Para quem gosta de escrita criativa, o Brasil está oferecendo uma bela oportunidade: o desenvolvimento de narrativas convincentes sob encomenda. Espera aí, mas onde está a novidade? Eu faço isso desde que comecei a trabalhar em publicidade, faz mais de 40 anos! Ah, mas agora não se trata mais apenas de vender produtos ou serviços, mas de vender versões inteligentes para fatos e ideias controversos.

Com a eleição do atual presidente, foi aberto um grande leque de necessidades de revisão de tudo o que foi dito antes da posse dele. Os temas são os mais variados: feminismo, homossexualismo, racismo, aborto, fé, comunismo, aquecimento global, desmatamento, educação, geografia, família, enfim, são tantos e tão variados que você mesmo pode propor um que será muito bem-vindo. Boa parte dos defensores dessa tentativa de dar uma nova ordem ao pensamento brasileiro aguarda ansiosa alguma fonte para se abastecer de uma retórica de mais qualidade.

Afinal, por enquanto, o que vem sustentando a permanência desse grupamento de guerreiros unido são apenas as “caneladas” – vociferações estúpidas – presidenciais, o que pode funcionar até certo ponto para manter a tropa motivada, mas não angaria novos simpatizantes, necessidade básica para superar os vulneráveis 30% de fiéis. Tem sido tarefa complicadíssima para o governo cooptar cabeças que contribuam na busca pela “destoscatização” da sua imagem e em a nivelar um pouco com a qualidade formal do discurso da oposição.

As cabeças que chegam, seja por preguiça ou por puro puxa-saquismo, têm se acomodado ao estilo truculento e simplório nos enfrentamentos. Esse servilismo pequeno agrada ao chefe num primeiro momento; no médio prazo, contudo, só serve para piorar a percepção do seu “lado ruim”.

O governo brasileiro precisa urgentemente se capacitar para a interlocução, por exemplo, com outra pessoa, além de Donald Trump. O que não significa dizer que tenha de, necessariamente, se desalinhar do que seria a ideologia de Bolsonaro (talvez mais adequado seria dizer o compromisso de Bolsonaro), uma vez que ideologia, por pior que seja, sugere certo requinte cultural. Sim, é possível defender alguns dos pontos de vista, bandeiras deste governo, com argumentação relativamente respeitável e crível.

Acontece, porém, que o time está atrapalhado, alguns por evidentes limitações intelectuais e outros por se deixar tomar pelo ódio e cair nas arapucas dos bate-bocas rasteiros. Resultado: diante do quadro, qualquer militante, por mais ignorante, se sente na obrigação de assumir a defesa do governo, o que só agrava a situação.

Bolsonaro está caminhando para a típica sinuca vivida por governos populistas: aquela hora em que precisa mandar os toscos calar a boca e privilegiar a contribuição de alguma inteligência não-engajada. Arriscado, porém absolutamente necessário. É dramático para o nosso futuro sinalizar ao mundo que o Brasil, ainda que tenha optado por um presidente com uma linha de pensamento oposta ao do governo anterior, não se tornou, de um dia para o outro, uma patética terra de lunáticos.

Stalimir Vieira é diretor da Base Marketing (stalimircom@gmail.com)