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De uns anos pra cá tenho, sido convidada mais e mais a participar de eventos voltados para as mulheres. E quem me conhece bem sabe que, apesar de reconhecer a importância e a urgência do assunto, não me sinto muito apta a contribuir com eles. Vocês provavelmente estão se perguntando: mas por que não se, afinal de contas, você é mulher, mãe e executiva?

Em primeiro lugar, porque eu fui mãe muito cedo. Apesar dos obstáculos que maternidade precoce coloca nas nossas vidas, hoje eu vejo que, por incrível que pareça, isso foi uma vantagem competitiva. Afinal, quando a minha carreira deslanchou e passou a exigir mais de mim — como viajar toda semana, ser cada vez mais cobrada por performance e me relacionar com equipes de fora do Brasil e com fusos horários diferentes — meu filho já era crescido.

Confesso que também há aí uma questão de criação e, consequentemente, de perspectiva. Aos 18 anos e com dificuldades em ser aprovada na faculdade que eu queria, eu ouvi o seguinte questionamento do meu pai: você quer mesmo estudar ou quer ser dona de casa? Lembro de ter ficada ofendidíssima, mas, de certa forma, ele tinha razão: a oportunidade estava diante de mim, e agarrá-la ou não era uma escolha minha.

Anos mais tarde, já na faculdade, me vi diante de uma situação parecida, e aí percebi o quanto eu tenho esse perfil de utilizar a provocação como combustível para o meu crescimento. Certo dia, naquela sala de aula composta quase que integralmente por homens, um professor me disse que eu estava fazendo administração só pra arranjar marido. É claro que eu me senti ultrajada com o comentário machista. Mas busquei nele ainda mais garra para chegar longe. Tanto é que, anos depois, encontrei esse professor e fiz questão de contar para ele onde eu tinha chegado.

Obviamente, fugindo da polêmica sobre a brincadeira machista, o fato é que minha vivência me levou a pensar que nós, mulheres, somos donas do nosso destino e que, portanto, nosso crescimento profissional depende muito de nós mesmas. Sei que isto não está nem perto de ser uma verdade absoluta, mas confesso que fiquei feliz quando, ao me preparar para fazer uma apresentação sobre mulheres no mercado de trabalho para um grande cliente de tecnologia, me deparei com várias pesquisas que corroboram parcialmente minha tese.

De acordo com estudos feitos pelo LinkedIn, as mulheres na América Latina aplicam menos a vagas de emprego do que os homens, e a taxa de resposta feminina a contatos de recrutadores é consideravelmente menor do que a masculina, em todos os ramos de atuação pesquisados. Desde varejo e bens de consumo, que é um dos verticais com maior presença de mulheres nos níveis de entrada (54%), até tecnologia da informação, uma das áreas mais dominadas por homens (eles representam 57% da força de trabalho nos níveis mais juniores). Em TI, aliás, é onde fica mais visível esse comportamento feminino de não aplicar às vagas e não falar com os recrutadores: para cada mulher que se candidata a um posto de trabalho, há 4,1 homens; e para cada mulher que responde ao InMail (caixa de mensagens do LinkedIn) de um headhunter, existem 5,9 homens fazendo o mesmo.

Dados como esses me levam a crer que não somos somente vítimas: somos também, em certa medida, responsáveis pelo nosso próprio insucesso profissional. É claro que há motivos estruturais que dificultam os nossos movimentos de carreira. Por exemplo, uma mulher que tem filhos pequenos, um emprego com horários flexíveis e a possibilidade de trabalhar de casa dificilmente vai abrir mão desse trabalho em busca de outro que, mesmo oferecendo um salário maior, pode não lhe prover toda essa flexibilidade. Mas, fora os casos especiais — que não são tão raros, diga-se de passagem —, precisamos olhar para os nossos padrões de comportamento se quisermos mudar essa situação.

