Leio na Folha os resultados de duas baterias de pesquisa realizadas por uma mesma consultoria de RH: a Protiviti. A primeira bateria, realizada entre janeiro de 2012 e junho de 2014, com as entrevistas de 8.718 profissionais que trabalhavam em 121 empresas no Brasil, portanto pré-Lava Jato. E a segunda, com 6.277 profissionais, de 146 empresas, no período entre julho de 2014 e dezembro de 2016, portanto, já sob o efeito Lava Jato. Os resultados são constrangedores.

Pré-Lava Jato, 40% dos profissionais denunciariam, se presenciassem, atos anti-éticos. Pós-Lava Jato, 47% denunciariam. 48%, no pré, denunciariam dependendo da situação; no pós, 48% denunciariam… Pré-Lava Jato, 48% não considerariam em hipótese alguma o recebimento de pagamentos ilícitos; no pós, 56%. Já no pré, 50% considerariam, dependendo da situação; e no pós, esse número cai um pouco, 43%. Ou seja, mesmo depois da Lava Jato, 43% dos profissionais considerariam o recebimento de pagamentos ilícitos dependendo da situação!

Pré-Lava Jato, 35% jamais repassariam informações confidenciais; pós, 36% não repassariam. 64%, no pré, dependendo de fatores de pressão ou eventuais prejuízos, repassariam informações confidenciais. No pós, 63%! Mudança nenhuma! Pré-Lava Jato, 49% não consideravam dar ou receber gratificação indevida em hipótese alguma. No pós, 56%. Mas, 47% no pré consideravam dar ou receber, dependendo da situação; e no pós, 42%. Ou seja, mudança mínima.

Concluindo e perguntados se considerariam apropriar-se, indevidamente, de ativos da empresa, no pré, 56% responderam que sim; e no pós, 37% disseram sim! Diante desses resultados, muitas empresas passaram a adotar Testes de Predição de Honestidade ou Desonestidade, nas suas contratações. Disfarçados sob a denominação de Testes de Integridade. A própria Endeavor declara, nas palavras de Luiz Manzano, diretor de apoio a empreendedores, que aplica o teste na etapa final de seleção dos novos empresários que farão parte da rede, há dez anos. Diz, Luiz: “O teste, sozinho, não funciona como critério de exclusão, mas ajuda a corroborar suspeitas de desvios éticos que tenham se manifestado ao longo do processo”.

Todos os dias chamo um táxi pelo aplicativo. Como é sempre bem cedo, entre 5h20 e 5h30, os motoristas acabam se repetindo e fazendo amizade. Dia desses um deles decidiu contar um pouco de sua vida. Disse que trabalhou numa empresa que fabricava material de escritório, onde fez a sua vida e todo o patrimônio que tem. Um dia foi promovido e passou a trabalhar na área de compras. A encarregada do RH deu um sorrisinho maroto para ele quando perguntou se não ia ganhar mais. Ela, sorrindo, disse: “não vai ser preciso”. Durante os primeiros meses, segundo ele, volta e meia algum vendedor fazia insinuações sobre se ele não estava precisando de alguma coisa. Um dia, disse que parou e pensou. Sou um ótimo funcionário. Sei comprar muito bem. A empresa continua comprando pelos melhores preços. Qual o problema de eu ganhar alguma comissãozinha?

E a partir desse dia sua vida mudou. Tudo o que tem hoje veio da comissãozinha. E nominou os fornecedores que pagavam as melhores bolas. E como funcionava todo o sistema. Deu-me nomes das empresas, das pessoas, de todos os fornecedores, claro, e também da empresa onde trabalhou durante 18 anos praticando roubo escatológico disfarçado sob o nome de comissão. Senti uma ponta de orgulho nele, quando paguei e sai do carro. Quase como se tivesse praticado um ato heroico e vencido o troféu da esperteza. Definitivamente não vai ser fácil…

Francisco Alberto Madia de Souza é consultor de marketing (famadia@madiamm.com.br)

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