A crise, esse assunto permanente nas conversas brasileiras, com algumas exceções, atinge a todos. Principalmente na área da comunicação e das artes, seja pela mudança de modelo das empresas jornalísticas, seja na propaganda, onde os clientes, acreditando na possibilidade de atingir milhões por tostões, inviabilizaram parte do negócio, e até mesmo na indústria do espetáculo, onde a mistura de Lava-Jato, governos falidos e dificuldades de verba a todos mambemba. Essa situação cria um permanente medo em todos que trabalham na área.

Todo dia ficamos sabendo de cortes de pessoal nas emissoras de rádio e televisão, nos jornais e na diminuição radical na média de salários da propaganda. Gente acostumada a transitar alegremente de emprego a cada oferta de salário melhor, hoje dá graças a Deus em conseguir um lugarzinho para trabalhar e retirar seu sustento. Já disse que há exceções, sempre haverá, mas a média é esta. Não é meu caso, registre-se. Como diria Tim Maia, estou ganhando uma fortuna, prestigiadíssimo, seguro e com o futuro garantido. Só ando mentindo um pouco.

Meus amigos jornalistas quase que diariamente me falam dos voos de uma ave de péssimo agouro que atormenta as redações, chamada de Passaralho. Desde que pela primeira vez pisei numa redação de jornal, ouvi falar da existência desse ente voador que, de tempos em tempos, surge qual uma besta do apocalipse, eliminando pessoas em nome de metáforas como adequação aos novos panoramas, produção de conteúdo integrado ou racionalização de esforço gerencial. No fundo, redução de pessoal e redução de custo. Mais consequentemente ainda, redução de qualidade. Portanto, o fenômeno que causa a existência do Passaralho é, basicamente, a economia. O que se sabe é que os voos do Passaralho deixam um rastro de cabeças decepadas.

Há um tempo de esperanças e felicidade. E um tempo de Passaralhos. Estamos nele. Acontece que na semana passada, pesquisando para um trabalho, encontrei na revista Carta Capital, na seção Plural, de responsabilidade de Carlos Leonam, a definição – digamos – oficial para o termo “Passaralho”, atribuída a um copidesque do Jornal do Brasil chamado Joaquim Campelo. Leonam reproduz o verbete que define o Passaralho e o considera, com justiça, um dos melhores textos da imprensa brasileira. Eu faço questão de reproduzir.

Passaralho s.m (brasl). Designação popular e geral da ave caralhiforme, faloide, família dos enrabídeos (Fornicator caciquorum MFNB & WF). Bico penirrostro, de avultadas proporções, que lhe confere características específicas, próprio para o exercício de sua atividade principal e maior: exemplar. À sua ação antecedem momentos prenhes de expectativa, pois não se sabe onde se manifestará com a voracidade que, embora intermitente, lhe é peculiar: implacável. Apesar de eminentemente cacicófago, donde o nome científico, na espécie essa exemplação não vem ocorrendo apenas ao nível do cacicado. Zoólogos e passaralhófilos amadores têm recomendado cautela e desconfiança em todos os níveis; a ação passaralhal é de amplo espectro. Há exemplares extremamente onívoros e de ação onímoda.

Trata-se este do mais antigo e puro espécime dos Fornicatores. No Brasil também é conhecido por muitos sinônimos, vários deles chulos. Até hoje discutem os filólogos e etimologistas a origem do vocabulário. Uma corrente defende derivar de pássaro+caralho, por aglutinação, outra diz vir de pássaro+alho. Os primeiros baseiam-se da forma insólita da ave; os outros pelo ardume sentido pelos que experimentaram e/ou receberam a ação dele em sua plenitude. A verdade é que quantos o tenham sentido, cegam, perdem o siso e ficam incapazes de descrever o fenômeno. As reproduções que existem são baseadas em retratos falados e, por isso, destituídas de validade científica.

A mim só resta desejar, sinceramente, que o Passaralho jamais pouse em sua horta, amável leitor.

Lula Vieira é publicitário, diretor da Mesa Consultoria de Comunicação, radialista, escritor, editor e professor (lulavieira@grupomesa.com.br)