Outro dado curioso apontado por esse mesmo estudo do LinkedIn é que, quando se graduam, tanto mulheres quanto homens têm o plano de se tornarem CEOs. E a princípio, tudo indica que essa equidade nos cargos executivos é plenamente possível: até os 11 anos de carreira, a quantidade de mulheres e homens que chegam a postos de liderança é praticamente a mesma. É só daí em diante que a coisa se torna desproporcional e que as promoções passam a beneficiar muito mais os homens do que as mulheres, culminando numa desigualdade considerável: hoje, apenas 39% dos cargos de senioridade na América Latina são ocupados por mulheres — por mais que, nos níveis de entrada, a proporção de homens para mulheres seja equilibrada na maioria das indústrias.

Desde então, eu vivo com uma pulga atrás da orelha: por que esse marco dos 11 anos? O que acontece a partir desse período que favorece tanto os homens em detrimento das mulheres?

Na bolha privilegiada em que a gente vive — porque no Brasil real, 44% das pessoas começam a trabalhar antes dos 14 anos — eu arrisco dizer que, em média, as mulheres estão começando suas carreiras na faixa dos 20 aos 25 anos de idade. Dentro de 11 anos, elas estarão com 31 a 36 — justamente a faixa etária em que a maternidade se torna praticamente compulsória, diante de tanta cobrança social. Portanto, seria errado dizer que as mulheres que não avançam rapidamente na carreira passam a canalizar suas energias para a família? Que é por isso que temos mais homens em cargos de liderança? Certamente não. Mas essa me pareceu uma leitura um tanto quanto redutora.

Então, fui atrás de mais estudos sobre a desigualdade de gênero no mercado de trabalho e encontrei encontrei três insights que me soaram reveladores:

 

  1. De acordo com uma pesquisa interna conduzida pela empresa de tecnologia HP em 2015, mulheres só se candidatam a um cargo quando têm certeza de que possuem 100% das habilidades requeridas, enquanto os homens já aplicam quando acham que cumprem 60% dos requisitos.
  2. Quando o assunto é negociação salarial, mulheres geralmente pedem remunerações 30% menores do que homens e tomam a iniciativa de pedir aumento quatro vezes menos — foi o que revelou um estudo realizado pela Universidade Carnegie Mellon, na Pensilvânia.
  3. Em entrevistas com profissionais que chegaram à liderança, as jornalistas norte-americanas Katty Kay e Claire Shipman, autoras do livro The Confidence Code, ouviram muitas mulheres atribuírem seu sucesso profissional à sorte — discurso que não foi proferido por nenhum homem. Nenhum.

 

Diante de tudo isso, cheguei à inevitável conclusão de que a falta de autoconfiança é um dos principais vilões na carreira das mulheres. Enquanto os homens se autopromovem sem dó nem piedade — uma outra pesquisa do LinkedIn apontou que, nos Estados Unidos, em média, eles incluem 11% mais habilidades nos seus perfis profissionais — as mulheres ficam presas a um misto de excesso de autocobrança com medo de soarem arrogantes. E, por isso, não avançam tanto quanto poderiam em suas carreiras.

E por mais que atribuir a falta de sucesso profissional feminino à baixa autoconfiança faça a questão parecer simples, o buraco é muito mais embaixo. É biológico, educacional, social e sexista. Mas nós precisamos impor às nossas próprias vontades frente a tudo isso.

Não é fácil, mas é possível. Me lembro como se fosse hoje do dia em que minha mãe veio me advertir porque eu estava me dedicando muito ao meu trabalho e, de certa forma, ficando menos tempo com o meu filho do que ela achava que eu deveria. Ao que respondi que ele seria feliz na exata proporção em que eu fosse feliz. E que felicidade, pra mim, era crescer profissionalmente. Hoje, 23 anos depois, quem conversar com o meu Tuco vai encontrar um homem orgulhoso da mãe, que agradece pelo exemplo que eu dei e que acredita que as mulheres nasceram para liderar.

Portanto, não é somente a falta de competência, de interesse ou de oportunidades. Soma-se a isso a falta de acreditarmos em nós mesmas. Muitas vezes temos a faca e o queijo na mão. Só não botamos fé ainda que a faca seja capaz de cortar o queijo. Ainda.

Ana Moisés é diretora de vendas de soluções de marketing no LinkedIn para a América Latina, presidente do IAB Brasil e conselheira do Conar. Acumula passagens em empresas como o Yahoo e Microsoft