O designer Francesc Petit (falecido em 2013), criador de algumas das marcas mais longevas que conhecemos, escreveu muito sobre construção de marcas, e costumava dizer que uma marca precisa ter, acima de tudo, “caráter”. E tudo pode ser uma marca: inclusive as quatro letras do nome Itaú, que eram, para ele, quando a criou, o que o banco tinha de mais valioso. Como Fiat e Sony, Itaú tinha em si a potência necessária para se bastar grafada em helvética branca, em uma bolacha preta. E assim foi. 

Marcas com “caráter” suficiente podem se dar ao luxo, de, eventualmente, usar só um fragmento da sua logo, trocar de embalagem ou se valer apenas da sugestão de sua identidade visual, como uma cor. Ou mudar de cor. O laranja, por exemplo, identifica o Itaú. Marcas que se valem daquilo que outro designer, Fred Gelli, da Tátil, chama de princípios expressivos, aqueles que lhe dão “vida” para além de uma logomarca. Marcas que trazem em si e reúnem ao seu redor, a partir de uma longa construção, todo um universo de expressões, que as tornam reconhecíveis de diversas maneiras.

“O sonho de qualquer marca é conseguir ter reconhecimento através de fragmentos de sua identidade. Você consegue criar identidade através de princípios expressivos consistentes e poderosos. Especialmente no mundo poluído e ‘overdoseado’ de estímulos em que vivemos, consistência na construção das expressões garante esse nível de reconhecimento”, afirma Gelli.

Para ele, marcas fortes demandam resiliência, perseverança e não podem jamais ser impactadas pela última moda ou tendência. No mundo poluído, onde se trava uma “guerra de símbolos”, marcas precisam ir além e proporcionar boas experiências e, claro, representar empresas (leia-se produtos e serviços) fortes, fascinantes e dignas de admiração. E empresas fortes não são fenômenos de um trabalho de imagem via marca, logotipo ou mesmo marketing e propaganda: são maiores do que isso e se transformam em sinônimos de categoria. Este sim, como disse Gelli, é o sonho da imensa maioria. E um privilégio de poucos.

Ricardo Leite, designer da Crama, afirma que se uma logomarca – como disse Milton Glaser – é uma porta de entrada para a marca, a identidade “é a casa inteira”. A identidade vai muito além da identidade visual, verbal e sonora. “Muitas vezes, nem vemos aquilo que não conhecemos”, observa.

No último Cannes Lions, o Grand Prix escolhido na categoria Outdoor foi uma sequência de quatro placas do McDonald’s (assinados pela agência canadense Cossette) que apenas sugerem a logo da empresa, junto a frases como “próxima saída” ou “à esquerda”. Foi considerada telegráfica, confiante e corajosa, e representa esta força de marca a que nos referimos aqui, fruto de uma longa construção – em muitos casos intencionalmente agressiva, como é o caso de marcas como McDonald’s e certamente também da centenária Coca-Cola, que explorou seus elementos visuais à exaustão, das mais diversas maneiras, ao longo do tempo, a ponto de sobreviver a qualquer “desconstrução”. No Dia Internacional da Mulher deste ano, o McDonald’s, nos Estados Unidos, simplesmente virou o ‘M’ do logo da marca de cabeça para baixo, que se tornou um ‘W’, para representar a palavra women (mulheres, em inglês) e fazer uma homenagem a elas.

Jaime Troiano, da Troiano Branding, lembra que uma marca que frequentemente “brincou” com seu visual foi a MTV. Segundo ele, marcas com estatura suficiente reconhecida, sólida, fruto de longos períodos de investimentos em comunicação e marketing são “marcas Sherazade”: têm sempre alguma história interessante para contar.

Um bom exemplo é a campanha Essa Coca É fanta. E daí?, que nasceu como ação interna (a distribuição de latas de Coca-Cola que continham Fanta) – e acabou “quebrando a internet”, como conta Beatriz Bottesi, diretora de comunicação e marketing integrado da Coca-Cola Brasil.

“Esse espaço foi conquistado de forma natural, e gerou ainda mais credibilidade. Produzimos apenas 100 latinhas e a repercussão foi incrível, o que mostra que a verdade da conexão da marca com os valores defendidos determina o reconhecimento e o amor do público, e a solidez de reputação”, diz Beatriz.

A marca mais valiosa do Brasil no estudo BrandZ (Kantar/WPP), Skol arrisca bastante dentro do seu universo de expressões. Sinônimo de “redondo” desde 1997, a lata vista de frente não tem visível o nome Skol, apenas a seta redonda. O conceito de “redondo” foi ampliado e hoje representa, segundo Maria Fernanda Albuquerque, diretora de marketing da Skol, ser “cabeça aberta”, sem preconceitos e inclusivo. A F/Nazca Saatchi & Saatchi tem uma parceria histórica de publicidade com Skol, atendendo a conta há pelo menos 20 anos, e é a criadora do conceito.

Para marcar o mês do orgulho LGBT, em junho passado, a Skol lançou a ação Marcas aliadas, em que mudou o nome para Sko – doando sua letra “L” para a causa LGBT+ – e convidou outras marcas a doarem uma das letras de suas logos em apoio. Entraram nessa Bradesco e Next, Burger King, Bis, Trident e Quem disse, Berenice?, entre outras.

