos Petrobras vêm construindo um território muito proprietário. Resgatamos o orgulho de sermos o posto do Brasil de todas as BRs”, disse.

Galvão Bueno também foi liberado para fazer publicidade depois que a emissora liberou narradores e comentaristas. Além dos Postos Petrobras, ele já fez ações de merchandising para marcas como Gol, no programa Bem Amigos, no SporTV, e projetos de conteúdos mais robustos, tal qual o feito para a Volkswagen, no Esporte Espetacular, além de dezenas de filmes para a televisão.

Patrícia Colombo, diretora de conteúdo na WMcCann: jornalista fala com todos os públicos (Divulgação)

Já Patrícia Colombo, diretora de conteúdo na WMcCann, vê no jornalista uma pessoa com alto grau de penetração na sociedade. “O fato de serem pessoas públicas e acessíveis a todas as classes sociais ajuda muito a espalhar a mensagem das marcas. São figuras com um passado sem polêmicas, o que amplia a confiança do público”, diz.

Camila Costa, sócia e CEO da iD\TBWA, disse que a facilidade de comunicação é um quesito importante. A agência criou campanha para a Febraban (Federação Brasileira de Bancos), cujo protagonista foi Pedro Bial. “Ele entrevista, apresenta e informa muito bem e de forma natural para ele, e a estratégia da ação exigia isso do apresentador, que deveria interagir com o convidado/celebridade enquanto explicava e desenvolvia temas relacionados à educação financeira”, lembrou a executiva.