Tênis no Santa Marta se transformou em artigo de design

 

Durante oito meses os designers cariocas Ricardo Saint-Clair e Ricardo Westin percorreram 15 comunidades do Rio de Janeiro em busca de trabalhos criados pelos próprios moradores para melhorar suas vidas de alguma forma. A ideia era encontrar boas soluções de design e transformá-las em uma exposição — que acaba de estrear no Centro Carioca de Design, no centro da capital fluminense, sob o título “O design da favela”.

Saint-Clair, sócio-fundador e diretor de criação da Dialogo Design — que atuou como um dos jurados brasileiros no último Cannes Lions —, conta que ele e seu sócio, Westin, tinham como forte referência um grande livro que virou exposição no Cooper-Hewitt Museum de Nova York, chamado “Design for the other 90%”; e, mais recentemente, sua  segunda publicação, “Design with the other 90%”. “Em vez de soluções ‘para’ a favela ou ‘com’ a favela, faltavam as soluções ‘da’ favela. O design empírico, informal e espontâneo que já nasce e vive dentro das comunidades.”, explica.

No início, eles entraram em contato com as ONGs mais famosas e estruturadas, mas a estratégia acabou não indo adiante. A saída foi fazer pesquisa de campo, entrar nas comunidades, pesquisar na internet e pedir ajuda a artistas para indicarem outra pessoa com um trabalho interessante ou inusitado. “Descobrimos que naturalmente havia uma rede invisível de pessoas interessadas em criação, que admira o trabalho do outro, muitas vezes em comunidades distantes fisicamente umas da outras. Design, criação e inovação não eram palavras tão novas nesse ambiente como imaginávamos”, conta Saint-Clair.

Assim, eles encontraram ao todo 125 soluções para moradia, alimentação, transporte e negócios. Os inventores estavam “escondidos” em comunidades como Rocinha, Vidigal, Maré, Alemão, Mangueira, Cidade de Deus e Santa Marta — e seus projetos ficarão expostas até 20 de dezembro no espaço da Praça Tiradentes. Na mostra, peças decorativas, brinquedos, esculturas, um triturador de amendoins criado com peças de bicicletas ergométricas e um drive-in que funciona em uma caixa d’água antiga, entre outras “invenções”. Os criadores aparecem em vídeos — que serão exibidos na exposição — dizendo o que representa, para eles, o design.

Talento

Saint-Clair relata que acabou conhecendo pessoas com mais talento para o design do que muitos profissionais que conhece. “Design é muito mais que conceito, estudo ou planejamento. Design é acima de tudo realização. E todos ali são realizadores natos. É design popular carioca em estado puro: filho da necessidade e fruto da criatividade”, observa. Apesar da vida difícil dos autores, Saint-Clair diz que muitos comentaram que é como se a conquista de bens básicos do dia a dia, aos poucos, estivesse sendo substituída pelo lúdico, o emotivo, o aspiracional. “A cultura é um valor cada vez mais consumido e valorizado pelos moradores.  E em um ritmo muito acelerado”.

Segundo o profissional, a dificuldade dos “designers da favela” é a mesma dos designers do asfalto: comercialização, divulgação e concorrência com produtos industriais. “Já temos grandes iniciativas de associações e ONGs ajudando nisso, mas o caminho é árduo para todo mundo. Ainda falta muito para o brasileiro consumir design no mesmo patamar que vemos em outros países. Precisamos ainda de décadas de crescimento econômico e educacional para acelerar esse processo”, acredita Saint-Clair. A expectativa da dupla de curadores é que os objetos fiquem no acervo da exposição para que possam ser expostos novamente em outros espaços, seja o Rio ou em outras cidades brasileiras. Neste caso, a exposição é cultural e não há venda nem comercialização.

Saint-Clair confessa que gostaria de achar um patrocinador para fazer workshops e remunerar os artistas apor meio de cursos e oficinas. “Cultura é ótimo para todo mundo, mas o que eles precisam mesmo é de dinheiro e renda”, conclui. Ele e seu sócio querem ampliar a pesquisa de campo, e levar adiante projetos documentário e livro. Cada artista anônimo ganhou um PDF no site www.odesigndafavela.com.br com todos os contatos. Também foi criada uma página no Facebook, para trocas e comentários.