“Se uma marca é verdadeira, autêntica e é reconhecida pelo seu público por essas características, ela pode brincar e arriscar mais nesse sentido. Skol é uma marca que está ao lado do respeito e da inclusão. E por ser essa cerveja para todos, podemos usar a força da nossa logomarca para reforçar essa mensagem”, afirma Maria Fernanda.

Bancos sérios, mas nem tanto
A força de suas marcas permitiu que dois bancos ocupassem a primeira e a segunda posições no ranking da consultoria Interbrand das marcas mais valiosas do país – casos do Itaú e do Bradesco. E possibilitou que sua comunicação fosse bem mais ousada do que a média no segmento. Alexander Guazzelli, superintendente de design do Itaú Unibanco, fala que consistência não é um “carimbo”, mas antes de tudo conhecer-se bem e saber onde se quer chegar. “Quando isso acontece, é possível estabelecer guias e, conscientemente, abrir espaço para o novo”, diz. 

Juliana Cury, superintendente de marketing institucional do Itaú Unibanco, exemplifica algumas tematizações e flexibilizações feitas com a marca, como na Copa do Mundo de 2018, quando ela ganhou uma borda verde e amarela. No Rock in Rio 2017, foi paleta de guitarra.

“Temos consciência de que isso só é possível devido aos anos de construção e consistência da marca. O Itaú é a marca mais valiosa do Brasil – sabemos que cada gesto deve ser muito bem pensado, sempre preservando nossa essência”, diz a executiva.

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Márcio Parizotto, diretor de marketing do Bradesco, conta que promover interferências na marca é algo que tem de estar atrelado a uma estratégia muito grandiosa e sempre alinhada com os valores da empresa. A estratégia BRA, que teve início em 2012, culminou com o lançamento do Tudo de BRA, em 2014, e acompanhou o Bradesco nos Jogos Olímpicos de 2016. Possibilitou diversas intervenções na marca e ajudou o banco a ser um dos patrocinadores mais lembrados dos Jogos e o primeiro entre as instituições financeiras.

Bradesco e Next participaram da campanha Marcas Aliadas, puxada por Skol, pois têm, segundo Parizotto, suas essências calcadas na diversidade e inclusão. “Esse banco verdadeiramente acredita que toda pessoa pode e deve ser a letra que quiser”, afirma.

Outra estratégia recente foi a mudança de cor da marca na cidade de Parintins (AM), onde o banco patrocina o Festival Folclórico de Parintins, em referência aos dois bois Caprichoso (azul) e Garantido (vermelho). Estratégia semelhante, por sinal, foi usada pela Skol, ao lançar latas nas duas cores na mesma ocasião.

O patrocínio ao Cirque du Soleil no Brasil, desde 2006, fez com que a marca do Bradesco fosse desenhada por artistas, em diferentes oportunidades, com fogo, plumas, fitas e outros adereços. “A intervenção em uma marca só cabe quando o reconhecimento da mesma já estiver solidificado, somente nesse momento uma intervenção será percebida”, comenta Parizotto.

Digital, desafios diários
No mundo digital, as marcas ganharam universos de identidade visual essenciais para o branding, que dependem de reconhecimento instantâneo. “Marcas digitais promovem a identificação através de suas próprias interfaces. Você não vê o logo do Facebook na interface do app deles, mas reconhece elementos visuais do branding que gera o reconhecimento da marca instantaneamente”, comenta Fabiano Coura, diretor-geral da R/GA no Brasil, agência do banco digital Next, do Bradesco.

No caso do Bradesco, Parizotto, do marketing, destaca que 95% de todas as transações são realizadas por canais digitais, e que no mundo digital o tom de comunicação é distinto e mais assertivo. “O segredo está em pensar na jornada do cliente”, diz.

Alexander Guazzelli, designer do Itaú, afirma que o caminho passa por integrar cada vez mais os ambientes físico, mídias tradicionais e digitais. “O usuário é um só, impactado por diferentes ambientes. Pensar como ele pensa é a melhor forma de se construir uma estratégia”, diz.

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Beatriz, do marketing da Coca-Cola, ressalta que o anunciante busca sempre possibilidades de usar ferramentas digitais de forma cada vez mais efetiva e inovadora. “Por exemplo, lançamos Coca-Cola Plus Café Espresso na nossa loja virtual antes de chegar aos pontos de venda de todo o país. Foi o primeiro produto da Coca-Cola Brasil a ser vendido primeiro no e-commerce. Também usamos esse canal para produtos exclusivos, como a Coca-Cola de Natal customizada e as garrafas especiais de Copa do Mundo, em edição limitada”.

Rafael Donato, vice-presidente de criação da agência David, que atende a Coca-Cola e desenvolveu a campanha Essa Coca é Fanta, aposta que as marcas que entendem o valor do buzz nas redes sociais vão ganhar. “Nenhuma marca pode viver num vácuo, tem de entender o contexto em que está inserida e como se integra na vida das pessoas, e não ao contrário”, conclui.