Desde o início do distanciamento social, o setor de live marketing vem demonstrando seu poder de articulação junto ao mercado. Um dos primeiros a pausar suas atividades por conta do novo coronavírus, o segmento organizou uma série de ofensivas no último mês para exigir melhores práticas de parceiros comerciais e apresentar um plano de retomada dos eventos.

Uma coalização de 11 entidades anunciou recentemente o Go Live – Juntos pelo Brasil. O documento é baseado em três pilares: segurança, impacto e legislação. Desenvolvido com base em protocolos da OMS e outras instituições, as diretrizes sugeridas foram levadas ao governo e defendem a retomada dos eventos “tão logo possível, de forma responsável, porém proativa. Não queremos ser os últimos na retomada. Queremos retomar rapidamente. Com responsabilidade, mas com agilidade.”

Ainda em abril, a Ampro lançou um movimento por relações sustentáveis, a ação ganhou a #JobEntregueJobPago e contou com adesão e apoio da Abap, da Fenapro e do GAN. O grupo afirma que “concorrências não remuneradas, contratos sem garantias, sem compromisso de faturamento anual e com prazos de pagamento de 60, 90 e 120 dias tornam a manutenção das estruturas necessárias para a viabilização do live marketing insustentável”.

De acordo com Claudio Romano, CEO da Dream Factory, há anos as agências questionam os processos de concorrência tradicionais. “Porém, acreditamos que não existe um momento mais propício que o atual para zerarmos essa pedra. Este é o momento de reescrevermos a história do live marketing no país e revitalizarmos esse mercado no momento que ele mais precisa”, diz.
Ainda segundo Romano, eles estão solicitando aos clientes que mudem a forma de contratar as agências. “Pedindo para suspenderem os processos tradicionais. São processos que envolvem inúmeras agências com, no mínimo, duas etapas, na qual muitas vezes a ideia é trocada por uma negociação do fee. Dinâmicas que consomem diversos recursos das agências, sem remuneração.”

Claudio Romano, CEO da Dream Factory: “impacto inimaginável” se cancelar o Carnaval (Divulgação)

O ideal, diz, seria que os clientes realizassem análises técnicas das empresas por meio do seu histórico e estabelecessem “uma negociação em cima de uma proposta comercial que foque nas receitas das agências e não nos custos de terceiros”.

Luis Justo, CEO do Rock in Rio, acredita ser natural que, em momentos de recessão, as empresas adotem políticas austeras de custo. Por outro lado, diz, “o mercado será mais seletivo, mas sempre haverá espaço para os projetos de qualidade que entregarem valor para a retomada de seus negócios.”

De acordo com Juliana Ferraz, diretora-comercial da Holding Clube, a pandemia é responsável por uma mudança de comportamento no setor. “É preciso ter uma coerência com os clientes e fornecedores. São novos tempos em todos os sentidos. As empresas terão de pensar no todo e em toda a cadeia. Não existirá outro caminho”, ressalta.

Juliana Ferraz, da Holding Clube: “São novos tempos em todos os sentidos” (Divulgação)

Alexis Pagliarini, presidente-executivo da Ampro, afirma que a crise traz à tona questões que são recorrentes. “Não queremos voltar ao antigo normal das relações porque trazia vícios não condizentes com as melhores práticas.”

Reflexo
Na esteira dessas movimentações, uma das situações que mais repercutiram foi a pressão que líderes do setor fizeram sobre Lorival Luz, CEO global da BRF. Por meio de seu LinkedIn, o executivo anunciou, em abril, repasses da empresa para o combate ao novo coronavírus. A empresa realiza, de lá para cá, um leilão reverso (ganha o fornecedor que ofertar o menor valor) para a homologação de uma agência de live marketing para futuras ações com a multinacional, estabelecendo prazo de 90 dias para pagamento de fornecedores.

No último dia 12, a empresa enviou e-mail aos participantes cancelando o processo, porém, mais tarde, a BRF admitiu erro no envio da mensagem e afirmou que o leilão permanece ativo.

Silvana Torres, presidente da Mark Up e uma das que criticaram a empresa nas redes sociais, afirma que a agência também participou do leilão. “A BRF alega que quem quer, participa, e que o processo é transparente. Porém, tenho toda a propriedade para dizer que isso não é verdade, porque preenchemos a RFI (Request for Information) e em nenhum momento foi dito que era um leilão”, aponta.

Silvana Torres, presidente da Mark Up: críticas ao leilão reverso da BRF (Divulgação)

A BRF, por sua vez, afirma que “seu compromisso com a integridade, a segurança e a qualidade é o que pauta todos os seus processos. […] Ressalta que o leilão eletrônico é uma das etapas do processo, que também inclui avaliação técnica de cada fornecedor participante. Todo o processo é realizado com regras e condições preestabelecidas e claras, que são comunicadas aos participantes desde o início do leilão.”

Pagliarini afirma que a situação abriu um canal de diálogo com a empresa. “Prefiro não abrir detalhes dessa interlocução. Só posso afirmar que, sim, estamos conversando e estou otimista quanto a um entendimento que seja bom para todos.”

Futuro
Na última semana, ventilou-se nos bastidores do setor a possibilidade do cancelamento do Carnaval 2021. A notícia seria um baque para o segmento, que afirma gerar 25 milhões de empregos diretos ou indiretos e colaborar com 12,93% do PIB.

“Por enquanto são hipóteses, não sabemos como serão os próximos 30 dias, imagina fazer qualquer projeção”, defende Romano. “Precisamos entender o nível de impacto no Brasil, se de fato haverá outras ondas da pandemia, se vai ter uma vacina até o fim do ano. O fato é que, se isso acontecer, vai causar um impacto inimaginável na indústria de entretenimento ao vivo.”

“Estamos vivendo um dia após o outro. Nesse momento, estamos preocupados com a nossa equipe, com a transformação do nosso negócio, com o cenário do hoje. Somos otimistas e torcemos muito para o Carnaval 2021 ser realizado”, pondera Juliana.

Alexis Pagliarini, presidente-executivo da Ampro: luta por boas práticas (Divulgação)

Essa possibilidade não é cogitada pela Ampro, que acredita em um pós-crise mais próspero e alinhado com a sustentabilidade. “Vamos continuar com a nossa campanha por relações sustentáveis e abordar empresas que não estejam em compliance com as melhores práticas. A nossa proposta é um diálogo sereno e propositivo visando o entendimento das relações.”

Para Silvana, o próprio mercado trará novas oportunidades ao setor. “As marcas não podem ficar sem lançar produto, sem treinar os times. Iremos nos adaptar e criar formas virtuais e híbridas de contribuir com essa retomada. É impossível retroceder a alguns ganhos que foram conquistados, eles são irreversíveis e muito positivos”, conclui.