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Não se trata de uma caça às bruxas, mas um mercado que quer evoluir precisa reavaliar constantemente a sua rota para se manter relevante, principalmente em um mundo em constante mudança. Mais do que uma oportunidade de negócio, a busca por diversidade é uma questão que merece enorme atenção no segmento de comunicação. Não à toa, dados recentes do Instituto Locomotiva mostram que 94% dos negros não se veem representados pelas marcas e 61% declaram que comprariam produtos de marcas que contemplassem negros em sua comunicação. Além disso, somente 3% das marcas têm comunicação e desenvolvimento de produtos voltados para a população negra. Não bastasse isso, grande parte das marcas ainda derrapa na questão da abordagem em suas campanhas ou mesmo na questão da inclusão, propriamente. Na entrevista abaixo, Renato Meirelles, presidente do instituto de pesquisa  Locomotiva, fala sobre o assunto.

Mais da metade da população se considera negra. Por que as marcas ainda escorregam em campanhas que carregam estereótipos de gêneros?
As marcas erram porque o mercado publicitário é majoritariamente branco e, também por causa disso, ainda muito insensível para a questão racial. Se 54% da população brasileira é negra ou parda, quando olhamos para os profissionais de publicidade, esse número vai para apenas 26%. Os publicitários, além de brancos, também não compreendem que a população negra quer se ver cada vez mais em todos os espaços, inclusive na propaganda, e que também é um grande mercado consumidor, que movimenta mais de R$ 1,7 trilhão ao ano. Enquanto o mercado publicitário continuar descolado da realidade racial brasileira, erros como esses continuarão a acontecer.

Quais são os cuidados que uma marca pode adotar neste sentido?
Em primeiro lugar, buscar conhecimento de especialistas e a opinião das pessoas negras, principalmente aquelas que falam sobre diversidade e combate ao racismo. Você só consegue ter mais cuidado com um tema se conhecê-lo, por isso as marcas devem se informar com quem pode entregar dados e argumentos relevantes que mostrem por que determinadas abordagens reforçam estereótipos que não são mais aceitos pela sociedade.
Além disso, é fundamental olhar para os dados da realidade brasileira, que mostram que mais de 114 milhões de pessoas são pardas ou negras, que 94% delas não se veem representadas pelas propagandas e que 81% dessas pessoas gostam de produtos que melhorem a sua autoestima. Conhecimento, empatia, maior presença de negras e negros em espaços de decisão e uma prática real de diversidade dentro da marca é um bom começo para que os devidos cuidados sejam tomados.

Como mudar esse quadro? Qual é a análise que você faz?
Se o mercado publicitário é composto por pessoas brancas em sua maioria, como esperar que elas tenham a sensibilidade suficiente para representar pessoas negras nas propagandas e comerciais? Mudar esse quadro envolve promover mais diversidade racial dentro das agências.
Também é importante lembrar que não basta colocar uma pessoa negra em um comercial ou só recorrer a uma celebridade negra e, assim, achar que isso é representatividade: é importante se preocupar com o contexto em que essa pessoa negra aparece na peça publicitária e, claro, não incluir uma pessoa só na peça. Não adianta aparecer um único negro em uma propaganda e ele ainda ser colocado em um papel que o inferioriza em relação ao branco, ele precisa também ter protagonismo. Afinal, as pessoas negras são protagonistas de suas vidas e precisam não apenas ver alguém de sua cor na propaganda, mas ver essa pessoa negra em um contexto positivo, que não reforce estereótipos.

Outro dado mostra que 61% declaram que comprariam produtos de marcas que contemplassem negros. O que você pode comentar em relação a isso?
Antes de mais nada, as empresas erram ao pensar que devem ser mais representativas apenas para ganhar dinheiro. O Nizan mesmo já falou que é preciso olhar para a questão racial primeiro por uma questão ética, e não apenas de mercado. Logo, atender as demandas de um público tão poderoso quanto a população negra é, antes de tudo, o correto a se fazer.
Além disso, é inteligente atender a um mercado consumidor que traz várias oportunidades para marcas. O que elas devem entender é que precisam, internamente, promover a diversidade em vários campos, inclusive o da raça, para ver os resultados em suas propagandas depois. Com a cultura interna mais igualitária, é hora de pensar no discurso da marca, na mensagem que se deseja transmitir e de que forma a população negra se verá nos materiais publicitários. Se as agências e marcas fizerem essa lição de casa, poderão aproveitar todas as oportunidades que a população negra pode proporcionar.

Tem mais alguma questão, dado ou análise para acrescentar a respeito?
Além de ser uma questão ética, combater o racismo é uma questão de inteligência. Quase 7 em cada 10 brasileiros negros já foram vítimas ou presenciaram uma situação de racismo no último ano, e eles não estão mais dispostos a retroceder. Pelo contrário: existem vários movimentos que buscam mais igualdade racial e querem que as pessoas negras sejam protagonistas e tenham as suas vidas respeitadas. Por isso, para o bem das marcas, é melhor para elas e para a sociedade que se adequem à mudança dos tempos, caso contrário poderão ser varridas pelos ventos da mudança e deixadas para trás com o avançar da pauta negra no Brasil. A indústria de comunicação não pode esquecer que o afroconsumidor é a mesma pessoa que todos os dias sofre com o preconceito.